Imagem: Autor Desconhecido
A tragédia de
Zanderij que enlutou o futebol do Suriname e da Holanda
Por Ubiratan
Leal (colaborações de Felipe dos Santos Souza)
Gullit, Rijkaard, Menzo, Winter, Roy, Blinker, Seedorf,
Davids, Kluivert, Hasselbaink, Castelen, Elia, Virgil van Dijk, Wijnaldum,
entre dezenas de outros menos conhecidos.
A lista de jogadores holandeses que nasceram no Suriname
ou têm ascendência surinamesa é enorme e muitos pensam como seria a seleção da
antiga Guiana Holandesa se todos eles defendessem o país sul-americano.
Bem, uma reunião dessa já foi feita e resultou em uma das
maiores tragédias da história do futebol holandês e surinamês.
Na década de 1980, o assistente social surinamês Sonny
Hasnoe teve a ideia de promover um amistoso de um combinado de jogadores
holandeses de raízes no Suriname com o Robinhood, campeão local.
O dinheiro arrecadado seria levado para obras sociais em
Bijlmer, bairro na periferia de Amsterdã onde vive boa parte da comunidade
surinamesa na Holanda.
Além disso, ele pretendia motivar os jovens de Bijlmer a
se manterem afastados da criminalidade ao se espelhar em surinameses bem-sucedidos
no esporte.
O time se chamou Kleurrijk Elftal (“Onze Colorido” em
holandês).
Foi um grande sucesso.
Tanto que, três anos depois, Hasnoe resolveu repetir a
dose, mas em algo maior que um amistoso.
O Kleurrijk Elftal disputaria um torneio amistoso –
chamado Boxel Kleurrijk Tournooi – com Boxel, Robinhood e Transvaal, três
grandes times do Suriname.
Para atrair ainda mais a atenção para o projeto, foram
convidados jogadores importantes como Ruud Gullit, Stanley Menzo, Frank
Rijkaard, Aron Winter, Bryan Roy e Regi Blinker.
Todos com passagem pela seleção holandesa em algum
momento.
Os jogos estavam marcados para o início de junho e os
grandes clubes holandeses não liberaram os atletas.
Com isso, o Kleurrijk Elftal teve de ser formado por nomes
secundários, vindos de clubes como De Graafschap, NAC Breda, Volendam e Willem
II.
Alguns, como Gullit e Rijkaard, não foram liberados por
seus clubes.
Outros, como o atacante Winston "Winnie"
Haatrecht, ainda tinham partidas a disputar - Haatrecht jogaria o play-off de
acesso à primeira divisão, pelo Heerenveen.
Dos nomes famosos do "Onze Colorido", só dois
jogadores do Ajax, o goleiro Stanley Menzo e o atacante Henny Meijer, viajaram
a Paramaribo.
Mas tiveram de fazê-lo em um voo separado do resto do
time.
Foi a sorte deles.
Em 7 de junho de 1989, Will Rogers, o piloto do voo PY764
da SLM (empresa aérea surinamesa), errou o cálculo na aproximação ao aeroporto
internacional de Zanderij, cidade na região metropolitana de Paramaribo.
A 25m sobre o solo, um dos motores da aeronave bateu em
uma árvore.
Em seguida, a asa direita se chocou em outra árvore e
causou a queda do DC-8 de cabeça para baixo.
Todos os nove tripulantes e 167 dos 178 passageiros
morreram.
Até hoje, é o pior
acidente aéreo da história do Suriname.
Investigações posteriores revelaram que o avião - um DC8
Super 62 - voou em altitude mais baixa do que a recomendada, e que a tripulação
estava mal preparada sobre os procedimentos técnicos daquele modelo de
aeronave.
Will Rogers, por exemplo, já não tinha o brevê - espécie
de "carteira de habilitação" - válido, e tinha idade acima da
permitida para pilotar um DC-8 (tinha 66 anos).
Sobrou pouco do Kleurrijk Elftal.
Dos 19 membros da delegação – 18 jogadores e o técnico –
apenas três sobreviveram.
