Imagem: Palmeiras Campeão da Taça Brasil de 1960
Fato ou fax?
Palmeiras, Deca ou Hexa?
A pergunta que não cala?
Por: Pedro Brandão
Com a vitória por 1 a 0 sobre o
Vasco da Gama em São Januário na penúltima rodada do campeonato, o Palmeiras
conquistou o título do Campeonato Brasileiro de 2018 de forma inconteste e
reavivou uma polêmica que tomou conta da resenha popular nos últimos dias:
Palmeiras, Deca ou Hexa campeão brasileiro?
É preciso entender alguns pontos
para compreender a base dessa polêmica.
O primeiro e mais importante é a
unificação de títulos promovida pela CBF em 2010, quando, além dos Campeonatos
Brasileiros desde 1971, foram considerados como campeonatos nacionais os
campeonatos Roberto Gomes Pedrosa e a Taça Brasil entre 1959 e 1970.
O contexto político ajudou a
concretizar o antigo desejo de João Havelange, ex-presidente da CBD e FIFA.
Ricardo Teixeira, já em final de
mandato na CBF e apadrinhado político de Havelange, cedeu aos pedidos de seu
ex-sogro que sempre quis a unificação dos títulos, não se sabe exatamente por
qual motivo, mas a época com 94 anos, Havelange declarou que “reconhecer
o passado é dar a quem de direito os títulos conquistados”.
Porém os títulos reconhecidos
remontam ao período em que o cartola presidiu a CBD e controlava o futebol
brasileiro.
Santos Futebol Clube e Sociedade
Esportiva Palmeiras foram os clubes que mais aumentaram a sala de troféus.
O Time da Vila adicionou ao seu
hall de conquistas seis taças conquistadas na década de 1960, período de
hegemonia do clube no futebol mundial, quando conquistou: duas Libertadores da
América, dois Mundiais Interclubes além dos já citados seis títulos nacionais,
sendo um pentacampeonato consecutivo entre 1961 e 1965. Bahia, Cruzeiro,
Botafogo e Fluminense tiveram reconhecido como título brasileiro uma taça cada.
O Palmeiras teve quatro títulos
reconhecidos.
Considerado nos anos 1960 o único
clube que conseguia enfrentar o Santos de Pelé em condições de igualdade, o
Verdão passou a ter oito conquistas após a unificação de 2010 e para conseguir
compreender melhor essa história de deca ou hexa vamos relembrar as conquistas:
Taça Brasil — 1960
A Taça Brasil viveu seu segundo
ano de disputa em 1960, o Bahia havia vencido em 1959.
A competição foi criada no ano
anterior para indicar o representante brasileiro na recém-criada Copa Libertadores
da América e contou com 17 campeões estaduais dos 20 estados existentes no
Brasil a época, ou seja, no critério representatividade estadual a Taça Brasil
contava com mais de 80% dos estados da federação.
O Palmeiras se classificou a
competição nacional de 1960 por ter vencido o Campeonato Paulista no ano
anterior, que ficou conhecido como o Supercampeonato de 1959, justamente pelo
equilíbrio entre Santos e Palmeiras que terminaram empatados em pontos
disputaram uma melhor de três partidas para decidir o título que ficou com o
Palmeiras após vitória por 2 a 1 no Pacaembu e decretou o fim do jejum de
títulos do time de Palestra Itália que durava desde 1951.
Como a seleção paulista havia
conquistado o título Brasileiro de Seleções em 1959 e a seleção pernambucana
foi vice-campeã, Palmeiras e Santa Cruz entraram na Taça Brasil apenas na fase
semifinal.
É preciso fazer o adendo que até
1959 não havia campeonato nacional de clubes, mas de seleções estaduais.
Enquanto os pernambucanos perderam para o Fortaleza, os paulistas eliminaram o
Fluminense para disputar a final do torneio.
O primeiro jogo da final
aconteceu em Fortaleza e nem mesmo o estádio Presidente Vargas lotado foi capaz
de parar o forte time palmeirense que venceu por 3 a 1 como visitante.
No jogo de volta, no Pacaembu, o
time do lendário técnico Oswaldo Brandão aplicou uma sonora goleada por 8 a 2
no time cearense, conquistando assim seu primeiro título de nível nacional.
Roberto Gomes Pedrosa — 1967
Visto hoje como o maior argumento
daqueles que discordam da unificação, por ter permitido duas conquistas aos
palmeirenses no mesmo ano, o Torneio Roberto Gomes Pedrosa, ou Robertão como
ficou popularmente conhecido, foi organizado pelas federações paulista e
carioca, com o intuito de ampliar o Torneio Rio — SP.
