Imagem: Stringer/Reuters/Manipulação: Fernando Amaral
“Temos de colocar a cara mesmo e brigar contra o racismo”
Everton Luiz, do Partizan Belgrado, fala sobre o episódio na Sérvia que
o fez sair chorando do campo e diz que o que o mais o feriu foi a indiferença
dos jogadores rivais
G.P. para o El País
Everton Luiz é mais uma entre
diversas vítimas de racismo no futebol europeu.
No último domingo, no jogo entre
Partizan Belgrado, sua equipe, e Rad Belgrado, o jogador brasileiro se deparou
com a torcida adversária imitando gestos e barulhos de macacos.
Ao fim do jogo, não suportou a
raiva, reagiu às ofensas e chorou. Dias após o ocorrido, ele concedeu
entrevista ao EL PAÍS Brasil e falou sobre o episódio de racismo.
Pergunta: O que exatamente você ouviu durante a partida e em que
momento percebeu que era direcionado a você?
Resposta: Eu comecei a ouvir torcedores fazendo o barulho de um
macaco, além dos gestos. Isso me incomodou. Eu sabia que era para mim pois cada
vez que eu chegava mais perto da arquibancada, os gritos e gestos ficavam ainda
mais intensos.
P. O que você sentiu quando notou os insultos? Te deu sensação de impotência?
R. Claro. Impotência, tristeza, raiva, agonia. São muitos os
sentimentos que eu tive ali no momento. A gente espera, está acostumado, mas
quando acontece, nos deixa bem triste.
P. Você se arrepende de ter reagido da forma que reagiu? Se pudesse
voltar atrás, faria o mesmo?
R. Não me arrependo (de ter mostrado o dedo do meio aos torcedores).
O racismo daquelas pessoas me tirou do sério, e este é um assunto que me tira
do sério. Não falo em voltar atrás. Não consigo nem me imaginar voltando atrás
em um episódio desses. Espero que nunca mais aconteça.
P. Como agiram os seus colegas durante o ocorrido e como está sendo
no clube agora?
R. Do lado do Partizan, foi tudo
muito bom. Meus amigos de clube, comissão, amigos fora, família, enfim. Tenho
recebido apenas apoio.
P. E as reações do Rad? Alguém tentou se desculpar com você ou
ofereceu qualquer tipo de suporte?
R. Infelizmente, foi o que mais me feriu. As reações dos jogadores
deles, que são meus companheiros de trabalho, e não tentaram me defender, ou
coibir aquilo. Não recebi nada até agora.
P. O goleiro Kljajic te abraçou após o jogo, numa imagem marcante.
O que ele te disse naquele momento?
R. Ele ficou tentando me acalmar, me dando apoio, me dando suporte.
Para ser sincero, eu estava tão chateado naquele momento, que pouco ouvi. Foi
difícil ir me acalmando.
P. Você já passou por isso antes, seja na Suíça, México, Sérvia ou
até mesmo no Brasil?
R. Não. Já passei por situações pequenas e até corriqueiras, mas
algum episódio neste nível nunca. Esta foi a primeira vez.
P. Sua família já sofreu com outro caso de racismo fora do Brasil?
R. Aconteceu uma vez aqui na Sérvia. Estávamos [eu, minha mulher e
meus filhos] no mercado, e uma criança colocou a mão no cabelo dela e falou
“eca”. Ela é muito nova, tem apenas quatro anos. Ficou triste, mas a mãe dela
foi acalmando, explicando e passou. Ela ainda não entende a proporção.
P. Você se sente à vontade vivendo na Sérvia? Pretende continuar
atuando neste país depois do ocorrido?
R. Tenho contrato com o clube, sou bem tratado aqui e a torcida
gosta muito de mim. Pretendo permanecer aqui até quando aparecer algo melhor
para mim. Não tenho o que reclamar do clube e de seus torcedores, pelo
contrário.
P. Diversas vezes a torcida do Partizan demonstrou muito carinho
por você. Já recebeu mensagens deles desde então?
R. Eu estou vivendo uma fase ótima aqui. Graças a Deus estou
conseguindo me destacar, jogando bem, sendo um dos melhores da competição. Isso
faz a torcida gostar de mim. Eu recebi, sim, algumas mensagens de apoio. Isso
nos dá força para continuar.
P. A Sérvia já tem um passado com casos de racismo. O que você
pensa sobre a forma como o país combate o racismo e o que espera dessa vez?
R. Eu creio que o racismo seja uma situação bem complicada na
Europa como um todo. Você vê coisas, ouve relatos. Infelizmente, o racismo
ainda é muito grande no mundo todo, até mesmo no Brasil. Creio que temos de
colocar a cara mesmo e brigar contra isso.
P. Depois de dois dias com mais calma, se pudesse mandar um recado,
o que você diria aos torcedores que imitaram macacos para você?
R. Eu diria que Deus nos fez iguais, e enquanto nós plantarmos
ódio, só colheremos ódio. Queremos plantar amor, igualdade, humanidade. É nisso
que eu acredito e são estas as bandeiras que vou sempre buscar representar.
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