sexta-feira, junho 05, 2015

Foi o Rio Grande do Norte que realizou um dos maiores feitos náuticos do mundo...

Uma história que deveria ser cultuada e reverenciada em todo o Rio Grande do Norte, mas que acabou submersa na inexplicável falta de memória esportiva de todos nós...

Abaixo, o excelente texto de Robvani Gomes, sobre o maior feito náutico do povo nordestino e maior do mundo em seu tempo.

Do sonho à História, para o esquecimento

Assim foi o Raid Natal-Rio de Janeiro, um dos maiores feitos náuticos já realizado

Por Robvani Gomes

Há exatos 63 anos, partia em uma bela e ensolarada manhã de domingo, 30 de março de 1952, rumo a Guanabara, ao toque da banda de música e observados pela multidão que os aplaudiam, cinco bravos homens que iriam entrar para a História não só do remo potiguar, mas do remo mundial.

Mas o começo dessa jornada foi muito antes, mais precisamente vinte anos antes da partida. Em 1932, cinco remadores resolveram testar o potencial de suas remadas e saíram em uma iole, num raid Natal-Recife. A viagem foi um sucesso! E nela já estava presente o grande Ricardo da Cruz, que dali em diante passou a sonhar com um feito ainda maior.

Ricardo Severiano da Cruz (17.02.1890 - 09.07.1979), um potiguar natural da praia de Rio do Fogo (na época pertencente ao município de Touros). Foi poeta, esportista, funcionário público, além de um excelente carpinteiro naval. Alegre, companheiro e apaixonado pelo mar. Sonhou e lutou para realizar seu sonho, que se concretizou dezesseis anos mais tarde.

Em 1936, Ricardo e alguns amigos sentados na praia, em um encontro comum, tiveram a ideia do Raid Natal-Rio de Janeiro. A conversa se espalhou pela cidade e conquistou o apoio e admiração de muitos, de tal forma que, em 1937, já estava tudo pronto para a aventura começar.

Oscar Simões Filho construiu uma iole a quatro remos, de bordas mais altas e totalmente reforçada, para aguentar as tormentas que poderiam encontrar. A iole foi batizada de Rio Grande do Norte. No entanto, não tiveram a liberação do Ministério da Marinha para realizar o raid. E as justificativas eram várias, inclusive que era uma loucura (o que hoje continuaria sendo).

Mas nada fez com que o sonho morresse. Ano após ano, Ricardo tentou embarcar em sua jornada. Só em 1952, tendo como seu grande amigo o vice-presidente Café Filho, é que conseguiu a autorização para que o raid fosse realizado. Dezesseis anos depois de tudo ter começado, quando todos achavam que a ideia tinha morrido e que já não se tinha mais idade para realizá-la, ressurge com força total.

O cenário da capital potiguar nessa época, mesmo se passando seis anos após a Segunda Guerra, ainda era de conflitos. Um clima hostil e de confronto ainda existia. Mas nada poderia destruir um sonho.

Da rampa do Sport Club Natal, às margens do Rio Potengi, parte a Rio Grande do Norte com seus cinco bravos tripulantes. Mesmo saindo da garagem de um clube, os remadores não vestiam nenhuma camisa que os representassem: levavam estampados no peito a cor e o orgulho de seu estado, o RN.

“Que vai, esse ousado bando, na Guanabara mostrar? – cinco caboclos, pegando/queda-de-corpo com o mar!” - Othoniel Menezes -

Rumo a Capital Federal (na época) se foi a guarnição formada por Ricardo da Cruz (63), patrão; Antônio de Souza Dantas (49), voga; Clodoaldo Bakker (59), sota-voga; Francisco de Paula Madureira (44), sota-proa; e Oscar Simões Filho (39), proa. Dos cinco, quatro eram associados ao Sport Club, apenas Antônio era filiado ao Centro Náutico Potengi. E essa foi a primeira formação a partir em busca da realização de um sonho.

Os remadores revezavam suas posições noite e dia, mar afora, sem nenhuma tecnologia. Em uma navegação costeira, beirando o litoral do país até o seu destino, tendo como referência as belas praias da nossa costa.

No percurso, em cada parada feita nas enseadas, os destemidos heróis eram recebidos com festas. Mas nem tudo foi alegria. Desafiavam o mar bravio, no sol e na chuva, chegando a passar trinta horas sem pisar em terra firme. Muitos chegaram a pensar que eles não iriam resistir ao mar.

Na passagem pela costa sergipana, em 16 de maio, quase acaba o sonho. O mar revolto e os reparos da iole fizeram com que a estadia no local fosse um pouco mais longa. Em 2 de junho, com tudo pronto e o tempo em boas condições, retornaram ao mar para continuar a epopeia.

Ao atingirem a barra de arrebentação, uma onda violenta os atingiu e partiu a iole ao meio. Com muita sorte, apesar das adversidades, os cinco se salvaram, nadando de volta para costa a aproximadamente 11km. Retornaram a Natal em uma corveta designada pela Marinha de Guerra. Da embarcação naufragada só trouxeram de volta os remos.

No entanto, mesmo com receios e graças ao valente e destemido Ricardo da Cruz, que esteve a todo momento no comando da embarcação e da realização de seu sonho, não desistiram de retomar a aventura. Receberam então o apoio e a colaboração do povo e de autoridades, conseguiram construir uma nova embarcação, feita pelo mestre naval Luís Enéas, na oficina da Base Naval. E em 18 de dezembro, a iole Rio Grande do Norte II estava pronta para ir ao mar.  

Por motivos diversos e particulares, dois dos náufragos da primeira embarcação desistiram de continuar a jornada: Francisco de Paula Madureira e Clodoaldo Bekker.  Foram substituídos por Luís Enéas e Walter Fernandes (dono da água mineral Santos Reis), tripulante mais jovem da iole, com 27 anos.

Os remadores e a nova iole saíram de Natal para concluir o grande feito em 18 de janeiro de 1953, a bordo do caça-minas ‘Piranha’, com destino ao ponto em que haviam parado. Chegando novamente à costa sergipana em 08 de fevereiro, foram para Mangue Seco e de lá retomaram a aventura.

A consagração do sonho foi em 21 de maio de 1953, com a chegada tão esperada e festejada na Baía de Guanabara. Após uma jornada de quase 100 dias de viagem, foram recebidos com todas as honras merecidas. Barcos da Marinha, remadores nacionais e internacionais, várias autoridades e um grande público que estava à espera dos “heróis do remo”, como ficaram conhecidos.

Foram recebidos pelo vice-presidente Café Filho, onde foram prestadas várias homenagens, inclusive dos clubes de regatas locais. No Maracanã, assistiram ao jogo Flamengo e Botafogo, onde também foram homenageados. Retornaram à capital potiguar e foram recebidos com toda pompa. A BBC de Londres noticiou o fato como o maior feito náutico do mundo.

No entanto, as expectativas do feito não se superaram. Mesmo com toda glória do que tinha feito, os remadores esperavam um reconhecimento financeiro, mas ele não veio. Com o passar dos anos, a epopeia caiu no esquecimento, assim como todo o esporte náutico.

A aventura completou há poucos dias 63 anos e nada foi lembrado. Assim como pouco se fala sobre o remo em nossa capital, mesmo tendo dois clubes prestes a completar seu centenário: o Sport Club Natal e o Centro Náutico Potengi.

2 comentários:

Fred disse...

Feito realmente digno de registro. Dava para fazer um filme. Ver fotos no livro "Dos Bondes ao Hippie Drive In".
Parabéns.

Fred Rossiter Pinheiro.

Unknown disse...

Linda história!