Alexsandro vendia lixo para
sustentar a família.
Agora ele está na seleção
brasileira.
O caminho de Alexsandro até o
topo foi difícil – catando lixo, empregos em canteiros de obras e sendo
rejeitado por quase todos os clubes do Brasil – mas ele não decepcionaria sua
família
Por Josué Seixas e Tom
Sanderson/The Guardian
Em 2021, Alexsandro anotou cinco
sonhos em seu caderno: casar e ter filhos com a esposa, morar em uma casa
grande, tirar a família da favela, jogar em um grande clube e juntar dinheiro
para as férias.
Este ano, ele foi convocado pela
primeira vez para a seleção brasileira e agora espera jogar na Copa do Mundo de
2026.
“Agora que transformei esses
sonhos humanos em realidade, é hora de trabalhar ainda mais nos meus sonhos
profissionais”, diz o zagueiro do Lille.
Alexsandro, filho mais velho de
mãe solteira em uma família pobre, conhecia o significado da palavra trabalho.
Eles moravam na comunidade do
Dique II, uma favela na zona norte do Rio de Janeiro, onde precisavam encontrar
itens na “Rampa”, um depósito de lixo, para sobreviver.
Toda a sua família trabalhava
reciclando coisas.
Eles coletavam plástico, ferro e
cobre, que vendiam para comprar comida.
“Atrás da minha casa, muitos
caminhões passavam com entulho. Nós removíamos todas essas pedras manualmente
com uma enxada para vendê-las. Era de lá também que vinha grande parte da minha
comida, roupas e brinquedos. As pessoas costumam dizer que é um lugar difícil,
mas foi assim que vivemos por muitos anos. Não é que eu não aceitasse, mas eu
queria mudar essa realidade. Então, desde pequeno, eu estava muito focado em
buscar melhorias para minha família por meio do futebol”, diz ele.
Alexsandro nunca faltava às aulas
ou aos treinos, mas aproveitava cada momento livre que tinha para sustentar os
quatro irmãos mais novos.
Sem treino hoje?
Certo, vamos trabalhar.
Fim de semana?
Era quando ele tinha que se
esforçar mais.
“Como irmão-pai, o que temos
que fazer? Trazer sustento para dentro de casa e dar bons exemplos para meus
irmãos, que hoje em dia costumam me chamar de pai. Trabalhei em canteiros de
obras com meu tio; ajudei minha avó a vender doces no trem. Trabalhei como
atendente de balcão, atendendo pessoas. Também vendi peixe.”
“Muitas vezes eu trabalhava em
vez de brincar ou ficar na rua fazendo qualquer outra bobagem. Uma maneira
digna de viver, né? Eu trazia sustento para casa. E ter essa responsabilidade
era supernatural para mim. Claro, é difícil. Tem esse peso, mas hoje eu consigo
lidar muito bem com isso.”
Aos 13 anos, ingressou em seu
primeiro clube, o Bonsucesso. Após um bom torneio, foi transferido para o
Flamengo, onde jogou nas categorias de base ao lado de Vinicius Junior, que
reencontrou na temporada passada, quando o Lille venceu o Real Madrid na Liga
dos Campeões.
Deixou o Flamengo em 2016, pois
queria jogar no time principal, mas acabou mudando de clube sem assinar
contrato definitivo.
“Passei por oito ou nove
clubes”, conta.
“Minha primeira avaliação foi no
Internacional. Não passei, então voltei para casa. Fui para o Grêmio, fiz um
teste e passei. Treinei com o elenco, mas, depois de dois meses de treino, me
liberaram. No Avaí, a mesma situação; me liberaram depois de dois meses também.”
“Então é aí que surge a ideia
de desistir. Você tenta uma, duas, três, quatro vezes. Quando as coisas não
acontecem, você começa a perder a esperança. Esse sonho fica cada vez mais
distante. Fui para o Palmeiras, Botafogo duas vezes, Fluminense, Vasco. E todos
esses clubes também me rejeitaram. Então é normal pensar em desistir.”
A próxima chance de Alexsandro
foi no Resende, um dos clubes menores do Rio.
Depois de uma temporada sólida, o
zagueiro foi para o Fluminense, mas tudo aconteceu da mesma forma: lhe
prometeram um contrato, dois meses se passaram e veio outra rejeição.
Essa foi a gota d'água.
