quarta-feira, abril 10, 2019

A estetização do futebol europeu no jogador brasileiro... Mesmo com o crescente fortalecimento financeiro dos clubes brasileiros, a venda de jovens talentos ainda é uma dura realidade que enfraquece o futebol nacional.

Imagem: Jan Kruger/Getty Images

A estetização do futebol europeu no jogador brasileiro

Mesmo com o crescente fortalecimento financeiro dos clubes brasileiros, a venda de jovens talentos ainda é uma dura realidade que enfraquece o futebol nacional.

Se em outros tempos a necessidade era financeira para clubes e atletas, hoje passa pela vontade dos jogadores em viverem o ‘sonho europeu’.

Por Pedro Henrique Brandão Lopes/Universidade do Esporte

Na última semana a CBF anunciou um considerável aumento na premiação do Campeonato Brasileiro que passará a render o dobro dos valores de anos anteriores aos campeões e os melhores colocados.

A medida segue uma tendência dos últimos anos que tem valorizado os campeonatos nacionais.

Em 2018, a Copa do Brasil passou a ser a competição mais rentável da América, proporcionando uma premiação ao campeão superior aos 70 milhões de reais, isso desconsiderando os direitos de TV repassados fase a fase aos clubes.

Definitivamente o futebol brasileiro entrou no radar dos grandes patrocinadores que, ano após ano, investem cifras cada vez maiores para comprar os naming rights de campeonatos e arenas, para estampar suas marcas nas camisas dos clubes e associá-las a qualquer produto que envolva o futebol como pacotes de TV a cabo e fantasy games.

Seguindo a tendência, os clubes que estão na elite do futebol brasileiro dispõem de orçamentos milionários e aumentam cada ano mais suas folhas salariais pagando ordenados de padrão europeu a seus atletas.

O estrago produzido por anos de amadorismo na gestão do futebol nacional (não que hoje tenhamos gestores profissionais, mas melhoramos muito em relação aos anos 1970/80 e 90 quando o êxodo de jogadores esvaziou tecnicamente nosso campeonato) criou a estética de carreira perfeita no imaginário do jogador brasileiro.

Ao surgir um jovem talento atualmente, é quase que inevitável a ida deste à Europa.

Mesmo que seja para um time do leste europeu ou um clube sem tradição dos grandes centros.

A questão é de tempo, normalmente de duas ou menos temporadas no clube revelador.

Mas se os clubes equilibraram os cofres e conseguem fazer investimentos milionários como Vitinho no Flamengo (43 milhões), Borja no Palmeiras (33 milhões), Lucas Pratto no São Paulo (33 milhões), só para citar alguns nomes de grandes investimentos recentes, e se esses atletas são muito bem remunerados com salários na casa do milhão mensal, vide Diego Ribas, Pato, Lucas Lima, Rodriguinho e muitos outros.

Por que ainda existe a venda precoce para a Europa?

Os clubes podem até não conseguir competir com os bilhões chineses ou os petrodólares árabes, mas não é uma venda trivial que vai fechar o caixa no azul ao final da temporada.

O Flamengo vendeu Lucas Paquetá ao Milan, no ano passado, por mais de 100 milhões de reais, porém fechou com faturamento de 650 milhões em 2018, para um superávit de 145 milhões, ou seja, se mantivesse a joia da Ilha de Paquetá, ainda assim teria fechado o ano com lucro de 45 milhões de reais, um ótimo número.

Se em outros tempos o jogador não fosse tentar a vida nos clubes europeus para receber em Euros, corria o risco de após encerrar a carreira baixar seu padrão econômico e até passar por dificuldades financeiras, hoje qualquer jogador médio pode tranquilamente receber cerca de 500 mil reais por mês e ser ídolo de um grande clube brasileiro mesmo sendo um craque.

Dudu é o caso mais evidente no Brasil. Mesmo sendo um jogador normal, hoje tem vencimentos acima do meio milhão de reais por mês e com 3 títulos importantes pelo clube, já é considerado ídolo inconteste da torcida palmeirense.

Cássio, Gabigol, Fred, Luan, Victor, Gum, Jefferson, enfim, são outros exemplos de jogadores que passaram a maior parte de suas carreiras no Brasil ganhando muito bem financeiramente e idolatrados pelos torcedores.

Mesmo assim todo jovem que surge no cenário nacional e consegue destaque quer se transferir à Europa por conta do glamour de jogar em qualquer time do velho continente.

