Opa Fernando, tudo bem?
Sempre leio suas postagens, a maioria, sensatas e coerentes.
Todavia trago-lhe uma duvida intocável pela imprensa brasileira.
A situação do futebol nordestino.
Vejo dirigentes falarem que existem complôs para derrubar o futebol de nossa região, enquanto a imprensa do sul crê que não passe de complexo de inferioridade e desculpa para maquiar a incompetência dos atuais comandantes (ou coronéis) de nosso futebol.
Em sua opinião, quem está certo?
É exagero afirmar que existe complô contra o futebol do nordeste tirando como base e, uma possível prova, as tabelas de classificação das duas principais competições nacionais, onde na série A, dois, dos três nordestinos brigando para não cair e na B, cinco, dos seis representantes estão rondando a zona do rebaixamento?
Ou é exagero afirmar que não passa de desculpas para cobrir a lambança de sua má gestão?
Encerro com uma pergunta, que a razão já imagina a resposta, mas o coração não deseja ouvir:
Será tendência ver ABC, América, Bahia, Paysandu, Remo, Santa Cruz, sumirem do cenário nacional pra dar vez a Santo André, Barueri, Ipatinga, Bragantino, São Caetano?
Abraços,
Gabriel.
Resposta parte 1
Bem Gabriel, antes de tudo, gostaria de lhe agradecer pelas palavras gentis e dizer que não sei se sou sensato, ou se talvez, por temer cair no senso comum, procuro ir um pouco além da lamina d’água (só não vou mais fundo em virtude da falta de fôlego, causada pelos anos de consumo do cigarro)...
Em 2007, escrevi sobre o assunto e em respeito a você vou republicar mais abaixo, pois esse é um tema que toda vez que o barco faz água, retorna.
Não sou nenhum parvo e nem sou companheiro de Pascácio Crédulo da Silva (estou trabalhando esse personagem, pois pelo que tenho observado ele me será muito útil em algum momento) para negar que existam atitudes preconceituosas em relação aos nordestinos, mas convenhamos, não temos nós natalenses, atitudes preconceituosas contra mossoroenses, pauferrenses, patuenses, caicoenses e tantos outros irmãos do interior?
Claro que temos!
Mas há uma diferença entre atitude preconceituosa e ação preconceituosa e é aí, que se divide o observador simplório e calcado no senso comum, do observador atento e interessado em estabelecer a verdadeira fronteira entre a ação instintiva e movida por padrões culturais, da ação racional e voltada para a destruição do outro.
Todos nós meu caro Gabriel, temos preconceito, é humano, faz parte de nossa essência...
Quem mais no futebol sofre maior dose de preconceito que os árbitros?
Antes mesmo de tomar qualquer atitude o árbitro é vaiado...
Sua mãe é xingada sem que quem a detrata, tenha a menor idéia de quem possa ser a senhora em questão...
A acusação de ladrão, venal, gaveteiro e tantas outras afirmações pejorativas, são lançadas contra o árbitro sem a menor cerimônia e tudo sem que o árbitro tenha a mais mínima chance de defesa...
Mas isso faz parte do mundo da bola, faz parte do grande circo que é montado a cada jogo para que a massa possa extravasar seus complexos, frustrações e recalques...
No fundo ninguém leva isso a sério.
Mas se ao torcedor tal atitude é permitida, ao dirigente e ao jornalista, radialista ou curioso que por alguma razão esteja exercendo a função, tal atitude é execrável e perniciosa, pois como formadores de opinião, essas pessoas tem a obrigação de ter responsabilidade sobre o que afirmam (um idiota pode se inflamar e incitado por declarações irresponsáveis, ferir alguém).
Sobre um possível complô contra o futebol nordestino, faço umas poucas considerações:
Virgilio Elisio, Diretor Técnico da CBF e homem de confiança de Ricardo Teixeira, é baiano, portanto, nordestino...
Qualquer menino recém saído do jardim de infância sabe que economicamente falando, o Paysandu, o Bahia, o Sport, o Santa Cruz, o Ceará, o Fortaleza, o Remo e alguns dos outros citados por você, são muito mais importantes para os patrocinadores do Campeonato Brasileiro, que Barueri, São Caetano, Ipatinga, Santo André e etc.
Você tem dúvida?
Creio que não, pois pelo seu comentário é fácil perceber com quem trato...
O que existe Gabriel, é uma imensa diferença de ordem econômica, além é claro, de gestões amadoras e apaixonadas...
Você consegue admitir que clubes como Remo, Paysandu, Bahia e Santa Cruz, capazes de arrebanhar milhares de torcedores, estejam na bancarrota?
