Imagem: Companhia das Letras
Tostão, o sábio, dá uma aula de futebol e de vida em novo livro
Blog do Mauricio Stycer
Como hoje é sábado, desligo a
televisão e dou uma dica de leitura para quem gosta de futebol: “Tempos Vividos, Sonhados e Perdidos – Um
olhar sobre o futebol”, de Tostão.
O livro confirma que Tostão é um
sábio no sentido mais amplo do termo.
Conhecedor profundo do futebol,
tem consciência de que as suas dúvidas são tão importantes quanto as certezas.
É sincero nas críticas, não está
preocupado em agradar ninguém, mas não se julga dono da verdade.
Ao falar de si mesmo, adota a
mesma perspectiva.
Sabe que foi um grande em campo,
mas não tão bom quanto outros gênios com quem conviveu ou viu jogar.
Sem falsa modéstia, entende que o
acaso teve um peso fundamental tanto em sua carreira quanto na vida – como
costuma ocorrer com todo mundo.
“Muitas coisas, no futebol e na vida, não enxergamos, mas deduzimos”,
escreve ele.
“Tempos Vividos, Sonhados e Perdidos” fala de Tostão e do futebol
ao longo de 60 anos, divididos em três partes, cada uma compreendendo um
período de cerca de 20 anos.
As primeiras duas décadas são as
que tratam da trajetória do atacante do Cruzeiro, convocado, aos 19 anos, para
a Copa do Mundo de 1966.
O descolamento da retina, em
1969.
O apoio do comunista João
Saldanha (“até hoje não sei se Saldanha gostava mais de meu futebol ou de meu
comportamento”).
O elogio a Zagallo, o
estrategista (“A seleção de 70 foi programada para jogar no estilo do Botafogo”).
E a análise, detalhada, de cada
jogo e cada jogador daquela seleção.
“Foi uma grande seleção, considerada por muitos a melhor de toda a
história, mas não era uma equipe perfeita. A perfeição não existe.”
O segundo período do livro começa
com o segundo descolamento da retina, quando já jogava no Vasco, e a decisão de
encerrar a carreira precocemente, aos 26 anos.
Segue um relato sobre um período
que Tostão costuma falar pouco – o tempo em que Eduardo Gonçalves de Andrade (à
dir. na foto) estudou medicina, se formou, foi professor e trabalhou em um
hospital público.
Sem tirar o futebol de seu radar,
o médico analisa o desempenho da seleção brasileira entre as Copas de 1974 e
90, com especial carinho, naturalmente, pela de 82 – “o operatório Dunga fica com raiva e não compreende como uma seleção
que perdeu pode ser mais elogiada que a de 1994, que venceu. Ele nunca vai
entender”.
A partir de 1994, quando aceita
um convite de Luciano do Valle para integrar a equipe da Band na Copa, Tostão
dá início à terceira fase de sua vida, a de analista esportivo.
Em 97, larga a medicina
definitivamente.
“Descobri que ainda adorava futebol e que ganharia umas vinte vezes
mais do que recebia como professor da Faculdade de Ciências Médicas, em tempo
integral”.
Nesta função, o craque atuou
primeiro em TV (Band, ESPN) e, a partir de 1999, somente em jornais (atualmente
é colunista da “Folha”).
“Sou um colunista que tenta escrever de uma maneira concisa, clara e
direta. Quando jogava, também era conciso”.
Quem acompanhou Tostão nestes
últimos 15 anos já sabe o que ele pensa dos dirigentes, treinadores e jogadores
do futebol brasileiro.
Mas é sempre bom reler suas
análises precisas e pontuais – seja quando observa a breguice do apartamento de
Vanderlei Luxemburgo, a prepotência de Zagallo em 1998 ou a genialidade de
jogadores como Romário e Alex, entre muitos outros.
O próprio jornalismo esportivo é
tema das reflexões de Tostão.
Ele entende, corretamente, que
para ser totalmente independente deve se manter distante do objeto de suas
críticas, no caso, treinadores e jogadores.
Também se espanta com a
velocidade dos tempos atuais, que obriga jornalistas a digitar e olhar mais
para o computador do que para o gramado.
Quem leu o primeiro livro de
Tostão, “Lembranças, Opiniões, Reflexões
sobre Futebol”, publicado em 1997, vai notar que ele retoma várias
histórias já descritas.
Mas isso não torna “Tempos Vividos, Sonhados e Perdidos” (Companhia
das Letras, 198 págs., R$ 39,90) menos importante.
É uma aula de futebol e de vida.
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