Para isso convidaram clubes de
Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul, totalizando quinze equipes.
Foi o primeiro campeonato
nacional disputado no formato de pontos corridos em que os times se enfrentaram
em turno único divididos em dois grupos.
O regulamento previa um
quadrangular final entre os dois primeiros colocados de cada grupo.
No grupo A, Corinthians e
Internacional foram os classificados, enquanto que no grupo B, Palmeiras e
Grêmio foram primeiro e segundo colocados respectivamente.
Com o time que ficou conhecido
como a Primeira Academia, o Palmeiras superou grandes times do futebol
brasileiro para conquistar seu segundo título nacional.
A campanha alviverde no Robertão
contou com o melhor ataque, 39 gols em 14 jogos.
Teve também o artilheiro e
destaque do campeonato, César Maluco marcou 15 gols incluindo os dois tentos do
jogo final contra o Grêmio no Pacaembu.
Taça Brasil — 1967
Novamente o Palmeiras entrou na
competição apenas na semifinal, beneficiado pelo fato de ser campeão paulista
do ano anterior.
O acirrado confronto foi contra o
Grêmio e depois de três equilibradas partidas, o time comandado por Mário
Travaglini conquistou a vaga na decisão.
Na final encontrou o pentacampeão
pernambucano, o Náutico que passava pelo momento mais glorioso de sua história.
Em 1966 o Palmeiras havia sido
eliminado nas quartas de final da Taça Brasil pelo Timbu.
A Ilha do Retiro recebeu o
primeiro jogo da decisão e foi o Palmeiras que surpreendeu vencendo por 3 a 0.
Na volta em pleno Pacaembu foi a
vez dos pernambucanos surpreenderem, venceram por 2 a 1 e forçaram o jogo de
desempate.
A partida aconteceu no Maracanã e
o Palmeiras confirmou seu terceiro título nacional vencendo por 2 a 0.
É preciso destacar que foi por
ter vencido a Taça Brasil de 67 que o Palmeiras garantiu a vaga para disputar a
Libertadores da América de 1968 em que foi finalista e acabou derrotado pelo
Estudiantes.
Torneio Roberto Gomes Pedrosa — 1969
O período de transição e
amadurecimento das competições continuava e 1969 trouxe a extinção da Taça
Brasil permanecendo o Roberto Gomes Pedrosa como único torneio nacional durante
dois anos até a criação do Campeonato Nacional de Clubes em 1971.
A transição acontecia também no
Palmeiras, com o final da Primeira Academia e início da Segunda com nomes como
Leão e Luís Pereira que já estavam no clube apesar de muito jovens.
Com essa mescla entre juventude e
experiência o Palmeiras conquistou seu quarto título nacional.
A competição foi disputada por
pontos corridos em turno único dividindo os clubes em dois grupos. Liderado por
César Maluco e Ademir da Guia, o Palmeiras assegurou o primeiro lugar do grupo
para jogar um quadrangular final contra Corinthians, Botafogo e Cruzeiro.
Foi com muita emoção já que
chegou a última rodada precisando vencer seu jogo e torcendo pela derrota do
Corinthians para conquistar o título.
E foi isso que aconteceu,
enquanto vencia o Botafogo por 3 a 1 os torcedores alviverdes ouviam atentos
pelo rádio os lances de Cruzeiro e Corinthians, ao fim do jogo o time Celeste
venceu por 2 a 1 e ficou a um gol de alcançar o Palmeiras que foi campeão pelo
saldo de gols.
Campeonato Nacional de Clubes — 1972
Em 1971 houve a mudança na
nomenclatura da disputa nacional, passou a se chamar Campeonato Nacional de
Clubes e depois foi incorporado ao que conhecemos como Campeonato Brasileiro.
A edição de 1972 contou com 26
equipes distribuídas em quatro grupos em que todos se enfrentavam,
classificando-se os quatro primeiros de cada grupo.
Com facilidade o time do técnico
Oswaldo Brandão avançou à segunda fase, mas se complicou e precisou de uma
combinação de resultados para chegar às semifinais.
Mesmo assim contou com a ótima
campanha da primeira fase para jogar pelo empate nos jogos finais.
Assim passou pelo Internacional
com empate em 1 a 1 e sagrou-se campeão brasileiro pela quinta vez em sua
história depois de empatar em 0 x 0 com o Botafogo.
Campeonato Nacional de Clubes — 1973
O campeonato de 1973 recebeu os
clubes da segunda divisão totalizando 40 clubes no torneio e uma fórmula de
disputa complicada com grupos, turno, returno e fases eliminatórias até chegar
a um quadrangular final entre Palmeiras, Cruzeiro, Internacional e São Paulo.
