O legado que não virá e o fim
definitivo do sonho olímpico
Por: Ubiratan Leal, para o site, “Outra
Cidade”
Vamos voltar um pouco no tempo.
Outubro de 2007, Zurique, o então
presidente da Fifa, Joseph Blatter, vai ao púlpito com um envelope na mão. Lá
estava o nome do país que organizaria a Copa do Mundo de 2014.
Nenhuma surpresa, já que havia
candidatura única: o Brasil estava escolhido.
Dois anos depois, a cena se
repetiu. Jacques Rogge, presidente do COI, abre o envelope e anuncia a
cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2016.
Ali havia apreensão devido à
concorrência espanhola, mas o resultado foi parecido e a incumbência era do Rio
de Janeiro.
Ninguém ganharia um prêmio por
supor, já naquela época, que havia um enorme potencial de problemas na
organização dos dois megaeventos esportivos.
O modus operandi dos dirigentes
brasileiros são conhecidos há décadas, e era de se esperar uso político,
clientelismo e toda sorte de artifícios para usar o esporte de forma duvidosa.
Mas havia quem mantivesse a
esperança de algo diferente.
O Brasil de hoje é um país em
crise econômica, dividido politicamente e sem confiança em si próprio.
Mas o Brasil de outubro de 2007 e
de outubro de 2009 era diferente do atual.
A economia dava bons sinais e
acreditava-se que seria uma das cinco maiores do mundo no momento desses
grandes eventos.
No final das contas, a Copa do
Mundo e os Jogos Olímpicos poderiam reforçar aos olhos do público internacional
a posição brasileira entre as nações mais poderosas do século 21.
Por isso que a palavra “legado”
foi tão forte desde o início do processo.
Ele que faria esse papel.
O Brasil de 2007 e o de 2009
tinha vários problemas de gestão política, mas poderia isolar esses grandes
eventos e aproveitar seu potencial midiático para torná-los exemplos.
O próprio país poderia ver que
era possível fazer algo de forma planejada, profissional e sem os vícios do
passado.
O fracasso em concretizar esse
legado se vê em nossas cidades.
Afinal, elas que receberiam a
maior parte das melhorias prometidas para os grandes eventos: infraestrutura
viária, transporte de massa, revitalização de bairros e promoção turística e
cultural.
Mas o Brasil do passado falou
mais alto, a barganha política foi mais forte que os conceitos de boa gestão e
muito projeto ficou pelo caminho, do VLT de Cuiabá à expansão do metrô de São
Paulo, do BRT de Porto Alegre à despoluição da Baía de Guanabara, do novo polo
urbano em São Lourenço da Mata (Grande Recife) ao trem-bala Campinas-São
Paulo-Rio de Janeiro.
Tudo isso se desenhou aos poucos,
com notícias surgindo a cada dia sobre problemas, atrasos ou erros que faziam
os planos serem esquecidos.
Mas, para os sonhadores que ainda
restam, o alarme já está tocando.
Esta quarta marcou a contagem
regressiva para a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro:
faltam 30 dias, um mês.
Obras foram feitas, mas muita
coisa está em andamento e parte delas não ficarão pronta quando a pira olímpica
for acesa (nem quando for apagada 16 dias depois).
Não há mais tempo para alguma
surpresa ou para esperar que as coisas se alinhem repentinamente.
O sonho de repetir Barcelona-1992
ou Alemanha-2006 não é mais possível.
O Brasil de 2007, 2009, 2014 e
2016 não soube realizá-lo.
A Copa de 2014 foi fantástica
como festa (goleada para a Alemanha à parte), tomara que os Jogos do Rio sejam
também sejam, mas sabemos que, em um contexto maior, um enorme potencial de
mudança foi desperdiçado.
Nossas cidades são o retrato
disso.
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