segunda-feira, dezembro 03, 2018

O Palmeiras é deca ou hexa?

Imagem: Palmeiras Campeão da Taça Brasil de 1960


Fato ou fax?

Palmeiras, Deca ou Hexa?

A pergunta que não cala?

Por: Pedro Brandão

Com a vitória por 1 a 0 sobre o Vasco da Gama em São Januário na penúltima rodada do campeonato, o Palmeiras conquistou o título do Campeonato Brasileiro de 2018 de forma inconteste e reavivou uma polêmica que tomou conta da resenha popular nos últimos dias: Palmeiras, Deca ou Hexa campeão brasileiro?

É preciso entender alguns pontos para compreender a base dessa polêmica.

O primeiro e mais importante é a unificação de títulos promovida pela CBF em 2010, quando, além dos Campeonatos Brasileiros desde 1971, foram considerados como campeonatos nacionais os campeonatos Roberto Gomes Pedrosa e a Taça Brasil entre 1959 e 1970.

O contexto político ajudou a concretizar o antigo desejo de João Havelange, ex-presidente da CBD e FIFA.

Ricardo Teixeira, já em final de mandato na CBF e apadrinhado político de Havelange, cedeu aos pedidos de seu ex-sogro que sempre quis a unificação dos títulos, não se sabe exatamente por qual motivo, mas a época com 94 anos, Havelange declarou  que “reconhecer o passado é dar a quem de direito os títulos conquistados”.

Porém os títulos reconhecidos remontam ao período em que o cartola presidiu a CBD e controlava o futebol brasileiro.

Santos Futebol Clube e Sociedade Esportiva Palmeiras foram os clubes que mais aumentaram a sala de troféus.

O Time da Vila adicionou ao seu hall de conquistas seis taças conquistadas na década de 1960, período de hegemonia do clube no futebol mundial, quando conquistou: duas Libertadores da América, dois Mundiais Interclubes além dos já citados seis títulos nacionais, sendo um pentacampeonato consecutivo entre 1961 e 1965. Bahia, Cruzeiro, Botafogo e Fluminense tiveram reconhecido como título brasileiro uma taça cada.

O Palmeiras teve quatro títulos reconhecidos.

Considerado nos anos 1960 o único clube que conseguia enfrentar o Santos de Pelé em condições de igualdade, o Verdão passou a ter oito conquistas após a unificação de 2010 e para conseguir compreender melhor essa história de deca ou hexa vamos relembrar as conquistas:

Taça Brasil — 1960

A Taça Brasil viveu seu segundo ano de disputa em 1960, o Bahia havia vencido em 1959.

A competição foi criada no ano anterior para indicar o representante brasileiro na recém-criada Copa Libertadores da América e contou com 17 campeões estaduais dos 20 estados existentes no Brasil a época, ou seja, no critério representatividade estadual a Taça Brasil contava com mais de 80% dos estados da federação.

O Palmeiras se classificou a competição nacional de 1960 por ter vencido o Campeonato Paulista no ano anterior, que ficou conhecido como o Supercampeonato de 1959, justamente pelo equilíbrio entre Santos e Palmeiras que terminaram empatados em pontos disputaram uma melhor de três partidas para decidir o título que ficou com o Palmeiras após vitória por 2 a 1 no Pacaembu e decretou o fim do jejum de títulos do time de Palestra Itália que durava desde 1951.

Como a seleção paulista havia conquistado o título Brasileiro de Seleções em 1959 e a seleção pernambucana foi vice-campeã, Palmeiras e Santa Cruz entraram na Taça Brasil apenas na fase semifinal.

É preciso fazer o adendo que até 1959 não havia campeonato nacional de clubes, mas de seleções estaduais. Enquanto os pernambucanos perderam para o Fortaleza, os paulistas eliminaram o Fluminense para disputar a final do torneio.

O primeiro jogo da final aconteceu em Fortaleza e nem mesmo o estádio Presidente Vargas lotado foi capaz de parar o forte time palmeirense que venceu por 3 a 1 como visitante.

No jogo de volta, no Pacaembu, o time do lendário técnico Oswaldo Brandão aplicou uma sonora goleada por 8 a 2 no time cearense, conquistando assim seu primeiro título de nível nacional.

Roberto Gomes Pedrosa — 1967

Visto hoje como o maior argumento daqueles que discordam da unificação, por ter permitido duas conquistas aos palmeirenses no mesmo ano, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, ou Robertão como ficou popularmente conhecido, foi organizado pelas federações paulista e carioca, com o intuito de ampliar o Torneio Rio — SP.

