Já passa das 4 horas da manhã...
Para mim, nenhuma novidade.
Logo, o céu vai ganhar tons
azulados anunciando o sol que “desperta” a leste e eu, acompanhado por minha
caneca sempre transbordando de gelo e Coca-Cola e do maço de Hollywood já quase
vazio, vou recebê-lo como sempre: desenhando em minha mente, imagens no
contorno das nuvens que lentamente tomam forma e me deixando maravilhar pelos
tons das cores que aos poucos vão tingindo a escuridão...
Mas a manhã de hoje tem um sabor
especial...
O Fernando Amaral FC completa seu quinto ano de existência.
Tudo começou com um amigo, chamado
Mário Sérgio Figueiroa a buzinar em meus ouvidos que era hora de criar um
blog...
Resisti por algum tempo, mas
Mário acabou por me convencer.
Foi no dia 24 de setembro de 2006,
um domingo, que criei coragem e resolvi arriscar...
Escrevi então o texto abaixo:
“A decisão de escrever”
Não foi fácil tomar tal decisão, escrever sobre qualquer assunto é
tarefa hercúlea que requer algum conhecimento, muita pesquisa e uma enorme
disciplina.
Escrever sobre futebol então é andar sob o fio da navalha é passear
olhando estrelas em campo minado.
O esporte das multidões é dinamite pura, pois sua essência é a paixão e
toda paixão cega e embaça o raciocínio.
Tente convencer a um torcedor do Celtic de Glasgow que seu clube não é
o maior nem o melhor, tente dizer a um torcedor do River de Teresina que sua
equipe é pobre e não terá muitas chances em um campeonato de nível nacional.
Quer um conselho?
Não tente!
Assim é o futebol, apaixonante, subjetivo, repleto de “conhecedores” e
de lendas, cada uma contada de acordo com o envolvimento emocional de quem a
relata.
Jogador mediano se transforma em gênio, time medíocre em “máquina
imbatível”, árbitro em vilão, auxiliar em “ladrão” e dirigente mau caráter em
líder incontestável a serviço do clube.
Pois é nesse mundo que pretendo
adentrar através desse blog e, é sobre esse assunto que desejo escrever.
Afinal, a palavra escrita permanece eterna, enquanto o que dizemos se
perde no vazio.
Sei o que vou enfrentar já acumulei alguma experiência no rádio e na
televisão, sei como se comportam torcedores e dirigentes.
Só não sei como irão se comportar alguns companheiros de imprensa
quando sobre eles recaírem algumas críticas.
Confesso que tenho uma curiosidade mórbida sobre o assunto! Imprensa
esportiva costuma ser algoz e nunca vítima.
Esse foi o primeiro...
No dia seguinte, postei mais
um...
“Fabrica de moer talentos”
O esporte no Brasil sobrevive da teimosia de alguns, da perseverança de
uns poucos e do talento dos atletas que fazem do esporte sacerdócio.
Nunca tivemos uma política séria voltada para o esporte, nunca os
governos viram os esportes como uma importante via de inclusão social e de
cidadania.
Com isso perdemos a chance de poder enfrentar as drogas, a
criminalidade e a falta de perspectiva de milhões de jovens por esse país a
fora.
Perdemos mais, perdemos talentos, que desanimados por não terem nem
estrutura nem apoio desistem no meio do caminho.
Nunca consegui entender as razões pelas quais as escolas não investem
em esporte, nem o porquê da desvalorização dos professores de educação física
que aos poucos, perderam espaço na grade curricular e se viram obrigados a ser
animadores de recreio ou montarem equipes mambembes para disputa de jogos
escolares incipientes e de qualidade duvidosa.
Não posso imaginar que uma semana ou quinze dias por ano possam
representar algum ganho esportivo para qualquer estudante que venha a
participar dos tais jogos escolares.
Não posso imaginar que um ou dois professores possam coordenar,
organizar, selecionar e treinar alunos em tantas modalidades, mesmo restritos a
um estabelecimento de ensino apenas.
Como preparar atletas sem o equipamento necessário?
Como medir as possibilidades de cada um sem ter a disposição um
laboratório minimamente pronto para dar suporte a uma avaliação séria sobre as
reais condições de cada menino ou menina que abraça o esporte?