“Eu tinha sofrido tantos
golpes, tantas rejeições. Pensei em desistir, mas quando cheguei em casa, vi a
situação da minha família e soube, no fundo, que só eu poderia mudar aquela
situação. E, no fim, eu estava certo. Aquela voz dentro de mim dizia que eu não
podia desistir por causa deles. Eu via meu irmão com todas aquelas
dificuldades. Não tínhamos o básico em casa. Muitas vezes não havia arroz, nem
comida para comer. Muitas vezes queríamos sair e não tínhamos roupa, nem
dinheiro, nem nada.”
Na minha casa, não tinha
chuveiro.
Tínhamos que usar um balde para
jogar água na gente.
Não desisti do futebol por causa
deles, porque eu queria mudar aquela situação.
E, no fim, Deus me enviou um
anjo.
Esse anjo é Leo Percovich,
técnico das categorias de base do Fluminense e o único que acreditou em
Alexsandro.
Ele foi para o Praiense, um clube
dos Açores no meio do Oceano Atlântico, e convidou o zagueiro para se juntar a
ele.
Depois de dois anos, Alexsandro
foi transferido para o Amora e depois para o Chaves, ambos em Portugal
Continental.
Durante todo esse tempo, ele não
viu a família pessoalmente.
“Foi nesse momento que escrevi
a lista”, diz ele.
“Comprar uma casa para a minha
família naquele momento era a coisa mais importante. Algo que valorizo muito
neste mundo é a família. Eu estava em Portugal há quatro anos e não os via.
Pedi uma casa – uma que tivesse uma cama e um chuveiro. Não tínhamos uma casa
assim. Por isso, pedi uma casa bem grande. Eu ainda não tinha casado com a
minha esposa, não tínhamos tido uma filha. Então, eu estava pedindo coisas que
estivessem ao meu alcance.”
Alexsandro foi selecionado para o
time da temporada em Portugal, o que o ajudou a garantir uma transferência para
o Lille no verão de 2022.
No início da temporada, os novos
jogadores foram convidados a compartilhar seus sonhos com os companheiros de
equipe.
Alguns queriam vencer a Ligue 1,
outros jogar a Liga dos Campeões.
Alexsandro foi o último a falar.
“Quero ajudar vocês a
realizarem seus sonhos”, disse ele.
Seu desejo era se tornar um
jogador-chave no Lille, mas primeiro ele teve que se adaptar, e rápido. Nos
últimos três anos, ele consolidou sua posição na equipe e se tornou um líder. A
convocação para a seleção nacional estava lentamente se tornando realidade.
“Estabeleci a meta de
conquistar isso em 2025”, diz ele.
“Eu já tinha comprado uma casa
para minha família, casado com minha esposa e tido uma filha linda. Então,
agora era hora de sonhar com a minha vida como jogador. Joguei na Liga dos
Campeões. Agora eu queria uma vaga na seleção brasileira e, claro, jogar na
próxima Copa do Mundo.”
Quando Alexsandro foi convocado
para a seleção brasileira por Carlo Ancelotti no mês passado, ele estava em
casa com seus amigos no Brasil.
Eles foram até a favela para
espalhar amor e felicidade em um lugar ao qual ele sentia que pertencia.
Buzinaram e agradeceram a
conquista, que foi compartilhada por todos.
Houve fotos, parabéns, crianças
correndo por aí.
Um bom dia.
Alexsandro gosta de ir para casa,
ajudar as pessoas e mostrar que seus sonhos também estão ao seu alcance.
Quando voltou para a favela,
depois de ser convocado, encontrou o Sr. Zé, um lojista da sua juventude, e se
ofereceu para pagar sua conta de anos atrás.
“Aquela barraquinha e aquele
senhor me trazem tantas lembranças de quando eu era criança. Minha mãe me
mandava na barraca dele para pedir coisas a crédito: 'Vai pegar uma coisa a
crédito com o Sr. Zé, pega isso, isso e isso'. Quando passei por lá, lembrei,
então fui e disse alguma coisa. Foi engraçado, mas com um pouco de verdade no
final”, ele ri.
E é assim que a vida segue.
“A gente sonha, mas eu vivi o momento presente. Me dediquei, me posicionei, abri mão de muita coisa. Parei de me divertir e sair com os amigos para descansar bem, me alimentar bem, para que no final eu tivesse esse resultado. Não adianta sonhar, pedir ajuda a Deus e ficar parada. A gente tem que correr atrás, não tem outro jeito. Mesmo com medo, a gente tem que dar esse passo de fé, acreditando que Ele vai fazer acontecer. Eu acreditei, e no final, Ele fez acontecer, como sempre.”

Um comentário:
Sensacional! Parabéns pela postagem!
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