Para isso convidaram clubes de Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, totalizando quinze equipes.

Foi o primeiro campeonato nacional disputado no formato de pontos corridos em que os times se enfrentaram em turno único divididos em dois grupos.

O regulamento previa um quadrangular final entre os dois primeiros colocados de cada grupo.

No grupo A, Corinthians e Internacional foram os classificados, enquanto que no grupo B, Palmeiras e Grêmio foram primeiro e segundo colocados respectivamente.

Com o time que ficou conhecido como a Primeira Academia, o Palmeiras superou grandes times do futebol brasileiro para conquistar seu segundo título nacional.

A campanha alviverde no Robertão contou com o melhor ataque, 39 gols em 14 jogos.

Teve também o artilheiro e destaque do campeonato, César Maluco marcou 15 gols incluindo os dois tentos do jogo final contra o Grêmio no Pacaembu.

Taça Brasil — 1967

Novamente o Palmeiras entrou na competição apenas na semifinal, beneficiado pelo fato de ser campeão paulista do ano anterior.

O acirrado confronto foi contra o Grêmio e depois de três equilibradas partidas, o time comandado por Mário Travaglini conquistou a vaga na decisão.

Na final encontrou o pentacampeão pernambucano, o Náutico que passava pelo momento mais glorioso de sua história.

Em 1966 o Palmeiras havia sido eliminado nas quartas de final da Taça Brasil pelo Timbu.

A Ilha do Retiro recebeu o primeiro jogo da decisão e foi o Palmeiras que surpreendeu vencendo por 3 a 0.

Na volta em pleno Pacaembu foi a vez dos pernambucanos surpreenderem, venceram por 2 a 1 e forçaram o jogo de desempate.

A partida aconteceu no Maracanã e o Palmeiras confirmou seu terceiro título nacional vencendo por 2 a 0.

É preciso destacar que foi por ter vencido a Taça Brasil de 67 que o Palmeiras garantiu a vaga para disputar a Libertadores da América de 1968 em que foi finalista e acabou derrotado pelo Estudiantes.

Torneio Roberto Gomes Pedrosa — 1969

O período de transição e amadurecimento das competições continuava e 1969 trouxe a extinção da Taça Brasil permanecendo o Roberto Gomes Pedrosa como único torneio nacional durante dois anos até a criação do Campeonato Nacional de Clubes em 1971.

A transição acontecia também no Palmeiras, com o final da Primeira Academia e início da Segunda com nomes como Leão e Luís Pereira que já estavam no clube apesar de muito jovens.

Com essa mescla entre juventude e experiência o Palmeiras conquistou seu quarto título nacional.

A competição foi disputada por pontos corridos em turno único dividindo os clubes em dois grupos. Liderado por César Maluco e Ademir da Guia, o Palmeiras assegurou o primeiro lugar do grupo para jogar um quadrangular final contra Corinthians, Botafogo e Cruzeiro.

Foi com muita emoção já que chegou a última rodada precisando vencer seu jogo e torcendo pela derrota do Corinthians para conquistar o título.

E foi isso que aconteceu, enquanto vencia o Botafogo por 3 a 1 os torcedores alviverdes ouviam atentos pelo rádio os lances de Cruzeiro e Corinthians, ao fim do jogo o time Celeste venceu por 2 a 1 e ficou a um gol de alcançar o Palmeiras que foi campeão pelo saldo de gols.

Campeonato Nacional de Clubes — 1972

Em 1971 houve a mudança na nomenclatura da disputa nacional, passou a se chamar Campeonato Nacional de Clubes e depois foi incorporado ao que conhecemos como Campeonato Brasileiro.

A edição de 1972 contou com 26 equipes distribuídas em quatro grupos em que todos se enfrentavam, classificando-se os quatro primeiros de cada grupo.

Com facilidade o time do técnico Oswaldo Brandão avançou à segunda fase, mas se complicou e precisou de uma combinação de resultados para chegar às semifinais.

Mesmo assim contou com a ótima campanha da primeira fase para jogar pelo empate nos jogos finais.

Assim passou pelo Internacional com empate em 1 a 1 e sagrou-se campeão brasileiro pela quinta vez em sua história depois de empatar em 0 x 0 com o Botafogo.

Campeonato Nacional de Clubes — 1973

O campeonato de 1973 recebeu os clubes da segunda divisão totalizando 40 clubes no torneio e uma fórmula de disputa complicada com grupos, turno, returno e fases eliminatórias até chegar a um quadrangular final entre Palmeiras, Cruzeiro, Internacional e São Paulo.