Nem eu!
Mas se procurarmos, vamos encontrar as razões.
Portanto, antes de imaginamos complôs, façamos um busca cautelosa e desapaixonada sobre como são geridos esses gigantes...
Agora, compreendo que jogar a culpa no outro e tentar se vitimizar, sejam parte de um processo também humano.
Resposta parte 2.
Texto postado em agosto de 2007, sob o título - "Não joguem irmãos contra irmãos".
Até quando teremos que ouvir o batido e ridículo discurso que o nordeste e seu povo são odiados pelo sul e sudeste do Brasil.
Que interesses estão por trás dessas vozes que insistem em criar um abismo entre irmãos?
Por que razão justificar os erros e as atitudes incompetentes com a fumaça do preconceito?
Que razão tem essas pessoas para confundirem piadas de péssimo gosto, desinformação e coisas menores com preconceito?
Será que sabemos mesmo o que é preconceito?
Ou temos uma excessiva sensibilidade que acaba se transformando em paranóia – mania de perseguição?
Antonio Ermírio de Moraes é pernambucano, nem por isso teve sua trajetória interrompida, nem por isso foi ou é impedido de entrar na FIESP.
Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves de Silva), Catulo da Paixão Cearense e tantos outros, são filhos do nordeste...
Nunca vi ninguém desligar um rádio ou se retirar de algum lugar onde suas obras são mostradas.
Ariano Suassuna é cultuado em todo o país, Gilberto Freire é respeitado internacionalmente, Graciliano Ramos é leitura obrigatória em qualquer lugar...
Raquel de Queiróz, João Cabral de Melo, José Lins do Rego e Guimarães Rosa, nunca tiveram livros queimados na Avenida Paulista ou em Ipanema.
Castelo Branco, Juarez Távora, Deodoro da Fonseca e tantos outros oficiais que fizeram história no Exército brasileiro eram nordestinos e nenhum deles foi impedido de chegar ao generalato por tal motivo.
Paulo Gracindo, Chico Anísio, Renato Aragão e muitos outros, não foram impedidos de fazer sucesso em suas vidas por terem saído das terras áridas da região.
No futebol, Manga, Almir, Vavá, Lula, Dequinha, Nonato, Marinho Chagas, Ricardo Rocha, Zagalo e milhares de outros, alguma vez foram barrados ou deixaram de ser convocados para a seleção brasileira por serem nordestinos?
Não, nunca!
Oscar por ter nascido no Rio Grande do Norte foi proibido de jogar basquete no Brasil?
Sou neto de um maranhense criado na Serra de Ibiapaba no Ceará, meu pai nasceu em Quixadá terra de minha avó materna.
Meu avô foi ainda jovem para o Rio de Janeiro, lá fez de tudo até se tornar oficial do Exército.
Atingiu o generalato e meu pai seguiu seus passos, nenhum dos dois jamais perdeu uma promoção por ter nascido nos confins do nordeste.
E sabem qual a razão?
Todos eram nordestinos competentes, lutadores e bravos.
Nenhum deles jamais negou sua origem ou sentiu vergonha do lugar onde nasceu.
Todos sabiam que contra competência não há resistência que dure.
Por isso, todos conquistaram seus sonhos...
Meu pai dizia que antes de ser qualquer coisa era um filho de Quixadá e um cearense.
Disse isso em vários discursos que fez em sua vida militar.
Nunca foi vaiado nem maltratado por pronunciar tais palavras.
Portanto, parem com essa conversa mole...
Parem de querer tapar o sol com a peneira...
O América está na situação em que está não é por ser nordestino, mas por ter uma administração que cometeu todos os erros possíveis de serem cometidos.
Os árbitros não roubam o América os árbitros erram como erram os árbitros no mundo inteiro.
Erram como erram os nossos árbitros nos jogos contra o Santa Cruz, o Macau e etc.
Erram como errou Olten Ayres de Abreu, um mossoroense que se tornou um dos maiores árbitros de futebol desse país na década de sessenta e que hoje é conselheiro do São Paulo.
Olten é respeitado e admirado por todos os paulistas.
Olten nunca foi privado de nada por ser potiguar.
Parem com essa conversa, pois isso nada acrescenta...
Não confundam ignorância e idiotice com preconceito, são coisas bem diferentes.
Caso tenham alguma dúvida, aconselho a buscarem informação sobre preconceito junto aos judeus, aos negros norte-americanos e sul-africanos.
Conversem com curdos, azeris, chechenos, tártaros, ciganos europeus e tantos outros povos que ainda hoje podem ter suas vidas liquidadas apenas por pertencerem à raça “errada”, no lugar errado.