Essas são perguntas simples e com certeza de fácil resposta, mas o
desinteresse é perceptível quando olhamos a estrutura que nossas escolas põem a
serviço de professores e futuros atletas.
Nas escolas públicas a pobreza é franciscana e nas particulares, salvo
uma ou outra exceção, temos mais bijuteria a enganar leigo e a justificar extorsivas
mensalidades, que estruturas realmente condizente com a formação de atletas e
aptas a receber competições sérias.
Esse é o retrato do esporte escolar no Brasil e é assim que ainda
moços, garotos e garotas resolvem deixar de lado o sonho de um dia virem a serem
atletas ou ao menos ganhar uma medalha e resolvem cuidar da vida, pois cedo
aprendem que no esporte, a “morte” é certa.
No terceiro dia, contei minha
primeira história...
Uma história que gosto muito e
que fala de um homem admirável...
Contei a história de Walter Tull...
"Walter Tull"
Ao me propor escrever sobre
história do futebol e de seus personagens, não tinha idéia de por onde começar
queria fugir do lugar comum, queria evitar a mesmice e dar um novo enfoque ao
tema.
Seria fácil escolher alguém conhecido e repetir os mesmos elogios, falar
das grandes partidas e dos momentos inesquecíveis...
Uma mudança aqui e outra
acolá, daria uma cara nova e transformaria em novidade um assunto velho e
batido.
Então resolvi buscar algo novo, algo que fosse além, algo que
contivesse mais que passes brilhantes, gols fantásticos e dribles
impressionantes.
Encontrei Walter Tull.
Neto de escravo, filho de um
imigrante das Ilhas Barbados e uma jovem inglesa de Folkestone, Walter Tull foi
o homem que derrotou por duas vezes o preconceito e a intolerância.
Venceu uma infância trágica e se
foi ainda jovem, num tempo em que a morte colhia sorridente nos campos da
Europa meninos, rapazes e homens.
Nascido em 1888, Walter foi o
sétimo e último filho dos Tull, sua mãe morreu logo após o parto e seu pai
desgostoso e infeliz, faleceu dois anos depois.
A família de sua mãe sem posses
para cuidar da prole, entregou Walter e seu irmão mais velho Edward aos
cuidados do Orfanato Metodista em Bethnal Green, Londres.
Ambos permaneceram no
estabelecimento até completarem a maior idade, Edward tornou-se um bem sucedido
dentista em Glasgow na Escócia, enquanto Walter permaneceu em Londres, vivendo
de pequenos serviços e de sua habilidade como jogador de futebol.
Ainda garoto foi convidado a
participar do time do Clapton, equipe amadora que disputava as ligas menores da
Associação Inglesa de Futebol, porém sua maneira de jogar, seu estilo técnico e
sua garra, logo chamaram a atenção dos treinadores do Tottenham Hotspur.
Em 1908, Walter assinou contrato
profissional com os Spurs e ao lado do goleiro Arthur Walton do Preston North
End tornaram-se os primeiros negros profissionais no futebol inglês.
Fez parte da delegação do Tottenham em uma
excursão à Argentina e Uruguai e a cada jogo sua fama crescia e seu futebol
brilhava.
Mas um negro, vestindo a camisa
de um grande de Londres e ainda tendo a ousadia de desmoralizar defesas e
estraçalhar adversários, não poderia ficar impune, na puritana e conservadora
Inglaterra de então.
Em uma partida contra o Bristol
Rovers, Walter foi covardemente caçado, sob os olhos complacentes do árbitro,
após marcar 4 dos 5 gols na goleada sobre o Rovers.
Ao final, Walter saiu gravemente
contundido e permaneceu inativo por um longo período, e ao retornar, o
treinador o colocou entre os reservas, dando-lhe poucas chances de voltar a
jogar.
Em 1910 Walter deixa o Tottenham, ali parecia
estar encerrada a carreira do negro hábil, forte e marcador de gols.
Durante um ano Walter permaneceu
parado, até que Herbert Chapman lendário treinador inglês, o convidou para se
unir ao time do Northampton Town e disputar a Southern Liga.
Foram 110 partidas pelo novo
clube, o estilo permanecia o mesmo, Walter ainda continuava a humilhar
defensores e derrotar os fortes esquadrões do reino.
