A revolução do calendário:
como a CBF quer transformar o futebol brasileiro entre 2026 e 2029
Novo formato promete reduzir
desgaste dos clubes, ampliar competições, democratizar vagas e se propõe a
entregar um calendário mais racional e sustentável já a partir da próxima
temporada
Pedro Henrique Brandão
O futebol brasileiro vai mudar.
E não é exagero dizer que a
Confederação Brasileira de Futebol (CBF) propõe uma revolução estrutural no
esporte mais popular do país.
Anunciado nesta quarta-feira, 1º
de outubro de 2025, o novo calendário do futebol profissional masculino traz
mudanças profundas que vão muito além da simples redistribuição de datas: a
promessa é atacar problemas crônicos que há décadas afetam clubes, jogadores,
federações e torcedores — da sobrecarga de partidas no topo à escassez de
calendário na base.
O novo ciclo, que valerá de 2026
a 2029, chega com ambição de reorganizar toda a pirâmide do futebol nacional.
A proposta inclui ajustes nos
campeonatos estaduais, reformulação da Copa do Brasil, expansão das Séries C e
D, criação de um período exclusivo para copas regionais e uma melhor integração
com o calendário internacional.
A intenção declarada é tornar o
futebol brasileiro mais competitivo, sustentável e atraente em todos os níveis.
Mas será que é o suficiente?
O ponto de partida: um
calendário desequilibrado
Antes de olhar para o futuro, é
preciso entender o tamanho do problema que a CBF tenta resolver.
O modelo atual é uma máquina
desequilibrada: clubes da Série A chegam a disputar mais de 70 partidas por
temporada — número maior que o dos gigantes europeus — enquanto centenas de
clubes profissionais — principalmente aqueles de cenários periféricos —, sequer
entram em campo por mais de 90 dias no ano.
Em 2024, sete clubes brasileiros
estiveram entre os 20 que mais jogaram no mundo, com média superior a 67
partidas por temporada, contra 57,2 dos demais times do Top 40 global.
Ao mesmo tempo, apenas 124 clubes
participaram das quatro divisões nacionais, de um total de 882 equipes
registradas na CBF — ou seja, apenas 14% dos clubes têm calendário ao longo do
ano.
O diagnóstico é claro: uma
distorção que expõe excesso no topo e subutilização na base.
Enquanto os grandes se desdobram
entre estaduais, nacionais e continentais, times de menor investimento — e com
camisas tradicionais — ficam meses parados, inviabilizando projetos esportivos
e financeiros.
Some-se a isso o aumento das
competições internacionais (como o novo Mundial de Clubes da FIFA em 2025 e a
Copa do Mundo ampliada em 2026), a geografia continental do Brasil e a complexa
hierarquia de calendários que começa na FIFA, passa pela Conmebol e chega à
CBF, e temos um quebra-cabeça difícil de resolver.
Um novo olhar: menos desgaste,
mais equilíbrio e previsibilidade
O novo calendário nasce com
objetivos claros: proteger os atletas, otimizar o uso das datas, melhorar o
espetáculo, aumentar a previsibilidade, atrair patrocinadores e democratizar
oportunidades.
É, nas palavras da própria CBF,
uma tentativa de “trazer um novo olhar ao futebol brasileiro”.
E essa transformação começa já em
janeiro de 2026.
Estaduais: menos datas, mais
valor esportivo
Os campeonatos estaduais passam a
ter o máximo de 11 datas e serão disputados entre 11 de janeiro e 8 de março,
liberando espaço no calendário nacional e reduzindo o desgaste físico dos
atletas. A redução de cinco datas representa um dos movimentos mais simbólicos
da mudança — e o mais delicado politicamente.
A ideia é que, mesmo mais curtos,
os estaduais sejam mais competitivos e tecnicamente valorizados, com mais
equilíbrio entre clubes grandes e pequenos e menor custo operacional para os
times de menor investimento.
A manutenção do torneio no início
da temporada ajuda também a preservar sua tradição e importância cultural.
Copa do Brasil: mais clubes e
‘final única’
Uma das maiores reformulações
ocorre na Copa do Brasil, que terá início em 18 de fevereiro e término em 6 de
dezembro.
A competição cresce de 92 para
126 clubes já em 2026 e chegará a 128 equipes em 2027, ampliando a
representatividade das federações e aumentando o número total de partidas de
122 para 155.
Outra mudança relevante: os
clubes da Série A entrarão diretamente na quinta fase, reduzindo em até três
jogos a carga de partidas para as principais equipes.
A final será disputada em jogo
único, tendência global que aumenta o apelo esportivo, comercial e midiático da
decisão.
Os critérios de classificação
também foram redesenhados:
20 vagas para os clubes da
Série A de 2026;
4 vagas para os campeões da
Copa do Nordeste, Copa Verde, Série C e Série D de 2025;
102 vagas distribuídas
conforme os campeonatos estaduais e o Ranking Nacional de Federações.
A maior inclusão e a entrada
tardia dos clubes da elite tornam a competição mais democrática, rentável e
estratégica, ao mesmo tempo em que reduz o desgaste das equipes que também
disputam torneios continentais.
Brasileirão Série A e B:
temporada integral e mais descanso
O Campeonato Brasileiro da Série
A passa a ser disputado ao longo de todo o ano, com início em 28 de janeiro e
término em 2 de dezembro.
O formato segue o mesmo, mas a
reorganização das outras competições permite pausas durante a Copa do Mundo e
recessos maiores para os jogadores, melhorando a qualidade técnica e comercial
do produto.
A Série B, por sua vez, começará
em 21 de março e terminará em 28 de novembro, também com mais tempo de descanso
e planejamento entre temporadas.