É claro que taticamente a Europa ultrapassou a América há anos, mesmo assim, jogar em um time grande do Brasil, ganhando um salário que garantirá a tranquilidade econômica das futuras gerações e com a possibilidade de se tornar ídolo de um clube centenário marcando seu nome na história daquela instituição, parece ser muito mais atrativo do que arrumar uma transferência qualquer para um Shakhtar, CSKA, qualquer time que não sejam os grandes de Inglaterra, Itália, Espanha e Alemanha ou escolher a China e o Mundo Árabe.

Quase sempre essas transferências se mostram um grande erro estratégico de carreira, um verdadeiro tiro no pé.

E esses jogadores logo voltam para o Brasil para jogarem no primeiro clube desesperado que para fugir de uma crise anuncia o novo reforço a peso de ouro.

Até firmar contrato com um gigante europeu para ser reserva é menos interessante do que ficar no Brasil.

Gabriel Jesus é exemplo disso.

Em 2016, depois de fazer uma temporada extremamente vencedora no Palmeiras, foi vendido por 130 milhões de reais ao Manchester City.

De acordo com o próprio jogador, a escolha foi feita por conta do telefonema direto de Pep Guardiola que insistiu para que o atacante escolhesse a proposta dos ingleses ao invés de optar por Real Madrid ou Barcelona que também enviaram propostas.

Na época com apenas 19 anos, Gabriel Jesus já era ídolo palmeirense e tinha até cântico especial da torcida.

Escolheu se aventurar na Europa e hoje amarga o banco de reservas do Manchester City, por opção do mesmo Guardiola que o convenceu a trocar o Verdão pelo Manchester.

Hoje poderia ser um dos maiores ídolos de todos os tempos do Palmeiras e seguindo sua média de gols, estaria entre os maiores goleadores do clube.

É possível notar nestes casos que não havia a necessidade do clube em vender, a diferença salarial também não justifica a vontade do jogador, portanto apenas o imaginário comum aos boleiros é capaz de explicar tantas transferências.

A estética do futebol europeu está arraigada nos jogadores brasileiros de tal maneira que o sucesso na carreira depende dessa transferência.

Lucas Lima é hoje o retrato desse fracasso imaginado que se torna real.

O meia surgiu tarde, aos 24 anos fez ótima temporada no Santos, portanto claramente um jogador para fazer carreira no Brasil pelo surgimento tardio (Leandro Damião é outro nesta categoria).

Lucas Lima não se contentou com a desinteresse do mercado europeu e acho que o problema fosse a ‘vitrine’.

Orientado por Neymar Pai, seu agente, forçou uma transferência ao Palmeiras com o intuito de conseguir a necessária visibilidade para chegar à Europa.

Porém, aos 28 anos, o jogador não tem mercado sequer no leste europeu e dependeria de uma temporada sensacional para conseguir um contrato na China.

Nem uma coisa, nem outra. Jogando mal, mesmo com salário de 800 mil reais ao mês, Lucas Lima é reserva do badalado elenco alviverde e não figura entre os destaques do futebol brasileiro a pelo menos 2 temporadas.

A estetização do futebol europeu no jogador brasileiro está contribuindo, entre outros fatores, para a queda do nível técnico do futebol brasileiro, a debandada de jovens talentos que poderiam construir novas idolatrias nos clubes cada vez mais carentes de ídolos e o achatamento da competitividade, com o Campeonato Brasileiro sendo disputado por baixo com diferenças cada vez menores entre campeões e rebaixados.

De nada vale o esforço de profissionalização dos clubes brasileiros se os jogadores ainda mantêm o ‘sonho europeu’ como se fosse um ‘sonho americano de sucesso’.

Enquanto isso, o futebol brasileiro se tornou o sonho de jogadores sul-americanos que veem nos estruturados clubes do Brasil a chance de fazer suas independências financeiras, além de ser uma vitrine maior para a Europa.

Atualmente a safra de Cotia que vem encantando a torcida são-paulina no Campeonato Paulista, é o novo alvo dessa cultura de transferências.

Por tudo que têm apresentado Igor Gomes, Antony e companhia, logo serão eles a deixarem o Brasil rumo a qualquer negócio que surgir na Europa e deixarão o São Paulo como novo clube formador que fica sem seus talentos.

Somente criação de uma cultura de que permanecer no Brasil é algo vantajoso para clube e jogador pode corrigir essa distorção em que o jogador prefere o anonimato na Europa à idolatria no Brasil.

Por enquanto, vivemos de contar a cifras das inúteis transferências.

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