Com a melhor defesa da história
dos Campeonatos Brasileiros, média de 0,3 por jogo, o Palmeiras conseguia
ótimos resultados como a vitória em pleno Mineirão sobre o Cruzeiro de Nelinho
e Dirceu Lopes, o triunfo no Pacaembu sobre o Internacional de Rubens Minelli,
Falcão e Figueroa e contra o São Paulo de Waldir Perez, Pablo Forlan e Pedro
Rocha, o empate sem gols que garantiu o sexto título brasileiro do Verdão
imortalizando a Segunda Academia.
Campeonato Brasileiro — 1993
Depois de viver tempos áureos nas
décadas de 1950, 60 e 70 a década perdida se abateu sobre as alamedas
alviverdes.
Um jejum de 16 anos rompido em 12
de junho de 1993, no dia da Paixão Palmeirense com a conquista do Campeonato
Paulista.
A parceria de cogestão com a
Parmalat começara render frutos e depois do Paulistão, no final de 93, o
Brasileirão foi parar em mãos palestrinas.
Com um time de feras como Evair,
Edmundo, Zinho, Mazinho, César Sampaio e Roberto Carlos, o Palmeiras enfrentou
o forte Vitória na final.
Na Fonte Nova, o gol de Edilson
garantiu a vitória palmeirense.
No Morumbi, Edmundo e Evair foram
os nomes do gol e fizeram a felicidade da torcida que estava sem soltar o grito
de campeão brasileiro há 20 anos, mas pôde comemorar o sétimo título nacional.
Campeonato Brasileiro — 1994
O título brasileiro de 1994 veio
como a coroação de um super time que venceu tudo que disputou. Mantendo a base
de 93 e reforçado pela chegada de Rivaldo, o Palmeiras conquistou o Brasileirão
justamente sobre o arquirrival Corinthians, vencendo o primeiro jogo por 3 a 1,
com exuberante exibição de Rivaldo e empatando em 1 a 1 a segunda partida em
que o camisa 10 marcou novamente.
A campanha teve números
avassaladores, em 31 jogos, foram 20 vitórias, 6 empates e apenas 5 derrotas.
A entrosada equipe de Vanderlei
Luxemburgo se tornou um letal time que marcou 58 gols, média de 1,9 gols por
partida, e teve a defesa vazada apenas 30 vezes com média inferior a meio gol
por jogo o que ajudou na oitava conquista nacional.
Campeonato Brasileiro — 2016
Foram 22 anos de jejum na
principal competição nacional, um período de vacas magras que se abateu sobre o
time de Palestra Itália.
Até que Alexi Stival, o Cuca,
chegou ao clube no início de 2016 e prometeu ser campeão brasileiro.
Com a segurança de Fernando Prass
no gol e após a lesão do goleiro a surpreendente temporada que fez Jaílson, a
defesa palmeirense era segura com Mina, Vitor Hugo e Edu Dracena, além da
classe de Zé Roberto que do alto de seus 42 anos exibia uma forma física e
técnica exuberante.
Moisés e Cleiton Xavier garantiam
a criatividade no meio-campo enquanto que Tchê Tchê e Jean faziam um
revezamento tático que confundia a marcação adversária.
No ataque Lucas Barrios era a
força nas bolas aéreas, Dudu com habilidade e velocidade enfileirava marcadores
pela ponta esquerda e Gabriel Jesus, a primeira grande revelação da base
alviverde em mais de 30 anos, foi o talento em estado puro.
A campanha que fez o time
alcançar 80 pontos teve 24 vitórias, 8 empates e 6 derrotas.
Foram 62 gols marcados e 32
sofridos.
O título foi confirmado em jogo
marcante por ter sido a última partida dos jogadores da Chapecoense que
acabaram vítimas do desastre aéreo da La Mia.
Uma honra ter contado com os
Guerreiros da Condá na festa do enea.
Campeonato Brasileiro — 2018
O décimo título brasileiro
aconteceu em 2018, ao vencer o Vasco da Gama em São Januário, o Palmeiras
chegou aos dois dígitos em títulos brasileiros, fato raro nas grandes ligas
nacionais pelo mundo.
A campanha começou com Roger
machado no comando técnico, mas o jovem treinador não conseguiu implantar suas
ideias e o time sofreu no primeiro semestre oscilando entre a melhor campanha
da fase de grupos na Libertadores e um frustrante sexto lugar no campeonato
nacional.
A derrota contra o Fluminense foi
o ponto final na passagem de Roger no Palmeiras, rapidamente a diretoria
contratou um velho conhecido: Luís Felipe Scolari, o Felipão.