Série C: expansão gradual e
novo formato
A Série C viverá um processo
de expansão e transformação ao longo do ciclo:
2026: 20 clubes, formato
atual, com apenas 2 rebaixados.
2027: 24 clubes, mesmo
formato, também com 2 rebaixados.
2028: 28 clubes divididos em
dois grupos de 14, com jogos de ida e volta.
A mudança estrutural visa
aumentar a representatividade regional, ampliar a competitividade e gerar maior
impacto econômico e midiático.
O campeão da Série C passará a
ter vaga direta na 3ª fase da Copa do Brasil subsequente, valorizando ainda
mais o torneio.
Série D: salto histórico e
mais jogos garantidos
Talvez nenhuma competição
simbolize tanto a democratização do futebol brasileiro quanto a nova Série D.
A partir de 2026, o torneio
aumenta de 64 para 96 clubes, um salto de 50% no número de participantes.
O total de partidas sobe de 510
para 610, e cada equipe terá entre 10 e 14 jogos garantidos, com máximo de 22
para dois clubes.
O objetivo é dar calendário real
e sustentável a mais equipes em todo o país, fomentando o desenvolvimento
técnico, econômico e social do futebol fora dos grandes centros.
Assim como na Série C, o campeão
da Série D também terá vaga na 3ª fase da Copa do Brasil.
A grande virada
Reside nas Série C e D, a grande
e maciça parcela de times tradicionais e de centros periféricos que perdem
espaço ano após ano.
Exemplos não faltam quando
olhamos para ABC e América, CSA, Ferroviário, Inter de Limeira, Central de
Caruaru, Brasil de Pelotas, Portuguesa de Desportos e tantas outras camisas que
enfileiram glórias de outrora e atualmente habitam o limbo do futebol nacional.
Justamente nas últimas divisões,
a CBF fez as alterações mais profundas e que prometem os frutos mais bonitos,
pois ao incentivar o ecossistema periférico do futebol brasileiro, a iniciativa
da entidade máxima do nosso esporte bretão faz como se mova novamente uma
importante engrenagem esquecida da seleção mais vezes campeã do mundo.
Os resultados devem surgir a
médio e longo prazo, mas é possível que na próxima década, algumas dessas
camisas citadas retorne à elite do futebol brasileiro.
Sonho ou devaneio?
Não custa tentar.
Copas regionais: calendário
exclusivo e clubes da Conmebol de fora
Outra mudança estratégica é a
criação de um período exclusivo entre 25 de março e 7 de junho para a
realização das copas regionais — Copa do Nordeste, Copa Verde e a nova Copa
Sul-Sudeste, que chega ao calendário a partir de 2026.
Durante esse período, clubes que
estiverem disputando competições da Conmebol não participarão dessas copas, o
que abre espaço para equipes emergentes ganharem protagonismo e ampliarem sua
exposição.
Copa do Nordeste: cresce
de 16 para 20 clubes, mantém os clássicos locais e passa a dar vaga direta à 3ª
fase da Copa do Brasil.
Copa Verde: expande de 30
para 70 partidas e incorpora as antigas Copa Norte e Copa Centro-Oeste.
Copa Sul-Sudeste: nova
competição, com 12 clubes e também vaga na 3ª fase da Copa do Brasil para o
campeão.
O resultado é um cenário mais
inclusivo e equilibrado, com 27 federações envolvidas, mais
oportunidades para clubes de fora da elite e aumento da visibilidade regional.
Impactos gerais: mais clubes
com calendário, menos desgaste e mais receita
Os números projetados pela CBF
mostram a dimensão da mudança:
26% mais clubes terão divisão
nacional em 2026;
O número total de partidas
organizadas pela CBF aumenta em 11%;
As vagas em competições
nacionais crescem em 82 classificações;
E os clubes da Série A terão
até 15% menos partidas por temporada.
Além do impacto esportivo, a
entidade estima que os investimentos em competições organizadas pela CBF
chegarão a R$ 1,3 bilhão em 2026, impulsionados pelo aumento de jogos, maior
atratividade comercial e maior alcance de público.
O desafio: transformar intenção em realidade
O novo calendário representa o
projeto mais ambicioso de reorganização do futebol brasileiro em décadas.
Ele busca corrigir distorções
históricas, democratizar oportunidades e tornar o futebol nacional mais
competitivo no cenário global.
Mas sua implementação não será
simples: resistências políticas, interesses econômicos e o desafio logístico de
um país continental ainda podem colocar obstáculos no caminho.
Ainda assim, a proposta aponta
para um futuro em que o futebol brasileiro seja menos concentrado, mais
previsível e mais sustentável.
Uma estrutura em que grandes
clubes não sejam reféns de maratonas exaustivas, pequenos tenham mais chances
de planejar temporadas inteiras e torcedores desfrutem de um produto mais
equilibrado e atraente.
A resposta para a pergunta feita
no início do artigo — se as mudanças são suficientes — ainda é negativa.
Enquanto não houver respeito aos
períodos das datas Fifa e às férias de 30 dias ininterruptos sem competições, o
calendário do futebol brasileiro continuará distante do ideal.
Ainda assim, é preciso reconhecer
o esforço da gestão de Samir Xaud em avançar rumo a um modelo mais equilibrado,
com menos desgaste para os clubes e atletas, mais próximo de um formato
democrático e capaz de distribuir melhor as oportunidades no cenário nacional.
Se a execução corresponder à
ambição, o ciclo 2026/2029 pode entrar para a história como o marco de início
da modernização do futebol brasileiro.
Uma revolução silenciosa, mas necessária, que promete mudar a forma como o país do futebol vive a sua paixão.


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