domingo, agosto 11, 2013

Lembranças de meu pai... (Na foto meu pai está de terno claro e o outro senhor, é o governador do Ceará, Virgílio Távora)

Imagem: Acervo particular de minha irmã, Jaqueline Amaral Ferreira de Souza


O primeiro presente relevante que recebi de meu pai foi um álbum selos e não, uma bola.

Ainda o tenho...

Lá está escrito: 

Que lhe sirva como mola propulsora para além do horizonte.

Seu pai.

Fortaleza, 10 de dezembro de 1962.

Meu aniversário de sete anos.

Mais tarde, recebi minha primeira lição de civilidade...

Entrei em casa em desabalada carreira, não lembro o motivo da pressa, mas lembro de ver meu pai em seguida, me fazendo retornar a sala de visitas para dar um boa tarde aos seus amigos que lá estavam.

Muito tempo depois, lhe perguntei o que significava autóctone – lembro perfeitamente da palavra – e, como resposta ele apontou o dedo em direção a um dicionário e disse: está lá, procure.

Eu então retruquei...

O senhor não pode me dizer?

E ele...

Posso, mas não vou.

Por que, insisti...

E ele calmamente falou...

Por duas razões; a primeira não sei tudo, mas procurei montar essa biblioteca para me ensinar o que não sei.

Use-a.

A segunda, se não lhe servir para nada, servirá para fazer você tirar seu traseiro da poltrona e fazer um mínimo de exercício.

Em seguida, vieram três lições que me serviram de base e das quais nunca me desvencilhei.

Primeira:

Onde o senhor conseguiu isso?

Quem lhe deu?

Por que lhe deu?

O que o senhor fez para merecer tal presente.

Essas perguntas eram constantemente repetidas todas as vezes que eu chegava em casa com alguma coisa que não fazia parte do acervo conhecido por ele.

Segunda:

Seu professor não está à disposição de seus caprichos e nem é pago para quebrar seus galhos...

Seu professor está ali para lhe repassar conhecimento, lapidar seu cérebro e lhe abrir horizontes.

Portanto, moço, a próxima vez que eu for chamado a sua escola para me contarem sobre o seu desejo de ter suas nota em matemática elevadas pelo professor sob a alegação de que a matéria não terá serventia para sua vida futura, prepare-se para usar uma prótese dentária e, essa, posso lhe garantir lhe servirá até o fim de seus dias.

Terceira:

Ao olhar em casa, o lanho deixado por um cassete de um policial em minhas costas durante uma manifestação nos anos 70, meu pai me perguntou:

O senhor está resmungando por que?

Sai para o enfrentamento e espera voltar ileso?

Se é assim que o senhor pretende fazer a revolução, desista, já está derrotado.

Essas são algumas lembranças que me ocorreram durante a madrugada do meu velho pai.

Alguns vão dizer que ele era um reacionário, um conservador...

Azar de quem pensar assim.

Para mim, meu pai foi um homem de seu tempo...

Um homem que me fez entender que fronteiras não são limites, mas que meus direitos terminam na fronteira do direito do outro.

Nunca senti a força de seu braço, mas sei a força que seu olhar tinha.

Meu pai foi o homem que certa vez me disse:

Nunca faça nada que lhe envergonhe, envergonhe seus filhos ou manche o nome de seus antepassados.

Saudade de você meu pai...

Saudade do seu jeito seco, duro, mas leal e correto de me ensinar as coisas.

Saudade das tardes no Maracanã, das noites em frente à televisão, dos domingos em volta da mesa e do beijo nos lábios que o senhor nunca se envergonhou em me dar, mesmo em público.


Um comentário:

Anônimo disse...

Não é de se estranhar que tenhas sido criado por um homem como o seu pai. Você passa isso a quem te conhece de perto. Escolhestes uma profissão que, para exercê-la bem, é preciso sabedoria e justiça. E isso tu fazes muito bem. Parabéns pela justa homenagem ao teu pai que ecoa como ensinamento aos mais jovens e mostra bem a face de um pai que não via só o presente mas, mirava com sabedoria o futuro.
"Nunca senti a força do seu braço, mas sei a força que seu olhar tinha." Essa frase, só quem conhece a palavra respeito sabe o seu valor.
Feliz dia dos Pais meu amigo e muito obrigado por essa maravilha de história que compartilhas hoje com teus amigos leitores.
ADAIL PIRES