Imagem: Autor Desconhecido
13 coisas que você talvez não saiba sobre o Superclássico River-Boca
Os dois times arqui-inimigos se deparam pela 1ª vez na final da Copa
Libertadores
Ariel Palacios para a revista Época
1 - A Marlene e a Emilinha Borba do futebol argentino (ou mundial)
A somatória das torcidas do Boca
Juniors (43% segundo pesquisas) e a do River Plate (32%) aglutinaria 75% da
torcida total da Argentina.
Não existem paralelos no mundo
(exceto no Uruguai, entre o Peñarol e o Nacional de Montevidéu, que reúnem 95%
da torcida desse país) de uma tão elevada concentração de rivalidades
futebolísticas de dois times com mais de um século de confrontos e com duas
torcidas tão enfáticas sobre esta inimizade mútua.
Outro diferencial é que estão na
mesma cidade, Buenos Aires, ao contrário de outros rivais clássicos mundiais,
como o Real Madri e o Barcelona, com 115 anos de rivalidade, em cidades
diferentes, nas quais os torcedores inimigos possuem pouco contato cotidiano.
Ou o Milan versus o Juventus ou o
embate Bayern versus Dortmund.
Além das estatísticas, existe o
lado folclórico desta rivalidade, equivalente, mutatis mutandis, às
protagonizadas entre Marlene e Emilinha Borba, Michelangelo e Leonardo Da Vinci
ou os generais Rommel e Montgomey.
Mas, neste caso, são rivais em
uma situação de desatado frenesi, já que disputam um campeonato internacional.
É a primeira vez que uma
Libertadores coloca o River contra o Boca em uma final.
Para o River, o Boca é uma
espécie de Nêmesis, um Voldemort, um dr. Moriarty.
E vice-versa.
2 - Clássicos, Superclássico e o mega-clássico (com fervor e misteriosa
lealdade)
Anos atrás o semanário inglês
"The Observer" fez uma lista de 50 coisas da área esportiva que uma
pessoa deveria fazer antes de morrer.
E o 1ª item da lista era "Ver um jogo Boca-River". O
jornal "The Sun" também colocou esse embate como "a experiência esportiva mais intensa do mundo".
E a revista britânica Four Four
Two o catalogou como "o maior
clássico do mundo".
Mas os próprios argentinos não o
chamam de "clássico".
Eles consideram que existem clássicos
no futebol local, como o Racing x Independiente, San Lorenzo x Huracan, Vélez x
Ferro, Estudiantes x Gimnasia e o Rosario x Newell’s.
Mas esses são
"clássicos".
O confronto River-Boca é o
"Superclássico".
É uma rivalidade que acumula mais
de 100 anos de existência, com saldo superavitário para o Boca.
No entanto, este confronto pela
Libertadores não está sequer sendo chamado de "Superclássico".
Os argentinos turbinaram o
assunto e se referem a ele como o "mega-clássico".
O escritor argentino Jorge Luis
Borges tinha uma definição sobre os clássicos na Literatura, mas que aplica-se
a todos os clássicos de forma geral:
"Um clássico não possui necessariamente estes ou aqueles
méritos...é um livro que as gerações dos homens, levadas por diversas razões,
leem com prévio fervor e com misteriosa lealdade..."
3 - Mais frisson do que pela Copa do mundo
Os embates River—Boca, ao
concentrar a atenção de 3 de cada 4 argentinos, costumam superar em audiência
os jogos da seleção argentina na Copa do Mundo.
Nos últimos dias as notícias,
análises e expectativa sobre a final superaram amplamente qualquer outro
assunto.
A única notícia que conseguiu
desviar o foco futebolístico foi a localização do submarino San Juan, afundado
há mais de um ano nas águas do Atlântico Sul.
Mas, o San Juan foi notícia por
apenas 3 dias.
Logo depois o foco foi
redirecionado ao River-Boca, que está chamando mais a atenção do que a visita
de Donald Trump, Vladimir Putin, além de outros 18 líderes que estarão
presentes no dia 30 para a cúpula do G-20.
4 - Nascidos no mesmo bairro
Os dois times foram fundados em
La Boca, na época o bairro dos genoveses que haviam migrado para a Argentina.
O River foi o resultado da fusão,
em 1901, de dois times, o Santa Rosa e o Rosales.
