Uma história que deveria ser
cultuada e reverenciada em todo o Rio Grande do Norte, mas que acabou submersa
na inexplicável falta de memória esportiva de todos nós...
Abaixo, o excelente texto de
Robvani Gomes, sobre o maior feito náutico do povo nordestino e maior do mundo
em seu tempo.
Do sonho à História, para o
esquecimento
Assim foi o Raid Natal-Rio de
Janeiro, um dos maiores feitos náuticos já realizado
Por Robvani Gomes
Há exatos 63 anos, partia em uma
bela e ensolarada manhã de domingo, 30 de março de 1952, rumo a Guanabara, ao
toque da banda de música e observados pela multidão que os aplaudiam, cinco
bravos homens que iriam entrar para a História não só do remo potiguar, mas do
remo mundial.
Mas o começo dessa jornada foi
muito antes, mais precisamente vinte anos antes da partida. Em 1932, cinco
remadores resolveram testar o potencial de suas remadas e saíram em uma iole,
num raid Natal-Recife. A viagem foi um sucesso! E nela já estava presente o
grande Ricardo da Cruz, que dali em diante passou a sonhar com um feito ainda
maior.
Ricardo Severiano da Cruz
(17.02.1890 - 09.07.1979), um potiguar natural da praia de Rio do Fogo (na
época pertencente ao município de Touros). Foi poeta, esportista, funcionário
público, além de um excelente carpinteiro naval. Alegre, companheiro e
apaixonado pelo mar. Sonhou e lutou para realizar seu sonho, que se concretizou
dezesseis anos mais tarde.
Em 1936, Ricardo e alguns amigos
sentados na praia, em um encontro comum, tiveram a ideia do Raid Natal-Rio de
Janeiro. A conversa se espalhou pela cidade e conquistou o apoio e admiração de
muitos, de tal forma que, em 1937, já estava tudo pronto para a aventura
começar.
Oscar Simões Filho construiu uma
iole a quatro remos, de bordas mais altas e totalmente reforçada, para aguentar
as tormentas que poderiam encontrar. A iole foi batizada de Rio Grande do
Norte. No entanto, não tiveram a liberação do Ministério da Marinha para
realizar o raid. E as justificativas eram várias, inclusive que era uma loucura
(o que hoje continuaria sendo).
Mas nada fez com que o sonho
morresse. Ano após ano, Ricardo tentou embarcar em sua jornada. Só em 1952,
tendo como seu grande amigo o vice-presidente Café Filho, é que conseguiu a
autorização para que o raid fosse realizado. Dezesseis anos depois de tudo ter
começado, quando todos achavam que a ideia tinha morrido e que já não se tinha
mais idade para realizá-la, ressurge com força total.
O cenário da capital potiguar
nessa época, mesmo se passando seis anos após a Segunda Guerra, ainda era de
conflitos. Um clima hostil e de confronto ainda existia. Mas nada poderia
destruir um sonho.
Da rampa do Sport Club Natal, às
margens do Rio Potengi, parte a Rio Grande do Norte com seus cinco bravos
tripulantes. Mesmo saindo da garagem de um clube, os remadores não vestiam
nenhuma camisa que os representassem: levavam estampados no peito a cor e o
orgulho de seu estado, o RN.
“Que vai, esse ousado bando, na Guanabara mostrar? – cinco caboclos,
pegando/queda-de-corpo com o mar!” - Othoniel Menezes -
Rumo a Capital Federal (na época)
se foi a guarnição formada por Ricardo da Cruz (63), patrão; Antônio de Souza
Dantas (49), voga; Clodoaldo Bakker (59), sota-voga; Francisco de Paula
Madureira (44), sota-proa; e Oscar Simões Filho (39), proa. Dos cinco, quatro
eram associados ao Sport Club, apenas Antônio era filiado ao Centro Náutico
Potengi. E essa foi a primeira formação a partir em busca da realização de um
sonho.
Os remadores revezavam suas
posições noite e dia, mar afora, sem nenhuma tecnologia. Em uma navegação
costeira, beirando o litoral do país até o seu destino, tendo como referência
as belas praias da nossa costa.
No percurso, em cada parada feita
nas enseadas, os destemidos heróis eram recebidos com festas. Mas nem tudo foi
alegria. Desafiavam o mar bravio, no sol e na chuva, chegando a passar trinta
horas sem pisar em terra firme. Muitos chegaram a pensar que eles não iriam
resistir ao mar.
Na passagem pela costa sergipana,
em 16 de maio, quase acaba o sonho. O mar revolto e os reparos da iole fizeram
com que a estadia no local fosse um pouco mais longa. Em 2 de junho, com tudo
pronto e o tempo em boas condições, retornaram ao mar para continuar a epopeia.
Ao atingirem a barra de
arrebentação, uma onda violenta os atingiu e partiu a iole ao meio. Com muita
sorte, apesar das adversidades, os cinco se salvaram, nadando de volta para
costa a aproximadamente 11km. Retornaram a Natal em uma corveta designada pela
Marinha de Guerra. Da embarcação naufragada só trouxeram de volta os remos.
No entanto, mesmo com receios e
graças ao valente e destemido Ricardo da Cruz, que esteve a todo momento no
comando da embarcação e da realização de seu sonho, não desistiram de retomar a
aventura. Receberam então o apoio e a colaboração do povo e de autoridades,
conseguiram construir uma nova embarcação, feita pelo mestre naval Luís Enéas,
na oficina da Base Naval. E em 18 de dezembro, a iole Rio Grande do Norte II
estava pronta para ir ao mar.
Por motivos diversos e
particulares, dois dos náufragos da primeira embarcação desistiram de continuar
a jornada: Francisco de Paula Madureira e Clodoaldo Bekker. Foram substituídos por Luís Enéas e Walter
Fernandes (dono da água mineral Santos Reis), tripulante mais jovem da iole,
com 27 anos.
Os remadores e a nova iole saíram
de Natal para concluir o grande feito em 18 de janeiro de 1953, a bordo do
caça-minas ‘Piranha’, com destino ao ponto em que haviam parado. Chegando
novamente à costa sergipana em 08 de fevereiro, foram para Mangue Seco e de lá
retomaram a aventura.
A consagração do sonho foi em 21
de maio de 1953, com a chegada tão esperada e festejada na Baía de Guanabara. Após
uma jornada de quase 100 dias de viagem, foram recebidos com todas as honras
merecidas. Barcos da Marinha, remadores nacionais e internacionais, várias
autoridades e um grande público que estava à espera dos “heróis do remo”, como
ficaram conhecidos.
Foram recebidos pelo
vice-presidente Café Filho, onde foram prestadas várias homenagens, inclusive
dos clubes de regatas locais. No Maracanã, assistiram ao jogo Flamengo e
Botafogo, onde também foram homenageados. Retornaram à capital potiguar e foram
recebidos com toda pompa. A BBC de Londres noticiou o fato como o maior feito
náutico do mundo.
No entanto, as expectativas do
feito não se superaram. Mesmo com toda glória do que tinha feito, os remadores
esperavam um reconhecimento financeiro, mas ele não veio. Com o passar dos
anos, a epopeia caiu no esquecimento, assim como todo o esporte náutico.
A aventura completou há poucos
dias 63 anos e nada foi lembrado. Assim como pouco se fala sobre o remo em
nossa capital, mesmo tendo dois clubes prestes a completar seu centenário: o
Sport Club Natal e o Centro Náutico Potengi.