Taxado como ultrapassado pela
imprensa e parte da torcida e carregando o peso do 7 x 1 na Copa de 2014, o
experiente treinador chegou para arrumar a casa e conseguiu.
Após Felipão assumir o time, o
Palmeiras não perdeu mais no campeonato aumentado a eficiência do ataque que
chegou aos 61 gols em 37 partidas além de fazer da defesa uma fortaleza que ficou
11 jogos consecutivos sem sofrer gols.
Com 22 jogos de invencibilidade e
ostentando números incontestáveis o deca campeonato foi alcançado com uma
rodada de antecedência em uma campanha com 23 vitórias, 10 empates e apenas 4
empates.
Não é fax, é fato, é Decacampeão
Brasileiro
A Taça Brasil foi criada como a
competição nacional que indicaria o representante brasileiro na Libertadores.
Foi disputada por jogadores como
Pelé, Gérson, Rivelino, Pedro Rocha, Tostão, Carlos Alberto Torres, Pablo
Fórlan, Pepe, Garrincha, Jairzinho, Figueroa, Dirceu Lopes, Ademir da Guia
entre tantos craques do futebol brasileiro das décadas de 1960 e 1970.
A representatividade nacional com
relação aos estados do país era muito maior naquela competição do que no atual
Brasileirão.
Eram 16 estados representados
entre 20 estados brasileiros da época, enquanto que atualmente são apenas 9
estados representados na elite do futebol brasileiro.
As torcidas, os clubes e os
jogadores disputavam e torciam como Campeonato Brasileiro.
Os jornais noticiavam como
competição nacional e o peso na época era o de ser campeão brasileiro, afinal
vencer a Taça Brasil levava o time a Libertadores.
O Torneio Roberto Gomes Pedrosa
foi concebido para ser um campeonato mais democrático que não servisse aos
interesses econômicos da CBD que inflava a disputa a cada ano de acordo com
articulações políticas.
Podemos comparar o Robertão com o
que foi feito com o Clube dos 13.
O surgimento do Robertão acabou
por encerrar a Taça Brasil, mas durante dois anos (1967 e 1968) as duas
competições aconteceram na mesma temporada, uma em cada semestre.
Mesmo após a criação da “Era
Moderna” do Campeonato Brasileiro o nome não era esse, mas sim Campeonato
Nacional de Clubes, portanto o argumento daqueles que se apegam a nomenclatura
das competições cai por terra.
Entre 1971 e 1989 a fórmula de
disputa nunca foi repetida em dois anos seguidos, ano após ano acontecia uma
verdadeira bagunça para decidir grupos, modelo de disputa e clubes que poderiam
disputar.
Tanta desorganização resultou no
impasse sobre o campeonato de 1987 em que o Sport foi campeão e o Flamengo
reivindica o título.
Assim o argumento de vencer dois
campeonatos no mesmo ano também perde valor.
Um torcedor emblemático do
Palmeiras costuma dizer que “o Palmeiras venceu dois títulos em 1967 porque só
aconteceram dois campeonatos, se fossem três seria teria vencido os três no
mesmo ano”.
O pedido de unificação dos
títulos anteriores a 1971 partiu e foi baseado em um dossiê feito pelo
historiador Odir Cunha que trabalhou por mais de dois anos pesquisando
arquivos, documentos e ouvindo pessoas que viveram na época como jogadores,
jornalistas e dirigentes.
A aprovação pela CBF pode ter
acontecido pelos motivos errados — podemos discutir a sanidade mental de João Havelange,
o caráter de Ricardo Teixeira, a situação de toma lá, dá cá própria da política
da CBF — mas o fim foi o mais justo: reconhecer que grandes times da história
do futebol mundial como o Cruzeiro de 66, o Santos de Pelé e pentacampeão
consecutivamente, o Palmeiras com sua Academia e o Bahia primeiro campeão
brasileiro, foram campeões em seu país, escreveram com a habilidade de seus pés
a história do futebol mais vencedor do mundo.
Sem a unificação Pelé não seria
considerado campeão brasileiro, uma aberração.
Não foi feito nenhum favor, não
foi por fax, foi por mérito de grandes times, jogadores talentosos e foi com
muito suor, lágrimas e tudo mais que era preciso para ser campeão em tempos
muito mais difíceis que os atuais.
Não se pode olhar o passado com
olhos de hoje.
Portanto se preferir o clubismo
não há problema, mas não se esqueça que dizer que “é hexa” ou “que foi no fax”,
não é apenas piada é desconhecimento histórico, é anacrônico, é cegueira
seletiva para ver apenas o que lhe convém e é, acima de tudo, um grande
desrespeito com quem ama o futebol.
É Deca sim e fim de papo.