Imagem: Ricardo Stuckert - Divulgação
O legado da Copa sonegado pela CBF
Há quatro anos, a entidade máxima do futebol brasileiro se comprometeu
a proteger crianças e adolescentes.
Não cumpriu.
Mas há quem a descreva como “um exemplo de gestão para o mundo”
Por Breiller Pires para o El País
O relógio na sede da CBF, no Rio
de Janeiro, marcava 12h40.
Há exatos quatro anos, os dois
últimos mandachuvas do futebol brasileiro assinavam um pacto com o Congresso
Nacional comprometendo-se a adotar medidas para combater o abuso sexual, o
trabalho infantil e o tráfico de crianças nas categorias de base.
Hoje, às vésperas de outra Copa
do Mundo, José Maria Marin está preso e condenado por formação de quadrilha,
suborno e lavagem de dinheiro.
Marco Polo Del Nero, seu
sucessor, banido pela FIFA.
E a CBF ainda não cumpriu a
promessa de proteger milhares de jovens atletas que pelejam com a bola nos pés.
Pelo acordo assinado em 2014, a
entidade máxima do futebol nacional deveria implementar 10 ações a fim de
evitar violações dos direitos de crianças e adolescentes em clubes e
escolinhas.
No entanto, no ano passado, o
Congresso constatou que apenas duas medidas haviam saído parcialmente do papel.
O acordo foi fechado após
desdobramentos da CPI da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que
apurou dezenas de casos de abuso relacionados ao futebol cometidos por
treinadores, olheiros, empresários e dirigentes.
A ideia era aproveitar a ocasião
da Copa em solo nacional para deixar um legado em favor de meninos e meninas
que praticam o esporte mais popular do país.
Legado que virou descaso.
Inicialmente, a CBF ignorou o
chamado da Câmara dos Deputados para prestar contas sobre o pacto em setembro
de 2017, mas, no último dia 15 de maio, o secretário-geral da confederação,
Walter Feldman, respondeu aos questionamentos dos parlamentares em audiência
pública promovida pela Comissão do Esporte.
Ele reconheceu que a situação das
categorias de base no Brasil é “dramática” e que sua entidade pouco fez para
combater abusos e violações de crianças no futebol.
Entretanto, criticou o acordo
assinado em 2014, qualificando-o como “um ato político, proselitista e de
impossível execução”.
Deixou explícito que o trato não
foi cumprido devido aos escândalos de corrupção que levaram ao indiciamento dos
três últimos presidentes eleitos da CBF.
Apesar da justificativa
constrangedora, a maioria dos deputados presentes na audiência se eximiu de
cobrar a confederação.
Pelo contrário.
Alguns congressistas, integrantes
da famigerada “bancada da bola”, fizeram questão defenderam um “voto de
confiança” à entidade, como Vicente Cândido – que acumula as funções de
deputado federal pelo PT com o cargo de diretor de assuntos internacionais na
CBF.
A única que não engoliu as
desculpas de Feldman foi a deputada Erika Kokay, também do PT, que presidiu a
CPI da Exploração Sexual.
Ela indagou o secretário: “Quer
dizer, então, que a CBF assinou um pacto que não pode cumprir? A instituição
que o senhor representa queria enganar o parlamento?”.
Na época da assinatura do pacto,
estavam sentados à mesa o então presidente da confederação, José Maria Marin,
seu vice Marco Polo Del Nero e a ex-deputada Liliam Sá, do Democratas, que era
relatora da CPI.
Ela rasgou elogios a Marin, que,
no fim daquele ano, passaria o bastão da presidência a Del Nero.
“O senhor está deixando um grande
legado na sua administração. Isso é muito importante. Eu sei que o Dr. Marco
Polo vai fazer também um excelente trabalho. Já vai pegar a casa pronta, não é,
doutor?”, declamou Liliam Sá.
Coincidência ou não, dois anos
antes, a convite de Marin, ela havia sido chefe da delegação feminina de
futebol na Olimpíada de Londres.
Esse é o modus operandi da CBF.
Distribuindo cargos, mimos e
agrados a políticos e empresários, a confederação defraudada por negociatas
ilícitas constrói uma poderosa rede de poder que blinda seus cartolas de
responder pelos atos da instituição.
Ao debochar do pacto firmado por
Marin e Del Nero, sugerindo que parlamentares perseguem e adotam discurso de
“culpabilização da CBF”, o secretário Feldman copia uma estratégia comumente
utilizada pelos patrões: a terceirização de responsabilidades.
Foi assim que Del Nero não
hesitou em atribuir a culpa pelo 7 a 1 a Felipão e Parreira depois do fiasco na
última Copa.
Foi assim que Ricardo Teixeira,
antes de ser indiciado pelo FBI, culpou o mau humor dos jornalistas pelo atraso
do futebol brasileiro.
Feldman prometeu reformular as
medidas propostas pelo Congresso, disse que o combate ao abuso sexual nas
categorias de base é um “compromisso consistente da CBF” – imagine se não fosse
– e jurou que os clubes que não respeitarem integralmente os direitos básicos
de crianças e adolescentes atletas serão impedidos de disputar competições
oficiais.
Qual é a garantia de que uma
confederação que não honrou obrigações assumidas por dirigentes corruptos, mas
que agora se vende como instituição moderna afeita à governança corporativa e
ao compliance, irá, enfim, colocar o discurso em prática?
O secretário Feldman se recusou a
estabelecer prazos para cumprir as promessas.
Porém, não ruborizou ao cravar
categoricamente que “a CBF é um exemplo de gestão para o mundo”.
Por enquanto, sob o afã de que
uma boa campanha na Copa da Rússia sirva de cortina de fumaça para o descrédito
popular que a acompanha nos últimos anos, a CBF é só um exemplo de como
escândalos de corrupção dilapidaram ainda mais nosso futebol.
Por causa dos dirigentes
corruptos que fizeram carreira na confederação, a FIFA bloqueou um fundo de
legado da Copa superior a 300 milhões de reais.
Fundo este que, entre outros
projetos, deveria ter bancado medidas de proteção para que jovens atletas não
tivessem seus sonhos arruinados por violências tão cruéis como o abuso sexual.
Nesses quatro anos entre uma Copa
e outra, entre a assinatura e o descumprimento do pacto, foram registrados 79
casos de abuso contra crianças e adolescentes no futebol brasileiro.
Diante do cenário dramático, como
admitiu o secretário, a CBF responde com passividade, ironias e mais promessas.
O legado da Copa, pelo menos para
os futuros jogadores do Brasil, foi um mero acordo de fachada, que, segundo a
confederação, não deveria nem ter existido porque seus cartolas, pobrezinhos,
eram corruptos demais para cumpri-lo.
Um comentário:
Um pacto assinado entre a CBF e o Congresso Nacional tem algo de sério?
ADAIL PIRES
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