Quase colocaram o nome de
“Juventude Boquense”, o que poderia ter causado confusões futuras.
Mas, optaram pelo de "River
Plate".
Aliás, as cores do time, vermelho
e branco, são as cores da cidade de Gênova.
Pouco depois da fundação, o River
foi embora de La Boca.
Primeiro para a cidade de
Avellaneda, na zona sul da Grande Buenos Aires.
Depois foram para o bairro
portenho de La Recoleta, instalando seu estádio de madeira onde hoje existe uma
escultura metálica imensa representando uma flor, na avenida Figueroa Alcorta.
E posteriormente mudaram para a
localização atual, em Belgrano.
Já o Boca foi fundado 4 anos após
o River, em 1905.
A definição do nome também gerou
debates. "Filhos de Itália", "Defensor da Boca",
"Estrela da Itália", "Boca Juniors" eram as opções.
Finalmente, cinco rapazes, filhos
de imigrantes italianos de Gênova, escolheram o de Boca Juniors.
No entanto, ainda faltavam as
cores.
A primeira camiseta foi cor de
rosa.
Mas, diante de uma saraivada de
gozações e de uma derrota de 3 a 1 para um time já extinto do bairro de
Almagro, os fundadores decidiram que a cor de rosa, além de ser um visto como
um tanto quanto feminino, era – supostamente - "azarenta".
Para resolver as divergências
cromáticas, o quinteto genovês-argentino decidiu que as cores do Boca Juniors
seriam as mesmas da bandeira do primeiro navio que entrasse no porto.
A nave que chegou minutos depois
ostentava as cores do estandarte sueco: azul e amarelo.
5 - Os primórdios do Superclássico
O River ainda estava em seu
bairro original, La Boca, quando ocorreu o 1º embate bilateral contra o Boca
Juniors.
Mas existem dúvidas se esse jogo
foi em 1908 ou 1912, quando eles estavam respectivamente na 2ª e 3ª divisão.
O primeiro confronto oficial foi
em agosto de 1913.
De lá para cá foram 211 partidas.
6 - Apelidos mútuos que pretendiam ser ofensivos e foram adotados com
orgulho
Um dos apelidos do River é o de
"millonarios" (milionários).
Uma lenda urbana fora da
Argentina sustenta que esse apelido fazia referência ao suposto predomínio de
torcedores ricos do River.
Nada disso.
O apelido vem da contratação, em
1932, de Carlos Peucelle, por 10 mil pesos.
E no mesmo ano o River também
contratou Bernabé Ferreyra por 35 mil pesos, que era uma pequena fortuna na
época, coisa de "milionários".
35 mil pesos naquele ano serviam
para comprar 11 carros da marca alemã Opel de 4 cilindros, 514 ternos de
casimira inglesa ou meia tonelada de trigo ou 70 mil ingressos para ver um jogo
de futebol.
No mesmo ano o clube fez outras 4
contrações caríssimas.
Daí o apelido de
"milionários".
Outro apelido do River é o de
"gallinas", isto é, "galinhas".
Esta denominação veio em 1966,
surgida na final da Copa Libertadores contra o Peñarol, do Uruguai.
O River começou vencendo por 2 a
0, mas ficou com medo da reação dos uruguaios e o time começou a perder terreno
até ser derrotado por 4 a 2.
Por isso, quando dias depois o
River enfrentou o Banfield, um torcedor rival soltou uma galinha branca no
gramado, com uma faixa vermelha em diagonal pintada sobre suas penas.
Mas a ironia durou pouco:
rapidamente os torcedores do River adotaram o apelido e se autodenominam de
"galhinhas".
Já os torcedores do Boca se
definem como "boquenses", mas também como "xeneizes" (pelas
origens genovesas do bairro).
E há a denominação de
"bosteros".
Esta teve origem depreciativa,
lançada décadas atrás pelo rival River Plate, que sugeriu que os torcedores do
Boca não passavam de meros carregadores de bosta de cavalo.
No entanto, os boquense passaram
a ostentar o "bosteros" com orgulho.
7 - Torcedores pobres x torcedores ricos, um clichê sem fundamento há
décadas
Há muitas décadas o perfil do
torcedor do Boca tendia a ser mais proletário e de classe média baixa, enquanto
que o do River tendia a ter apoiadores de classe média e alta.