Com a melhor defesa da história dos Campeonatos Brasileiros, média de 0,3 por jogo, o Palmeiras conseguia ótimos resultados como a vitória em pleno Mineirão sobre o Cruzeiro de Nelinho e Dirceu Lopes, o triunfo no Pacaembu sobre o Internacional de Rubens Minelli, Falcão e Figueroa e contra o São Paulo de Waldir Perez, Pablo Forlan e Pedro Rocha, o empate sem gols que garantiu o sexto título brasileiro do Verdão imortalizando a Segunda Academia.

Campeonato Brasileiro — 1993

Depois de viver tempos áureos nas décadas de 1950, 60 e 70 a década perdida se abateu sobre as alamedas alviverdes.

Um jejum de 16 anos rompido em 12 de junho de 1993, no dia da Paixão Palmeirense com a conquista do Campeonato Paulista.

A parceria de cogestão com a Parmalat começara render frutos e depois do Paulistão, no final de 93, o Brasileirão foi parar em mãos palestrinas.

Com um time de feras como Evair, Edmundo, Zinho, Mazinho, César Sampaio e Roberto Carlos, o Palmeiras enfrentou o forte Vitória na final.

Na Fonte Nova, o gol de Edilson garantiu a vitória palmeirense.

No Morumbi, Edmundo e Evair foram os nomes do gol e fizeram a felicidade da torcida que estava sem soltar o grito de campeão brasileiro há 20 anos, mas pôde comemorar o sétimo título nacional.

Campeonato Brasileiro — 1994

O título brasileiro de 1994 veio como a coroação de um super time que venceu tudo que disputou. Mantendo a base de 93 e reforçado pela chegada de Rivaldo, o Palmeiras conquistou o Brasileirão justamente sobre o arquirrival Corinthians, vencendo o primeiro jogo por 3 a 1, com exuberante exibição de Rivaldo e empatando em 1 a 1 a segunda partida em que o camisa 10 marcou novamente.

A campanha teve números avassaladores, em 31 jogos, foram 20 vitórias, 6 empates e apenas 5 derrotas.

A entrosada equipe de Vanderlei Luxemburgo se tornou um letal time que marcou 58 gols, média de 1,9 gols por partida, e teve a defesa vazada apenas 30 vezes com média inferior a meio gol por jogo o que ajudou na oitava conquista nacional.

Campeonato Brasileiro — 2016

Foram 22 anos de jejum na principal competição nacional, um período de vacas magras que se abateu sobre o time de Palestra Itália.

Até que Alexi Stival, o Cuca, chegou ao clube no início de 2016 e prometeu ser campeão brasileiro.

Com a segurança de Fernando Prass no gol e após a lesão do goleiro a surpreendente temporada que fez Jaílson, a defesa palmeirense era segura com Mina, Vitor Hugo e Edu Dracena, além da classe de Zé Roberto que do alto de seus 42 anos exibia uma forma física e técnica exuberante.

Moisés e Cleiton Xavier garantiam a criatividade no meio-campo enquanto que Tchê Tchê e Jean faziam um revezamento tático que confundia a marcação adversária.

No ataque Lucas Barrios era a força nas bolas aéreas, Dudu com habilidade e velocidade enfileirava marcadores pela ponta esquerda e Gabriel Jesus, a primeira grande revelação da base alviverde em mais de 30 anos, foi o talento em estado puro.

A campanha que fez o time alcançar 80 pontos teve 24 vitórias, 8 empates e 6 derrotas.

Foram 62 gols marcados e 32 sofridos.

O título foi confirmado em jogo marcante por ter sido a última partida dos jogadores da Chapecoense que acabaram vítimas do desastre aéreo da La Mia.

Uma honra ter contado com os Guerreiros da Condá na festa do enea.

Campeonato Brasileiro — 2018

O décimo título brasileiro aconteceu em 2018, ao vencer o Vasco da Gama em São Januário, o Palmeiras chegou aos dois dígitos em títulos brasileiros, fato raro nas grandes ligas nacionais pelo mundo.

A campanha começou com Roger machado no comando técnico, mas o jovem treinador não conseguiu implantar suas ideias e o time sofreu no primeiro semestre oscilando entre a melhor campanha da fase de grupos na Libertadores e um frustrante sexto lugar no campeonato nacional.

A derrota contra o Fluminense foi o ponto final na passagem de Roger no Palmeiras, rapidamente a diretoria contratou um velho conhecido: Luís Felipe Scolari, o Felipão.

