Imagem: Autor Desconhecido
Danilo Clementino, o desconhecido brasileiro que superou Drogba e a
malária cerebral
Goleiro é ídolo na África, onde teve sua grande glória e contraiu a
doença que quase lhe tirou a vida
Guilherme Padin, de São Paulo, para o El País.
"Toda desvantagem tem sua vantagem."
A frase de Johan Cruyff, um
revolucionário do futebol, diz muito sobre a vida e o esporte.
Foi assim que Danilo Clementino
venceu todos os obstáculos que estiveram à sua frente.
O goleiro, que até o último
domingo esteve no Auto Esporte Clube-PB, superou infância e adolescência
difíceis, um pênalti cobrado pelo astro internacional Didier Drogba, e a
malária cerebral, doença que, por pouco, não lhe causou a morte.
Perdeu amigos no futebol, esporte
que o fez conquistar a vida que sonhou, e ainda dar à família o conforto que
não pôde ter enquanto jovem.
Caruaruense de nascimento,
trabalhou dos 11 aos 15 anos como ajudante de pedreiro e feirante, função que
dividia com a mãe em São Caetano (PE), onde viveram desde que veio ao mundo.
Fez as vezes de seu pai, ausente,
e ajudou a cuidar dos três irmãos mais novos, "aceitando todo trabalho que
viesse e sempre com muito ânimo", como contou ao EL PAÍS.
Não precisou mais da maçante
rotina após um mês de testes no Sport de Recife - aos 15 -, clube pelo qual
atuou até 2005.
Próximo do fim de sua passagem
pelo Leão, recebeu uma proposta para defender a seleção de Guiné Equatorial,
que buscava sul-americanos dispostos a se naturalizarem.
"Eles gostavam do nosso futebol e a língua também facilitava [se
fala espanhol, principal idioma, e português no país], então procuravam pelo
Brasil e países vizinhos", explicou.
A chance de jogar fora do país e
ter estabilidade financeira foi prontamente agarrada pelo goleiro, que na
seleção africana atuou por quase uma década, de 2005 a 2013.
E foi nesse período que viveu
suas maiores glórias e dificuldades.
Em 2012, a Guiné Equatorial
disputou sua primeira Copa Africana de Nações, tida como uma Copa do Mundo para
muitos países do continente, que nunca disputaram um Mundial.
"Como éramos um país sede e o grupo era difícil, nos pediram
apenas para honrar a camisa da seleção... E fizemos história", conta
Danilo, à época, já consolidado como principal nome da equipe embaixo das
balizas.
Num grupo complicado, jogar bem
contra seleções maiores - Senegal, Líbia e Zâmbia - já seria, para eles, um
grande triunfo.
Surpreenderam: vitórias contra os
favoritos líbios (1 a 0) e senegaleses (2 a 1), e, portanto, classificação à fase
seguinte.
Encarariam, nas quartas de final,
a Costa do Marfim, talvez a mais poderosa equipe africana das duas últimas
décadas, que contava com astros do calibre de Yaya Touré e Didier Drogba.
Ainda com o 0 a 0 no placar, um
pênalti a favor dos marfinenses mudaria a vida do goleiro de infância
complicada no interior de Pernambuco.
Ídolo do Chelsea e autor do gol
do título da equipe londrina na Champions League de 2012 - o único da história
dos blues -, Drogba bateu como se dita a regra: com força e no canto.
O goleiro brasileiro, porém, voou
em direção à bola e parou o craque mundialmente conhecido.
Não conseguiu evitar a derrota
por 3 a 0 e a eliminação, mas, após a histórica e inédita chegada às quartas e
a defesa do pênalti, o resultado não diminuiu a idolatria do povo com Danilo.
"Não me conhecem tanto aqui no Brasil. Mas, lá na Guiné
[Equatorial], muitos me pedem autógrafos e fotografias. Aquela defesa me marcou
muito", relata ele, com orgulho.
Malária cerebral, coma e superação
Em junho de 2013, após uma das
tantas idas à África, durante a disputa das Eliminatórias africanas para a Copa
do Mundo de 2014, Danilo voltou ao Brasil sentindo-se mal.
Foi ao hospital e, por engano,
foi diagnosticado com dengue, já que os sintomas eram semelhantes aos da malária,
enfermidade que realmente o afetara.
Após dois dias passando muito
mal, o goleiro precisou ser internado, e um rápido exame detectou o erro dos
médicos.
Ele havia contraído malária
cerebral, a variação mais danosa da doença.
Dos 22 dias internado, os 11
primeiros foram em coma, num período no qual o pernambucano perdeu 25 quilos.
"Me deram pouquíssimas chances de vida, e ainda disseram que, se
eu me recuperasse, não voltaria a jogar, pois minha mão direita estava
debilitada", contou Danilo.
Enganaram-se novamente os
médicos, talvez por não saberem que a superação era parte presente de toda vida
do experiente atleta: bastou-lhe pouco mais de um mês para recuperar o peso,
avançar os trabalhos na fisioterapia e voltar a treinar novamente com bola.
Uma vitória que nenhuma partida
de futebol ou título poderia superar.
Claudiney Rincon e Dio dos
Santos, brasileiros que também atuavam por Guiné Equatorial, passaram por
problemas parecidos ao voltarem daquela viagem:
"Dio teve só uma complicação no fígado e logo ficou bem. Mas,
infelizmente, perdi meu grande amigo Claudiney. Demoraram para diagnosticar a
malária, e, quando descobriram, era tarde demais", explica o arqueiro,
que, embora se expresse com facilidade, conta sobre a perda com embargo em sua
voz.
Recentemente, outra morte o
abalou:
Cléber Santana, capitão da
Chapecoense na temporada de 2016 e presente no desastre aéreo que vitimou 71
pessoas, era amigo de juventude de Danilo, já que atuaram juntos na base do
Sport, e ainda subiram ao time profissional na mesma época, por escolha do
técnico Levir Culpi e sua equipe, que viram potencial nos dois jogadores.
"A notícia [da tragédia] foi muito
triste. Não podemos controlar essas coisas. Mas a amizade fica para
sempre", diz ele.
Durante o período em coma, Clementino
defendia o Alecrim, do Rio Grande do Norte, onde ficou até 2015, para ir para o
conterrâneo Globo-RN.
Ainda atuou pelo Paraíba Esporte
Clube antes de ir para seu último time, o Auto Esporte.
O contrato era válido até o fim
do Campeonato Paraibano.
Findada a primeira fase do
torneio, no último domingo (16), foram definidas as quatro equipes
classificadas para as semifinais, e em quinto lugar estava o Auto Esporte, com
apenas dois pontos a menos que o Atlético-PB, o quarto colocado.
Assim sendo, a partir desta
semana, e por conta de dois pontos, o goleiro está sem clube.
Casado, pai de duas filhas e com
os mais distintos desafios superados ao longo de seus 35 anos, Danilo encara o
fato de estar sem contrato com a simplicidade de quem já superou pressões e
barreiras muito maiores.
"Ainda nem vi isso [procurar pelo próximo clube]. Logo começo a
fazer os contatos", afirma o goleiro, que garante que continuará
jogando enquanto seu corpo permitir.