Essa divisão, no entanto, nunca
foi categórica.
Além disso, as diversas crises
econômicas argentinas (foram 7 graves crises desde 1975) se encarregaram de
alterar qualquer estrutura social existente anteriormente.
Atualmente os dois times têm
proporções equivalentes de torcedores das classes baixa, média e alta.
8 - Problemas cartográficos — o Monumental de Núñez não está em Núñez
O estádio Monumental, do River,
foi erguido em 1938 e só passou por uma reforma quando fez 50 anos, em 1978,
para a Copa do Mundo feita no país.
O estádio, na realidade, chama-se
"Antonio Vespucio Liberti", em homenagem ao presidente do clube que o
construiu.
No entanto, as pessoas usam a
denominação popular de "estádio Monumental de Núnez", em referência
ao bairro de Núñez.
Apesar do nome informal, o
estádio está localizado no bairro de Belgrano, a poucos quarteirões da
fronteira com Núñez.
Coincidentemente, existe um time
chamado "Defensores de Belgrano"... mas que fica no bairro de Núñez!
9 - La Bombonera, a "catedral" do futebol argentino
O estádio de "La
Bombonera" foi inaugurado em 1940 e, embora não seja o maior templo do
futebol da Argentina, é considerada a "catedral" esportiva do país
por excelência, devido à mística que acumula.
O nome oficial do estádio é
"Alberto J. Armando", em homenagem ao diretor do time nos anos 60 e
70. Mas o nome informal do estádio surgiu quando a secretária do arquiteto
esloveno Viktor Sulčič lhe deu de presente para seu aniversário uma caixa de
bombons.
Sulčič ficou impressionado, pois
a caixa tinha o formato exato que desejava para o estádio.
O arquiteto começou, então, a
levar a caixa em todas as reuniões com o engenheiro José Delpini e o geômetra
Raúl Bes, que precisaram quebrar a cabeça para resolver os problemas
estruturais daquele projeto.
No próprio dia da inauguração, as
autoridades do clube, fazendo piada, chamaram o estádio de "La
Bombonera".
Boquenses e não-boquenses
sustentam que La Bombonera “vibra” junto com seus torcedores. Isso ocorre especialmente
quando a torcida grita os cânticos de respaldo ao time.
10 - Valsas & Cânticos
Muitos estrangeiros acreditam que
antigamente só se ouvia tango em Buenos Aires.
Nada disso.
Durante décadas foram também hit
parades os "valsecitos", ou "valsinhas", compostas pelos
próprios tangueiros.
Uma delas era a valsinha
"Desde a alma", música de Rosita Mello e letra de Homero Manzi.
Essa valsa, com frequência é
cantada pela torcida do Boca.
Em um ponto do jogo, em vez de
gritar o tradicional "Dale bó, y dale bóooo" cantam "y dale bo,
dale dale bó" no compasso da valsa, isto é, o 3 por 4.
Tudo começou há 78 anos, quando
era muito popular um programa na rádio chamado "Grande Pensão, o
campeonato", no qual os pensionistas eram a personalização dos clubes de
futebol (cada um com suas características).
A dona da pensão, que
representava a AFA, ostentava o nome de "Dona Associação".
E todos os pensionistas flertavam
com a filha dela, que era a Missa Campeonato.
E, desta forma, o programa
transcorria anarquicamente ao longo do ano, enquanto os jogos aconteciam.
Mas, no final do ano, um deles
casava com a moça.
No ano de estreia o Boca venceu o
campeonato e a torcida organizou uma simulação de casamento no gramado: a noiva
e "Pedrín el fainero"*, que era o clichê do imigrante italiano, de
grandes bigodes, carregando embaixo do braço uma faina (que embora tenha o
formato da pizza é diferente, pois é feita de farinha de grão-de-bico e é um
prato tipicamente genovês, tal como os fundadores do Boca).
O River era "Barnabé o
Millonário", o Racing era "Acadêmico García", enquanto que o
Newells Old Boys, por ironia com seu nome inglês, era "Mister Nhuls".
O programa foi ao ar de 1940 a
1952. Depois, em 1972, virou programa de TV, mas sem o mesmo sucesso.
Atenção, turistas: os hoolingans
do Boca, os barrabravas, reunidos na temida "La Doce", avisam: a
valsa não se aplaude no final!
