Imagem: El País
Um colosso sem rumo e sem alma
Lendário templo do futebol brasileiro, o Maracanã reabre à sombra do
legado que levou sua magia
Por Breiller Pires para o El País
O Flamengo está de volta ao
Maracanã.
Três meses depois de enfrentar o
Santos pelo Campeonato Brasileiro, o rubro-negro reencontra o estádio que ainda
não abriu as portas nesta temporada.
Todos os ingressos foram
vendidos, e a expectativa de público é de quase 70.000 torcedores.
No entanto, o clima de festa em
torno da estreia do clube carioca na Copa Libertadores diante do San Lorenzo
contrasta com o abandono, o encolhimento, a elitização e a falta de
perspectivas do Maracanã, largado à própria sorte menos de três anos após
sediar sua segunda final de Copa do Mundo.
Silêncio e vazio nas
arquibancadas se incorporaram de tal forma à rotina do estádio que o simples
fato de realizar um jogo de futebol virou evento a ser comemorado.
O ostracismo do Maracanã, que já
havia ficado às moscas durante um mês depois das Olimpíadas, representa o
efeito indigesto do legado que os megaeventos esportivos deixaram para o
esporte mais popular do país.
Seu maior templo se tornou uma
arena comum.
Jogar no Maracanã era privilégio
único para jogadores dos clubes cariocas e, principalmente, para os times
visitantes.
Porque só o Maracanã tinha um
campo de dimensões tão avantajadas, a rede “véu da noiva” que se estufava
lentamente quando a bola cruzava a linha do gol ou a geral à beira do gramado
que mais parecia um desfile de carnaval.
Tudo isso foi ignorado pelo
projeto de reforma que custou 1,3 bilhão de reais e ainda descaracterizou a
arquitetura do estádio com a demolição de sua marquise, um patrimônio histórico
do Rio de Janeiro.
A adequação ao "padrão
Fifa" imposto aos estádios que abrigaram a Copa do Mundo transformou o
Maracanã em artigo de luxo dispensável.
A administradora do estádio, que
pertence à construtora Odebrecht, desistiu de tocar o negócio, alegando
prejuízos de quase 200 milhões de reais.
Sem dinheiro, o Governo do Rio
negocia um acordo para repassar a gestão a outro consórcio.
Duas empresas aparecem como
interessadas em herdar a operação: Lagardère e GL Events.
Caso a primeira vença a disputa,
o Maracanã pode ficar de vez sem o Flamengo, clube de maior torcida do Brasil,
que já sinalizou não ter a intenção de negociar suas partidas com uma empresa
que não seja a GL, sua parceira na concorrência.
Diante do cenário de indefinição,
os clubes se movimentaram e passaram a contar com um plano B.
O Flamengo deve
mandar boa parte dos compromissos no estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do
Governador, enquanto o Fluminense avalia a possibilidade de continuar no
modesto Giulite Coutinho.
Já Botafogo e Vasco estão bem
resguardados com Engenhão e São Januário, respectivamente, que comportam o
público da maioria de seus jogos de maneira satisfatória.
Para receber o San Lorenzo no
Maracanã, já que o Luso-Brasileiro ainda está em reforma, o Flamengo teve de
investir cerca de 2 milhões de reais em reparos e ajustes básicos
negligenciados pelo imbróglio entre Governo do Rio, Comitê Rio-2016 e Odebrecht.
Parte do dinheiro foi destinado
para quitar contas de luz atrasadas do estádio, que ficou bastante deteriorado
no período de indigência.
A conta, obviamente, acaba
pesando no bolso do torcedor.
O ingresso mais barato para o
rubro-negro que não tem condições de pagar o programa de sócio-torcedor do
clube custou 120 reais.
Um lugar nos modernos e
excludentes camarotes não sai por menos de 400.
O processo de elitização, cabe
ressaltar, não é exclusividade do Flamengo ou do Maracanã.
Preços inflacionados afetam
diretamente a cultura das arquibancadas pelo país e contribuem para o
acirramento da violência entre torcedores excluídos do espetáculo.
Não bastasse o descaso com o
Maracanã, o Rio de Janeiro ainda estuda a possibilidade de copiar a medida
adotada em São Paulo e instituir torcida única nos clássicos entre clubes
grandes, em resposta à morte de um torcedor do Botafogo antes do jogo contra o
Flamengo pelo campeonato estadual.
Algo inimaginável em um estádio
construído com capacidade de sobra para acolher a festa de duas torcidas em
igual número.
Duas torcidas que por vezes se
misturavam na algazarra democrática da antiga geral.
Rubro-negros que imortalizaram o
grito de “O Maraca é nosso!” voltarão a encher a arquibancada em noite de
estreia na Libertadores, mas o reencontro vai ser bem diferente dos tempos de
glória.
O Maracanã já não é mais da
torcida do Flamengo, do Botafogo, do Fluminense nem do Vasco.
O antigo Maracanã, sim, pertencia
ao povo.
O novo Maracanã é terra de
ninguém. Décadas atrás, o locutor Oduvaldo Cozzi sentenciou que no Maracanã
está a “alma do futebol”.
Mas Copa e Olimpíadas conseguiram
a proeza de usurpar sua essência, a singularidade que transcendia as estruturas
do gigante de concreto.
Resta o futuro nebuloso pela
frente, que nem mesmo um retorno triunfal do Flamengo será capaz de aplacar.
Aquele que um dia foi o maior
estádio do mundo pode ter como destino o inimaginável e humilhante atestado de
elefante branco.
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