Imagem: El País/David GP
O ‘maluco’ que corre para trás
Mexicano Diego Polino encerra o Ironman de Lanzarote fazendo maratona
de costas em cinco horas
Por Carlos Arribas de Madrid para o El País
Diego Polino sempre foi um bicho
esquisito.
Cresceu praticando esporte e
acostumado a chamar a atenção para si mesmo involuntariamente.
O mexicano (de Guadalajara,
Jalisco, como o campeão Chivas, a tequila e o mariachi) é um atleta de alto
nível que nunca correu como os outros. Tampouco viu a vida da mesma maneira.
Desde pequeno, sempre praticou a
marcha atlética em bom nível ao lado de alguns outros que tornaram o México uma
das grandes potências mundiais nessa modalidade.
Ao completar 20 anos de idade,
deixou o atletismo e o esporte para ser um produtor a mais no sistema.
Abriu negócios com amigos e,
chegando aos 30 anos, respondeu às dúvidas normais de mudança de década (quem
sou? O que estou fazendo da vida? O que quero fazer? Será só o trabalho e mais
nada?) retornando ao esporte.
“Sem abandonar o meu trabalho, retomei a prática de forma planejada,
quase em nível de alto rendimento”, conta Polino, de 31 anos. “Comecei correndo
como todo mundo, mas um dia, de brincadeira, tive a ideia de correr para trás.
Pouco depois, fiquei sabendo não só que essa forma de correr de costas era
praticada por mais pessoas, mas também que havia uma federação específica que
organizava um campeonato disso na Inglaterra”.
Correndo de costas nos parques de
Guadalajara, Diego Polino ouvia de tudo das pessoas que o viam e que cobravam
dele que corresse como todo mundo.
Hoje, quando aparece correndo de
costas (os praticantes dessa modalidade a chamam de retrorunning e a consideram
quase uma religião), as pessoas que o veem virando-se vez por outra para ver o
que há atrás ou olhando para o alto para identificar os postes de luz ou as
linhas do caminho - orientando-se também pelos gritos dos que dividem a rua com
ele - também o chamam de maluco.
“No mundo há 28.000 retrorunners registrados, mas em Guadalajara eu sou
o único a fazer isso, e é normal que chame a atenção das pessoas, que elas me
chamem de maluco. Mas elas também me estimulam e me aplaudem”, conta o
atleta, que dez dias atrás enfrentou com sucesso o maior desafio de sua vida.
Ele participou do Ironman de
Lanzarote (Espanha) e foi até o final.
Nadou os 3.900 metros em pouco
mais de uma hora e meia; consumiu sete horas em bicicleta para percorrer 180
quilômetros e fez a maratona que encerra a prova em 4h 52 min, de costas, vendo
os demais atletas se aproximarem dele de frente.
“Da próxima vez talvez eu faça o nado de costas também, olhando para o
céu, já me sugeriram isso, mas só o farei se vir que haverá vantagens nisso”.
Sem ter introduzido mais essa
extravagância em seu repertório, Polino concluiu a prova em um total de quase
14 horas, cinco horas e meia a mais do que o campeão, o belga Bart Aernouts (8h
34m 13s).
Mas não foi o último colocado, e
sim o 918º de um total de 1.338 que chegaram até o final, registrando um tempo
de três horas a menos do que o último colocado.
“Corri com cuidado, fazendo um quilômetro a cada sete minutos, porque o
circuito era aberto e tinha gente passeando distraidamente, e a corrida era
pela orla, junto ao mar e eu não podia me desviar. Mas em 10.000 eu tenho uma
marca de 45 minutos, fazendo um quilômetro a cada 4m 30s, quase a velocidade da
marcha”, diz Polino, que, como todos os seus demais praticantes, assume
ares de missioneiro da modalidade.
O atleta mexicano menciona várias
vantagens fisiológicas proporcionadas pela corrida de costas.
São supostos benefícios, ainda
não comprovados cientificamente, como o impacto menor sobre as articulações e
um aumento de 30% a 40% na quantidade de calorias queimadas no exercício.
“Eu adquiro menos lesões e tenho menos dores do que quando corria do
jeito normal”, argumenta.
Mais difíceis de negar são as
vantagens de ordem psicológica, as sensações subjetivas trazidas pelo fato de
se ver a vida pelo avesso.
A primeira é de se sentir bem
consigo próprio, essencialmente.
“Correndo desse jeito, eu vejo os outros vindo em minha direção de
frente”, diz.
“Vejo o mundo de forma diferente. Tudo ao avesso. Quando andamos pela
vida, deixamos tudo para trás, e nem sempre, na vida, o futuro está diante de
nós. Correndo assim, eu avanço sem perder a perspectiva, vendo sempre de onde
eu venho e aquilo que já vi. Não esqueço daquilo que sou”.
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