Faleceram:
- Lloyd Doesburg (goleiro do Ajax, 29 anos)
- Florian Vijent (goleiro do Telstar, 27)
- Ruud Degenaar (defensor do Heracles, 25)
- Andy Scharmin (defensor do Twente, 21)
- Ortwin Linger (defensor do Haarlem, 21 - faleceu três
dias depois do acidente, em razão dos ferimentos)
- Ruben Kogeldans (defensor do Willem II, 22)
- Fred Patrick (meia-atacante do PEC Zwolle, 23)
- Steven van Dorpel (atacante do Volendam, 23)
- Wendel Fräser (atacante do SVV, 22)
- Elfried Veldman (atacante do De Graafschap, 23)
- Virgall Joemankhan (meia do Cercle Brugge, 20)
- Andro Knel (meia-atacante do NAC Breda, 21)
- Frits Goodings (Wageningen, 25)
- Jerry Haatrecht (Neerlandia’31, 25)
- Nick Stienstra (técnico, 33).
Os jogadores sobreviventes também viram suas carreiras se
interromperem por causa daquele acidente.
Sigi Lens (atacante do Fortuna Sittard, 25 anos) e Edu
Nandlal (Volendam, 25 anos) encerraram a carreira devido às sequelas.
O primeiro teve uma complicada fratura na pélvis e o
segundo ficou tetraplégico.
Radijn de Haan (Telstar, 20 anos) sofreu fratura em uma
vértebra e foi o único a voltar aos gramados.
No entanto, nunca se recuperou completamente da lesão e
abandonou a carreira.
Ainda que as grandes estrelas batavo-surinamesas tenham
escapado, o trauma foi tão grande que nunca se tentou organizar uma nova versão
do Kleurrijk Elftal - embora a partir de 1993, por iniciativa de Stanley Menzo,
tenha surgido outro combinado de jogadores surinameses, o Suriprofs, que joga
periodicamente em partidas festivas ou beneficentes.
No estádio Andre Kamperveen, o principal de Paramaribo, há
um monumento em memória ao 11 Colorido de 1989.
Um time que morreu ao tentar ajudar a integração de
surinameses na Holanda.
Curiosidades
- Até hoje, o futebol holandês tem personagens ligadas ao
acidente.
Winnie Haatrecht havia sido convocado para o Kleurrijk
Elftal, mas desistiu.
Seu irmão Jerry foi em seu lugar e esteve entre as vítimas
fatais.
O choque foi tão grande que Winnie preferiu a solidão.
Deixou o Heerenveen para se esconder no La-Chaux-de-Fonds,
da segunda divisão suíça.
Encerrou a carreira no obscuro TOP Oss, da Holanda.
Depois de pendurar as chuteiras, virou empresário de
jogadores.
Entre seus clientes estiveram Afonso Alves e Ryan Babel.
- Outro que virou empresário foi Sigi Lens.
Ele trabalhou com nomes como Landzaat, Ooijer, Reiziger,
Bogarde, Boateng, Van Bronckhorst e Melchiot.
De quebra, se Sigi não pôde seguir jogando, um parente seu
emplacou no futebol: seu sobrinho, Jeremain Lens, hoje no Besiktas/Turquia.
Jeremain defendeu a seleção da Holanda em 34 partidas, fez
8 gols, e esteve na Copa de 2014.
- O meia Romeo Castelen tinha apenas seis anos na época do
acidente, mas também está ligado à tragédia.
Sua irmã e sua mãe estavam no voo e também morreram.
- Talvez a história mais bonita ligada ao acidente seja a
que envolve Andro Knel.
O meia-atacante era ídolo do Sparta Rotterdam, clube em
que começou, e no NAC Breda, que defendia desde 1988.
Os torcedores dos dois clubes decidiram criar, juntos, um
monumento em sua memória.
Durante esse tempo, as duas torcidas começaram a nutrir
grande amizade e, no décimo aniversário da morte do jogador, editaram em
conjunto uma revista sobre a vida do jogador.
Desde então, sempre que Sparta e NAC se enfrentam num
campeonato, estejam na primeira ou na segunda divisão holandesas, os torcedores
se encontram para disputar uma partida informal.
O vencedor fica com o Troféu Andro Knel até o jogo
seguinte.
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