Taxado como ultrapassado pela imprensa e parte da torcida e carregando o peso do 7 x 1 na Copa de 2014, o experiente treinador chegou para arrumar a casa e conseguiu.

Após Felipão assumir o time, o Palmeiras não perdeu mais no campeonato aumentado a eficiência do ataque que chegou aos 61 gols em 37 partidas além de fazer da defesa uma fortaleza que ficou 11 jogos consecutivos sem sofrer gols.

Com 22 jogos de invencibilidade e ostentando números incontestáveis o deca campeonato foi alcançado com uma rodada de antecedência em uma campanha com 23 vitórias, 10 empates e apenas 4 empates.

Não é fax, é fato, é Decacampeão Brasileiro

A Taça Brasil foi criada como a competição nacional que indicaria o representante brasileiro na Libertadores.

Foi disputada por jogadores como Pelé, Gérson, Rivelino, Pedro Rocha, Tostão, Carlos Alberto Torres, Pablo Fórlan, Pepe, Garrincha, Jairzinho, Figueroa, Dirceu Lopes, Ademir da Guia entre tantos craques do futebol brasileiro das décadas de 1960 e 1970.

A representatividade nacional com relação aos estados do país era muito maior naquela competição do que no atual Brasileirão.

Eram 16 estados representados entre 20 estados brasileiros da época, enquanto que atualmente são apenas 9 estados representados na elite do futebol brasileiro.

As torcidas, os clubes e os jogadores disputavam e torciam como Campeonato Brasileiro.

Os jornais noticiavam como competição nacional e o peso na época era o de ser campeão brasileiro, afinal vencer a Taça Brasil levava o time a Libertadores.

O Torneio Roberto Gomes Pedrosa foi concebido para ser um campeonato mais democrático que não servisse aos interesses econômicos da CBD que inflava a disputa a cada ano de acordo com articulações políticas.

Podemos comparar o Robertão com o que foi feito com o Clube dos 13.

O surgimento do Robertão acabou por encerrar a Taça Brasil, mas durante dois anos (1967 e 1968) as duas competições aconteceram na mesma temporada, uma em cada semestre.

Mesmo após a criação da “Era Moderna” do Campeonato Brasileiro o nome não era esse, mas sim Campeonato Nacional de Clubes, portanto o argumento daqueles que se apegam a nomenclatura das competições cai por terra.

Entre 1971 e 1989 a fórmula de disputa nunca foi repetida em dois anos seguidos, ano após ano acontecia uma verdadeira bagunça para decidir grupos, modelo de disputa e clubes que poderiam disputar.

Tanta desorganização resultou no impasse sobre o campeonato de 1987 em que o Sport foi campeão e o Flamengo reivindica o título.

Assim o argumento de vencer dois campeonatos no mesmo ano também perde valor.

Um torcedor emblemático do Palmeiras costuma dizer que “o Palmeiras venceu dois títulos em 1967 porque só aconteceram dois campeonatos, se fossem três seria teria vencido os três no mesmo ano”.

O pedido de unificação dos títulos anteriores a 1971 partiu e foi baseado em um dossiê feito pelo historiador Odir Cunha que trabalhou por mais de dois anos pesquisando arquivos, documentos e ouvindo pessoas que viveram na época como jogadores, jornalistas e dirigentes.

A aprovação pela CBF pode ter acontecido pelos motivos errados — podemos discutir a sanidade mental de João Havelange, o caráter de Ricardo Teixeira, a situação de toma lá, dá cá própria da política da CBF — mas o fim foi o mais justo: reconhecer que grandes times da história do futebol mundial como o Cruzeiro de 66, o Santos de Pelé e pentacampeão consecutivamente, o Palmeiras com sua Academia e o Bahia primeiro campeão brasileiro, foram campeões em seu país, escreveram com a habilidade de seus pés a história do futebol mais vencedor do mundo.

Sem a unificação Pelé não seria considerado campeão brasileiro, uma aberração.

Não foi feito nenhum favor, não foi por fax, foi por mérito de grandes times, jogadores talentosos e foi com muito suor, lágrimas e tudo mais que era preciso para ser campeão em tempos muito mais difíceis que os atuais.

Não se pode olhar o passado com olhos de hoje.

Portanto se preferir o clubismo não há problema, mas não se esqueça que dizer que “é hexa” ou “que foi no fax”, não é apenas piada é desconhecimento histórico, é anacrônico, é cegueira seletiva para ver apenas o que lhe convém e é, acima de tudo, um grande desrespeito com quem ama o futebol.

É Deca sim e fim de papo.

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