sábado, outubro 04, 2025

A análise das mudanças do calendário do futebol brasileiro

Imagem: Autor Desconhecido

A revolução do calendário: como a CBF quer transformar o futebol brasileiro entre 2026 e 2029

Novo formato promete reduzir desgaste dos clubes, ampliar competições, democratizar vagas e se propõe a entregar um calendário mais racional e sustentável já a partir da próxima temporada

Pedro Henrique Brandão

O futebol brasileiro vai mudar.

E não é exagero dizer que a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) propõe uma revolução estrutural no esporte mais popular do país.

Anunciado nesta quarta-feira, 1º de outubro de 2025, o novo calendário do futebol profissional masculino traz mudanças profundas que vão muito além da simples redistribuição de datas: a promessa é atacar problemas crônicos que há décadas afetam clubes, jogadores, federações e torcedores — da sobrecarga de partidas no topo à escassez de calendário na base.

O novo ciclo, que valerá de 2026 a 2029, chega com ambição de reorganizar toda a pirâmide do futebol nacional.

A proposta inclui ajustes nos campeonatos estaduais, reformulação da Copa do Brasil, expansão das Séries C e D, criação de um período exclusivo para copas regionais e uma melhor integração com o calendário internacional.

A intenção declarada é tornar o futebol brasileiro mais competitivo, sustentável e atraente em todos os níveis.

Mas será que é o suficiente?

O ponto de partida: um calendário desequilibrado

Antes de olhar para o futuro, é preciso entender o tamanho do problema que a CBF tenta resolver.

O modelo atual é uma máquina desequilibrada: clubes da Série A chegam a disputar mais de 70 partidas por temporada — número maior que o dos gigantes europeus — enquanto centenas de clubes profissionais — principalmente aqueles de cenários periféricos —, sequer entram em campo por mais de 90 dias no ano.

Em 2024, sete clubes brasileiros estiveram entre os 20 que mais jogaram no mundo, com média superior a 67 partidas por temporada, contra 57,2 dos demais times do Top 40 global.

Ao mesmo tempo, apenas 124 clubes participaram das quatro divisões nacionais, de um total de 882 equipes registradas na CBF — ou seja, apenas 14% dos clubes têm calendário ao longo do ano.

O diagnóstico é claro: uma distorção que expõe excesso no topo e subutilização na base.

Enquanto os grandes se desdobram entre estaduais, nacionais e continentais, times de menor investimento — e com camisas tradicionais — ficam meses parados, inviabilizando projetos esportivos e financeiros.

Some-se a isso o aumento das competições internacionais (como o novo Mundial de Clubes da FIFA em 2025 e a Copa do Mundo ampliada em 2026), a geografia continental do Brasil e a complexa hierarquia de calendários que começa na FIFA, passa pela Conmebol e chega à CBF, e temos um quebra-cabeça difícil de resolver.

Um novo olhar: menos desgaste, mais equilíbrio e previsibilidade

O novo calendário nasce com objetivos claros: proteger os atletas, otimizar o uso das datas, melhorar o espetáculo, aumentar a previsibilidade, atrair patrocinadores e democratizar oportunidades.

É, nas palavras da própria CBF, uma tentativa de “trazer um novo olhar ao futebol brasileiro”.

E essa transformação começa já em janeiro de 2026.

Estaduais: menos datas, mais valor esportivo

Os campeonatos estaduais passam a ter o máximo de 11 datas e serão disputados entre 11 de janeiro e 8 de março, liberando espaço no calendário nacional e reduzindo o desgaste físico dos atletas. A redução de cinco datas representa um dos movimentos mais simbólicos da mudança — e o mais delicado politicamente.

 

A ideia é que, mesmo mais curtos, os estaduais sejam mais competitivos e tecnicamente valorizados, com mais equilíbrio entre clubes grandes e pequenos e menor custo operacional para os times de menor investimento.

A manutenção do torneio no início da temporada ajuda também a preservar sua tradição e importância cultural.

Copa do Brasil: mais clubes e ‘final única’

Uma das maiores reformulações ocorre na Copa do Brasil, que terá início em 18 de fevereiro e término em 6 de dezembro.

A competição cresce de 92 para 126 clubes já em 2026 e chegará a 128 equipes em 2027, ampliando a representatividade das federações e aumentando o número total de partidas de 122 para 155.

Outra mudança relevante: os clubes da Série A entrarão diretamente na quinta fase, reduzindo em até três jogos a carga de partidas para as principais equipes.

A final será disputada em jogo único, tendência global que aumenta o apelo esportivo, comercial e midiático da decisão.

Os critérios de classificação também foram redesenhados:

20 vagas para os clubes da Série A de 2026;

4 vagas para os campeões da Copa do Nordeste, Copa Verde, Série C e Série D de 2025;

102 vagas distribuídas conforme os campeonatos estaduais e o Ranking Nacional de Federações.

A maior inclusão e a entrada tardia dos clubes da elite tornam a competição mais democrática, rentável e estratégica, ao mesmo tempo em que reduz o desgaste das equipes que também disputam torneios continentais.

Brasileirão Série A e B: temporada integral e mais descanso

O Campeonato Brasileiro da Série A passa a ser disputado ao longo de todo o ano, com início em 28 de janeiro e término em 2 de dezembro.

O formato segue o mesmo, mas a reorganização das outras competições permite pausas durante a Copa do Mundo e recessos maiores para os jogadores, melhorando a qualidade técnica e comercial do produto.

A Série B, por sua vez, começará em 21 de março e terminará em 28 de novembro, também com mais tempo de descanso e planejamento entre temporadas.

Série C: expansão gradual e novo formato

A Série C viverá um processo de expansão e transformação ao longo do ciclo:

2026: 20 clubes, formato atual, com apenas 2 rebaixados.

2027: 24 clubes, mesmo formato, também com 2 rebaixados.

2028: 28 clubes divididos em dois grupos de 14, com jogos de ida e volta.

A mudança estrutural visa aumentar a representatividade regional, ampliar a competitividade e gerar maior impacto econômico e midiático.

O campeão da Série C passará a ter vaga direta na 3ª fase da Copa do Brasil subsequente, valorizando ainda mais o torneio.

Série D: salto histórico e mais jogos garantidos

Talvez nenhuma competição simbolize tanto a democratização do futebol brasileiro quanto a nova Série D.

A partir de 2026, o torneio aumenta de 64 para 96 clubes, um salto de 50% no número de participantes.

O total de partidas sobe de 510 para 610, e cada equipe terá entre 10 e 14 jogos garantidos, com máximo de 22 para dois clubes.

O objetivo é dar calendário real e sustentável a mais equipes em todo o país, fomentando o desenvolvimento técnico, econômico e social do futebol fora dos grandes centros.

Assim como na Série C, o campeão da Série D também terá vaga na 3ª fase da Copa do Brasil.

A grande virada

Reside nas Série C e D, a grande e maciça parcela de times tradicionais e de centros periféricos que perdem espaço ano após ano.

Exemplos não faltam quando olhamos para ABC e América, CSA, Ferroviário, Inter de Limeira, Central de Caruaru, Brasil de Pelotas, Portuguesa de Desportos e tantas outras camisas que enfileiram glórias de outrora e atualmente habitam o limbo do futebol nacional.

Justamente nas últimas divisões, a CBF fez as alterações mais profundas e que prometem os frutos mais bonitos, pois ao incentivar o ecossistema periférico do futebol brasileiro, a iniciativa da entidade máxima do nosso esporte bretão faz como se mova novamente uma importante engrenagem esquecida da seleção mais vezes campeã do mundo.

Os resultados devem surgir a médio e longo prazo, mas é possível que na próxima década, algumas dessas camisas citadas retorne à elite do futebol brasileiro.

Sonho ou devaneio?

Não custa tentar.

Copas regionais: calendário exclusivo e clubes da Conmebol de fora

Outra mudança estratégica é a criação de um período exclusivo entre 25 de março e 7 de junho para a realização das copas regionais — Copa do Nordeste, Copa Verde e a nova Copa Sul-Sudeste, que chega ao calendário a partir de 2026.

Durante esse período, clubes que estiverem disputando competições da Conmebol não participarão dessas copas, o que abre espaço para equipes emergentes ganharem protagonismo e ampliarem sua exposição.

Copa do Nordeste: cresce de 16 para 20 clubes, mantém os clássicos locais e passa a dar vaga direta à 3ª fase da Copa do Brasil.

Copa Verde: expande de 30 para 70 partidas e incorpora as antigas Copa Norte e Copa Centro-Oeste.

Copa Sul-Sudeste: nova competição, com 12 clubes e também vaga na 3ª fase da Copa do Brasil para o campeão.

O resultado é um cenário mais inclusivo e equilibrado, com 27 federações envolvidas, mais oportunidades para clubes de fora da elite e aumento da visibilidade regional.

Impactos gerais: mais clubes com calendário, menos desgaste e mais receita

Os números projetados pela CBF mostram a dimensão da mudança:

26% mais clubes terão divisão nacional em 2026;

O número total de partidas organizadas pela CBF aumenta em 11%;

As vagas em competições nacionais crescem em 82 classificações;

E os clubes da Série A terão até 15% menos partidas por temporada.

Além do impacto esportivo, a entidade estima que os investimentos em competições organizadas pela CBF chegarão a R$ 1,3 bilhão em 2026, impulsionados pelo aumento de jogos, maior atratividade comercial e maior alcance de público.

O desafio: transformar intenção em realidade

O novo calendário representa o projeto mais ambicioso de reorganização do futebol brasileiro em décadas.

Ele busca corrigir distorções históricas, democratizar oportunidades e tornar o futebol nacional mais competitivo no cenário global.

Mas sua implementação não será simples: resistências políticas, interesses econômicos e o desafio logístico de um país continental ainda podem colocar obstáculos no caminho.

Ainda assim, a proposta aponta para um futuro em que o futebol brasileiro seja menos concentrado, mais previsível e mais sustentável.

Uma estrutura em que grandes clubes não sejam reféns de maratonas exaustivas, pequenos tenham mais chances de planejar temporadas inteiras e torcedores desfrutem de um produto mais equilibrado e atraente.

A resposta para a pergunta feita no início do artigo — se as mudanças são suficientes — ainda é negativa.

Enquanto não houver respeito aos períodos das datas Fifa e às férias de 30 dias ininterruptos sem competições, o calendário do futebol brasileiro continuará distante do ideal.

Ainda assim, é preciso reconhecer o esforço da gestão de Samir Xaud em avançar rumo a um modelo mais equilibrado, com menos desgaste para os clubes e atletas, mais próximo de um formato democrático e capaz de distribuir melhor as oportunidades no cenário nacional.

Se a execução corresponder à ambição, o ciclo 2026/2029 pode entrar para a história como o marco de início da modernização do futebol brasileiro.

Uma revolução silenciosa, mas necessária, que promete mudar a forma como o país do futebol vive a sua paixão.

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