Imagem: Acervo particular de minha irmã, Jaqueline Amaral Ferreira de Souza
O primeiro presente relevante que
recebi de meu pai foi um álbum selos e não, uma bola.
Ainda o tenho...
Lá está escrito:
Que lhe sirva como mola
propulsora para além do horizonte.
Seu pai.
Fortaleza, 10 de dezembro de
1962.
Meu aniversário de sete anos.
Mais tarde, recebi minha primeira
lição de civilidade...
Entrei em casa em desabalada
carreira, não lembro o motivo da pressa, mas lembro de ver meu pai em seguida, me
fazendo retornar a sala de visitas para dar um boa tarde aos seus amigos que lá
estavam.
Muito tempo depois, lhe perguntei
o que significava autóctone – lembro perfeitamente da palavra – e, como
resposta ele apontou o dedo em direção a um dicionário e disse: está lá,
procure.
Eu então retruquei...
O senhor não pode me dizer?
E ele...
Posso, mas não vou.
Por que, insisti...
E ele calmamente falou...
Por duas razões; a primeira não
sei tudo, mas procurei montar essa biblioteca para me ensinar o que não sei.
Use-a.
A segunda, se não lhe servir para
nada, servirá para fazer você tirar seu traseiro da poltrona e fazer um mínimo
de exercício.
Em seguida, vieram três lições
que me serviram de base e das quais nunca me desvencilhei.
Primeira:
Onde o senhor conseguiu isso?
Quem lhe deu?
Por que lhe deu?
O que o senhor fez para merecer
tal presente.
Essas perguntas eram
constantemente repetidas todas as vezes que eu chegava em casa com alguma coisa
que não fazia parte do acervo conhecido por ele.
Segunda:
Seu professor não está à
disposição de seus caprichos e nem é pago para quebrar seus galhos...
Seu professor está ali para lhe
repassar conhecimento, lapidar seu cérebro e lhe abrir horizontes.
Portanto, moço, a próxima vez que
eu for chamado a sua escola para me contarem sobre o seu desejo de ter suas
nota em matemática elevadas pelo professor sob a alegação de que a matéria não
terá serventia para sua vida futura, prepare-se para usar uma prótese dentária
e, essa, posso lhe garantir lhe servirá até o fim de seus dias.
Terceira:
Ao olhar em casa, o lanho deixado
por um cassete de um policial em minhas costas durante uma manifestação nos
anos 70, meu pai me perguntou:
O senhor está resmungando por
que?
Sai para o enfrentamento e espera
voltar ileso?
Se é assim que o senhor pretende
fazer a revolução, desista, já está derrotado.
Essas são algumas lembranças que
me ocorreram durante a madrugada do meu velho pai.
Alguns vão dizer que ele era um
reacionário, um conservador...
Azar de quem pensar assim.
Para mim, meu pai foi um homem de
seu tempo...
Um homem que me fez entender que
fronteiras não são limites, mas que meus direitos terminam na fronteira do
direito do outro.
Nunca senti a força de seu braço,
mas sei a força que seu olhar tinha.
Meu pai foi o homem que certa vez
me disse:
Nunca faça nada que lhe envergonhe,
envergonhe seus filhos ou manche o nome de seus antepassados.
Saudade de você meu pai...
Saudade do seu jeito seco, duro,
mas leal e correto de me ensinar as coisas.
Saudade das tardes no Maracanã, das
noites em frente à televisão, dos domingos em volta da mesa e do beijo nos
lábios que o senhor nunca se envergonhou em me dar, mesmo em público.