Imagem: Tom Jenkins/The Guardian
A façanha do Sutton na FA Cup ofereceu ao mundo imagens do futebol cru,
em sua essência
Por: Leandro Stein para o site Trivela
Gander Green Lane viveu um dia
raro em sua história.
O estádio para 5 mil torcedores
(e apenas 765 lugares sentados, nas acanhadas arquibancadas) recebeu um time da
primeira divisão.
Não é um fato inédito no campo do
sul de Londres: em 1970, o famoso Leeds de Don Revie goleou ali por 6 a 0,
diante de um público recorde de 14 mil pessoas, enquanto o Coventry City foi
surpreendido em 1989, para 8 mil pagantes.
Outros tempos, porém, antes do
advento da Premier League, quando as diferenças financeiras não eram tão
estratosféricas.
Por isso mesmo, foi um tanto
quanto pitoresco ver o Arsenal se esgueirando para entrar em campo.
Em compensação, o Sutton United
teve uma noite gigantesca, ainda que a realidade modesta em seu entorno
dissesse ao contrário.
Grandeza que fez com que o time
da quinta divisão inglesa saísse vitorioso, apesar da derrota por 2 a 0, com
uma atuação bravíssima de seus jogadores semiprofissionais.
Durante as últimas semanas, o
Sutton United se tornou a grande sensação da Copa da Inglaterra.
Não era o único time da National
League a avançar às oitavas de final da competição, é verdade – em feito
inédito de ambos até então.
Havia o Lincoln City, mas com um
passado recente nos níveis profissionais.
Bem diferente dos amarelos, que
sequer passaram perto de tamanha importância.
No máximo, os feitos do Sutton
eram mesmo na FA Cup: a goleada do histórico Leeds e a vitória sobre o Coventry
City.
A façanha de 1989, aliás, marcava
a última vez que um time da non-league (abaixo das divisões profissionais) vencera
um adversário da elite.
Marca só quebrada no sábado, pelo
Lincoln.
O jogo dos colegas de quinta
divisão contra o Burnley, porém, aconteceu em Turf Moor.
Não contou com o choque de
realidade ocorrido em Gander Green Lane.
As estrelas do Arsenal, que desfrutam
semanalmente da privilegiada estrutura do Estádio Emirates, precisaram se
preparar num vestiário que mais parecia de um clube de bairro.
Depois, os jogadores se
espremeram lado a lado com os adversários no corredor que dava acesso ao campo.
Não tinha o glamour da Champions
League, como experimentado pelos Gunners há menos de uma semana.
Mas tinha o gosto cru do futebol
em sua essência, algo que dificilmente vemos em uma transmissão oficial.
As arquibancadas de Gander Green
Lane ocupam um trecho bem pequeno à beira do campo.
Os assentos azuis e vermelhos,
aliás, fazem referência a outro gigante de Londres: o Chelsea, que deu de
presente aos pequeninos.
Enquanto isso, a maior parte dos
torcedores se apertavam em pé ao redor do campo, ávidos para assistir à
história perante os seus olhos.
Entre eles, muitas crianças e
diversas “réplicas” em papel da taça da FA. As imagens aéreas do estádio
mostravam um entorno pacato, bem distante da ocasião que se preparava dentro do
campo.
Já as câmeras presas na estrutura
tremiam, conforme a empolgação dos presentes.
O Sutton United escalou um time
de seres humanos: jogadores de aparência comum, alguns visivelmente fora de
forma – ainda que ninguém alcançasse o nível do goleiro reserva (e preparador
de goleiros Wayne Shaw), de 45 anos e 115 quilos de puro futebol.
Na ocasião, heróis de várias
crianças que entraram em campo para celebrar o momento.
Do outro lado, o Arsenal vinha
com vários rostos conhecidos da TV, agora visíveis a poucos metros de quem se
amontoava ao redor do campo.
Arsène Wenger, no entanto, poupou
boa parte de seus titulares.
Contra um time visivelmente
inferior, com deficiências técnicas claras, o Arsenal pouco se esforçou.
Abriu o placar com Lucas Pérez,
aos 26 minutos de bola rolando, e ampliou no início do segundo tempo, com Theo
Walcott.
Isso, todavia, não tira os
méritos do Sutton United.
O time da quinta divisão jogou
muitíssimo bem, dentro de suas limitações.
Demonstrou organização, se
empenhou ao máximo, se recusou a apenas se fechar na defesa.
Mais importante, nem abriu a
caixa de ferramentas, como geralmente ocorre em duelos de tamanho desnível.
Cometeram apenas cinco faltas em
90 minutos, sem um cartão amarelo sequer.
E mereceram o gol.
Ah, como mereceram.
Ameaçaram a meta de David Ospina
algumas vezes.
Chegaram mesmo a carimbar o
travessão, em bomba de fora da área com Jamie Collins.
Faltou pouco.
Ao apito final, apesar do
desapontamento claro dos jogadores, vários sorrisos do lado de fora.
O papel estava feito, com uma
atuação de luta, digníssima.
Não à toa, o técnico Paul Doswell
ressaltou o orgulho sobre seus comandados, que conquistaram o acesso à quinta
divisão na última temporada e, atualmente, ocupam o modesto 17° lugar na liga.
Enquanto isso, dezenas de
torcedores invadiram o campo.
Não queriam apenas festejar os
seus heróis, mas também buscavam a atenção de seus ídolos.
Abraçavam os craques do Arsenal,
em especial Alexis Sánchez, o mais assediado.
Uma cena que não se repetirá tão
cedo em Gander Green Lane.
Talvez, na próxima década.
Por isso mesmo, nada diminui a
vitória do Sutton United.
Nem mesmo os 2 a 0 do Arsenal.
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