Chega o ano de 1914, o
Rangers de Glasgow forma um grande time e vai buscar no Northampton seu
principal reforço.
Mas a Europa já não era a mesma,
o império Austro-Húngaro invade a Sérvia e a Alemanha sua aliada marcha sobre a
França, termina assim o sonho do Rangers, de Walter e de milhares de jovens
futebolistas em todo o continente europeu...
A primeira Grande Guerra chega à
ilha de sua majestade e Walter se alista no 17º Regimento de Middlesex, é
incorporado como sargento ao 23º Batalhão, que ficaria famoso por ser o
“batalhão dos futebolistas” dado ao grande número de jogadores de futebol em
suas fileiras.
Walter participa da primeira batalha do Somme
em território Frances e da frente italiana.
O craque da bola, também se
mostra um grande soldado, faz história entre seus companheiros, ganha o
respeito de seus superiores e retorna de licença a pátria como herói.
Em Londres seu amor pelo futebol
é mais forte, e ele enverga a camisa do Fulham na temporada de 1915, com o
mesmo sucesso, com a mesma habilidade e com o mesmo faro de gols.
Em 1818 é reconvocado e devolvido
aos campos de batalha e é nesse momento que Walter conquista sua maior vitória.
Volta à guerra como o primeiro
oficial negro da história do exército da Grã Bretanha, mas não foi uma vitória
fácil, os manuais militares ingleses de 1914, eram específicos: “Nenhum homem
negro poderia comandar brancos”.
Walter mais uma vez era o centro
das atenções, os oficiais conservadores, lutaram contra a sua nomeação, mas os
oficiais que o comandaram não abriram mão, mantiveram a indicação de Walter e
foram até as últimas instâncias para verem concretizado o que eles chamavam de
“justa promoção”.
Ao final dessa curta, mas renhida
batalha o Supremo Comando das Forças Armadas Inglesas, apoiado em relatórios e
depoimentos, promoveu Walter Tull a segundo tenente do 23º Batalhão do 17º
Regimento de Middlesex.
A guerra já dava mostras de que
não iria longe, seu fim estava próximo e o Rangers voltou a procurar Walter,
mas essa história não tem um final feliz.
Numa última e desesperada
tentativa de reverter o curso da guerra, os alemães lançam um grande ataque que
ficou conhecido como a segunda batalha do Somme e em março de 1918, perto de
Favereuil, morre aos 29 anos Walter Tull.
Chega ao fim à história de um
homem simples, filho de um modesto trabalhador, neto de escravo e cuja vida
trágica, não o impediu de ser maior que a maioria de seus contemporâneos.
Muito pelo contrário, fez dele um
forte, um determinado, que enfrentou a solidão, o preconceito e estupidez, da
mesma forma que entortou zagueiros, demoliu esquemas táticos e curvou o estado
maior das forças armadas britânicas.
Walter não pode desfilar sua
categoria no gramado do Ibrox Park, nem comemorar vitórias sobre os Celtic
boys, mas é o maior símbolo da luta contra o racismo na Inglaterra e todos os
anos no Walter Tull Memmorial Garden, próximo ao Sixfields Community Stadium do
Northampton Town, centenas e centenas de fãs do Tottenham, Fulham e
Northampton, prestam a ele homenagem.
Conta-se nos pub’s, que em um
jogo entre Liverpool e Tottenham Hottspur, a torcida do Liverpool entoou
cânticos racistas contra um jogador do Tottenham...
Em resposta os torcedores dos
Spurs, gritaram em coro o nome de Walter Tull e que o goleiro Bruce Grobelaar e
Graeme Souness jogadores do Liverpool pediram silêncio a seus torcedores.
Diante disso, os vermelhos
calaram-se.
Hoje, relendo estes textos e
relembrando o primeiro dia, vejo que valeu a pena...
Mesmo que não tenha milhões de
entradas e tão somente, 60 seguidores...
Mas e daí?
Escrevo por prazer e não em busca
de reconhecimento...
Portanto, os meus 60 seguidores e
todos os que anonimamente passam por aqui, são para mim, as pessoas mais
importantes do mundo e é a eles e a Mário Sérgio Figueiroa que dedico o dia de
hoje.