terça-feira, setembro 08, 2015

Alemanha... Organizados, metódicos e preocupados com o futuro de seus jogadores...

Alemanha tem sucesso por planejar até o insucesso

Por Marcelo Bechler

Para o site Trivela

A relação entre a Volkswagen, a cidade de Wolfsburg e seu time de futebol é indissociável.

Cidade e clube existem e se mantém graças à montadora que foi motivo da fundação do município, em 1938.

Hoje, a empresa investe pesado no clube de futebol que é o atual vice-campeão da Bundesliga e campeão da Copa e Supercopa da Alemanha.

Nos últimos dois anos, foram € 32 milhões gastos para contratar Schürrle, € 12 milhões para ter Kruse e € 35 milhões para tirar Draxler do Schalke.

Valores de gente grande, mas a ideia do clube é que essa fase seja passageira.

Os Lobos vêm que seu crescimento deve seguir a mesma trajetória do futebol alemão como um todo neste século: nas categorias de base.

Poucos clubes trabalham tanto com os jovens como o Wolfsburg.

A estrutura foi criada a partir de 2007. 

O clube adere à metodologia da Bundesliga para formação de atletas habilidosos, com bom controle de bola e rápidos.

Uma rede de olheiros espalhada pelas regiões da Alemanha observa garotos a partir de 10 anos e segue seu desenvolvimento para levá-los ao clube aos 14 anos, a idade mínima permitida.

Os garotos de toda a Alemanha chegam para o centro de treinamento da base da equipe e encontram escola, refeitório e dormitórios.

Para ter certeza que nenhum talento em potencial escapará, o Wolfsburg oferece um plano de carreira que inclui até a possibilidade de o jovem não vingar como jogador, por questões técnicas ou físicas.

Normalmente, o garoto que decide jogar futebol precisa deixar para trás a total dedicação escolar e é dispensado aos 19 anos precisando correr para recuperar o tempo investido em um sonho não concretizado.

Nos Lobos é diferente, sobretudo pela proximidade com uma grande corporação.

A Volkswagen e o clube trabalham em conjunto para oferecer treinamentos, cursos e, posteriormente, um emprego aos garotos que se viram frustrado às portas de um estádio de futebol.

“Sabemos o como é difícil chegar a jogar na Bundesliga e que nem todos vão se desenvolver a esse ponto”, comenta Marc Wilhahn, coordenador da base do Wolfsburg.

“O que queremos aqui é que todos tenham um futuro e, se não puder ser no nosso time, pode ser em uma carreira na fábrica da Volks. ”

Essa possibilidade de plano B dá segurança aos garotos e a seus pais, tornando o Wolfsburg atrativo.

O resultado já apareceu.

Desde que esse projeto foi criado, o clube conquistou dois títulos alemães sub-19 (2011 e 2013) e um vice-campeonato (2008).

Algo que não havia acontecido desde o início da disputa dos torneios de base em 1969.

E essa geração vitoriosa na base começa a aparecer agora na equipe principal, que talvez não tenha de fazer tantas contratações milionárias em um futuro próximo.

São quatro jogadores da base no time que iniciou esta temporada, sendo dois com papeis importantes. Maximilian Arnold, 21 anos, estreou há quatro temporadas no adulto.

Entre idas e vindas do time Sub-19 e B, o meia disputou 27 partidas na última edição do torneio, marcando quatro gols.

No ano passado, fez sua primeira partida pela seleção alemã, em amistoso contra a Polônia antes da Copa do Mundo. Robin Knoche tem trajetória parecida.

Aos 23 anos, foi titular em 25 das 34 rodadas da última Bundesliga.

Na anterior, foi titular 30 vezes.

O zagueiro foi convocado para um amistoso contra a Espanha no ano passado, mas não chegou a entrar em campo.

Outros dois jogadores são apostas para começar a ganhar espaço nesta temporada.

Sebastian Stolze, atacante de 20 anos, vem de duas temporadas pelo Wolfsburg B e pode ganhar mais espaço no time de cima a partir deste ano.

O mesmo espera Moritz Sprenger, zagueiro de 20 anos e que também foi promovido da equipe B.

É um microcosmo do que fez o futebol alemão.

Após a humilhante eliminação na primeira fase da Eurocopa 2004, conquistando apenas dois pontos e um gol em uma chave com Holanda, República Tcheca e Letônia, a Bundesliga e a federação decidiram agir.

Foram criadas “academias de futebol” pelo país, em parceria com clubes ou federações locais.

Os centros de treinamento não costumam ser constituídos de luxo ou equipamento futuristas, mas são extremamente funcionais, organizados e com uma metodologia para seguir.

Além disso, a Bundesliga sub-17 e sub-19 adotam o calendário de jogos igual ao dos profissionais.

Assim, os jovens se mantêm em competição todo o ano.

Marc Wilhahn participou desse projeto.

De acordo com ele, a ação coordenada dos clubes privilegiou a presença de jovens nas equipes, em vez de se fortalecerem apenas com jogadores consagrados de outras ligas.

“Era preciso mudar nossa forma de jogar futebol. As academias permitiram que desenvolvêssemos os jovens dentro do que acreditamos ser importante. Jogo com o controle da bola, muito agressivo e com ofensividade, grama curta para permitir o jogo rápido foram as nossas diretrizes”, explica.

Outro fator importante nesse trabalho é ter maleabilidade para se adaptar à evolução do futebol como um todo.

Após o ciclo vencedor espanhol quando a posse de bola passou a ser motivo de debate mundo afora, o título mundial no Brasil fez os olhos se voltarem para a Alemanha e eles sabem disso.

“Não sabemos como o futebol será jogado daqui a cinco ou dez anos. Não temos como prever, porque existem equipes jogando de formas diferentes por todo o mundo e não sabemos qual irá triunfar. Também fazemos ajustes em como trabalhamos, mesmo com algumas diretrizes principais. ”

Quem também vê o futuro do futebol como algo incerto é Lothar Matthäus.

Capitão da seleção campeã mundial em 1990 e jogador capaz de jogar desde a defesa até o ataque, o ex-camisa 10 alemão vê que pequenas mudanças vão sendo feitas.

“Por um tempo, jogou-se com três zagueiros e dois laterais ofensivos. Depois quando as defesas voltaram a jogar com quatro jogadores, esses laterais viraram pontas, que já não se viam há muito tempo”, exemplifica.

“Detalhes vão sendo adicionados e excluídos e, quando se vê, o jogo já é outro.”

Aí reside um fator discreto e importante do sucesso alemão.

Não basta apenas fazer o que parece ser o correto, é preciso ter capacidade de mudar se outro caminho se mostrar melhor.

Desde o sistema de jogo até a escolha da carreira dos jovens, do clube que pode mudar o método de treinamento ao garoto que sabe que terá uma profissão se não der certo no futebol.

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