11 - Cardápio para o mega-clássico
O snack clássico dos jogos é o
" choripán ", sanduíche feito de pão francês e uma linguiça de
grandes dimensões.
O crocante pão com o suculento –
e costumeiramente oleoso – chorizo é a pièce de résistance de todo estádio
argentino.
O torcedor habitué dos jogos
costuma sublimar a ostensiva presença de estafilococos e outros perigos à
longevidade humana contidos nesse snack, como se estivesse blindado à miríade
de bactérias que passeiam nesse ícone alimentício geralmente elaborado em
controvertidas condições de higiene.
Não comer um choripán poderia ser
visto como um sinal de esnobismo ou falta de testosterona.
Os consumidores também sublimam a
adulteração dos ingredientes do “chorizo”, que incluem carne bovina, suína e
eqüina em proporções nunca definidas de forma explícita.
Nem implícita. A única certeza é
que se trata de proteína animal.
O choripán é onipresente nos
estádios, já que ele vai mais além de suas fronteiras físicas da crosta do pão
francês: seu cheiro paira sobre todo o campo de futebol, além de impregnar a
roupa dos presentes por intermédio da fumaça e de manchas.
E também, está presente como
ondas sonoras, por intermédio dos gritos dos vendedores, que anunciam seu
produto em elevados decibéis.
Embora o "chorizo" e a
salsicha sejam diferentes, possuem um parentesco próximo.
Nos últimos tempos surgiu uma
variedade cada vez mais popular nos estádios: o "morcipán", que em
vez da linguiça utiliza a " morcilla " (morcela, uma espécie de
linguiça feita com sangue).
Outro caso de sucesso entre os
torcedores é o “Paty”, denominação de uma marca que se tornou sinônimo de
hambúrgueres de baixo custo na Argentina.
Nas barraquinhas montadas nas
proximidades dos lugares de jogos os comerciantes vendem patys feitos de forma
doméstica com algo que tem sabor de carne... e que possivelmente provém de
algum mamífero.
12 - Simpatias e superstições dos torcedores
Os torcedores do time derrotado
sofrerão ironias, zoeiras e ácidos comentários pela Eternidade...ou até que a
conjunção de astros permita que novamente os dois times possam se enfrentar em
uma final de Libertadores.
Por esse motivo, vastos setores
das duas torcidas estão se aferrando a todo tipo de apelo ao sobrenatural para
implorar pela vitória de seu clube.
Estas são algumas delas:
— Modalidade Religiosa: Fazer
promessas a deuses, santos e virgens.
— Vestimenta: Colocar sempre a
mesma camiseta do River ou Boca (ou qualquer outra camiseta...em alguns casos,
até sem lavá-la, para não diluir seus ‘poderes mágicos’).
— Alimentícia: Ingerir o mesmo
cardápio que “deu sorte” em outras ocasiões. Raviólis, nhoques, churrasco, etc.
— Localização: Assistir os jogos
sentado no mesmo ambiente da casa do jogo anterior, mesmo sofá ou cadeira.
Em alguns casos os torcedores
assistem o jogo de costas à TV, somente ouvindo o relato dos locutores.
Em outros, a família dos
torcedores deve se sentar de forma estritamente ordenada no sofá, seguindo com
ortodoxia uma sequência.
Por exemplo: da direita à
esquerda de acordo com as idades.
— Todas as opções acima,
misturadas: rezar à Virgem, colocar a mesma fedorenta camiseta de jogos
prévios, sentar de costas pra TV na sala da mesma casa e comer os raviólis de
ricota com molho de tomate...com um número específico de colheradas de queijo
ralado!
13 – Para quem o autor desta lista estará torcendo?
Muitas pessoas, pelas redes
sociais, me fazem esta pergunta há semanas:
"Ei, você torce para o River
ou para o Boca?".
Resposta: Nenhum dos dois.
Nem qualquer outro time da
Argentina, país onde moro desde 1995.
Eu sou brasileiro e torço para o
Londrina Esporte Clube, a.k.a. "Tubarão".
Me criei em Londrina, Paraná.
Logo, logicamente, torço para o Londrina.
Não torço por nenhum outro time
no resto do Brasil nem no resto do planeta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário