Imagem: Jan Kruger/Getty Images
A estetização do futebol europeu no jogador brasileiro
Mesmo com o crescente fortalecimento financeiro dos clubes brasileiros,
a venda de jovens talentos ainda é uma dura realidade que enfraquece o futebol
nacional.
Se em outros tempos a necessidade era financeira para clubes e atletas,
hoje passa pela vontade dos jogadores em viverem o ‘sonho europeu’.
Por Pedro Henrique Brandão Lopes/Universidade do Esporte
Na última semana a CBF anunciou
um considerável aumento na premiação do Campeonato Brasileiro que passará a
render o dobro dos valores de anos anteriores aos campeões e os melhores
colocados.
A medida segue uma tendência dos
últimos anos que tem valorizado os campeonatos nacionais.
Em 2018, a Copa do Brasil passou
a ser a competição mais rentável da América, proporcionando uma premiação ao
campeão superior aos 70 milhões de reais, isso desconsiderando os direitos de
TV repassados fase a fase aos clubes.
Definitivamente o futebol
brasileiro entrou no radar dos grandes patrocinadores que, ano após ano,
investem cifras cada vez maiores para comprar os naming rights de campeonatos e
arenas, para estampar suas marcas nas camisas dos clubes e associá-las a
qualquer produto que envolva o futebol como pacotes de TV a cabo e fantasy
games.
Seguindo a tendência, os clubes
que estão na elite do futebol brasileiro dispõem de orçamentos milionários e
aumentam cada ano mais suas folhas salariais pagando ordenados de padrão
europeu a seus atletas.
O estrago produzido por anos de
amadorismo na gestão do futebol nacional (não que hoje tenhamos gestores
profissionais, mas melhoramos muito em relação aos anos 1970/80 e 90 quando o
êxodo de jogadores esvaziou tecnicamente nosso campeonato) criou a estética de
carreira perfeita no imaginário do jogador brasileiro.
Ao surgir um jovem talento
atualmente, é quase que inevitável a ida deste à Europa.
Mesmo que seja para um time do
leste europeu ou um clube sem tradição dos grandes centros.
A questão é de tempo, normalmente
de duas ou menos temporadas no clube revelador.
Mas se os clubes equilibraram os
cofres e conseguem fazer investimentos milionários como Vitinho no Flamengo (43
milhões), Borja no Palmeiras (33 milhões), Lucas Pratto no São Paulo (33
milhões), só para citar alguns nomes de grandes investimentos recentes, e se
esses atletas são muito bem remunerados com salários na casa do milhão mensal,
vide Diego Ribas, Pato, Lucas Lima, Rodriguinho e muitos outros.
Por que ainda existe a venda
precoce para a Europa?
Os clubes podem até não conseguir
competir com os bilhões chineses ou os petrodólares árabes, mas não é uma venda
trivial que vai fechar o caixa no azul ao final da temporada.
O Flamengo vendeu Lucas Paquetá
ao Milan, no ano passado, por mais de 100 milhões de reais, porém fechou com
faturamento de 650 milhões em 2018, para um superávit de 145 milhões, ou seja,
se mantivesse a joia da Ilha de Paquetá, ainda assim teria fechado o ano com
lucro de 45 milhões de reais, um ótimo número.
Se em outros tempos o jogador não
fosse tentar a vida nos clubes europeus para receber em Euros, corria o risco
de após encerrar a carreira baixar seu padrão econômico e até passar por
dificuldades financeiras, hoje qualquer jogador médio pode tranquilamente
receber cerca de 500 mil reais por mês e ser ídolo de um grande clube brasileiro
mesmo sendo um craque.
Dudu é o caso mais evidente no
Brasil. Mesmo sendo um jogador normal, hoje tem vencimentos acima do meio
milhão de reais por mês e com 3 títulos importantes pelo clube, já é
considerado ídolo inconteste da torcida palmeirense.
Cássio, Gabigol, Fred, Luan,
Victor, Gum, Jefferson, enfim, são outros exemplos de jogadores que passaram a
maior parte de suas carreiras no Brasil ganhando muito bem financeiramente e idolatrados
pelos torcedores.
Mesmo assim todo jovem que surge no
cenário nacional e consegue destaque quer se transferir à Europa por conta do
glamour de jogar em qualquer time do velho continente.
É claro que taticamente a Europa
ultrapassou a América há anos, mesmo assim, jogar em um time grande do Brasil,
ganhando um salário que garantirá a tranquilidade econômica das futuras
gerações e com a possibilidade de se tornar ídolo de um clube centenário
marcando seu nome na história daquela instituição, parece ser muito mais
atrativo do que arrumar uma transferência qualquer para um Shakhtar, CSKA,
qualquer time que não sejam os grandes de Inglaterra, Itália, Espanha e
Alemanha ou escolher a China e o Mundo Árabe.
Quase sempre essas transferências
se mostram um grande erro estratégico de carreira, um verdadeiro tiro no pé.
E esses jogadores logo voltam
para o Brasil para jogarem no primeiro clube desesperado que para fugir de uma
crise anuncia o novo reforço a peso de ouro.
Até firmar contrato com um
gigante europeu para ser reserva é menos interessante do que ficar no Brasil.
Gabriel Jesus é exemplo disso.
Em 2016, depois de fazer uma
temporada extremamente vencedora no Palmeiras, foi vendido por 130 milhões de
reais ao Manchester City.
De acordo com o próprio jogador,
a escolha foi feita por conta do telefonema direto de Pep Guardiola que
insistiu para que o atacante escolhesse a proposta dos ingleses ao invés de
optar por Real Madrid ou Barcelona que também enviaram propostas.
Na época com apenas 19 anos,
Gabriel Jesus já era ídolo palmeirense e tinha até cântico especial da torcida.
Escolheu se aventurar na Europa e
hoje amarga o banco de reservas do Manchester City, por opção do mesmo
Guardiola que o convenceu a trocar o Verdão pelo Manchester.
Hoje poderia ser um dos maiores
ídolos de todos os tempos do Palmeiras e seguindo sua média de gols, estaria
entre os maiores goleadores do clube.
É possível notar nestes casos que
não havia a necessidade do clube em vender, a diferença salarial também não
justifica a vontade do jogador, portanto apenas o imaginário comum aos boleiros
é capaz de explicar tantas transferências.
A estética do futebol europeu
está arraigada nos jogadores brasileiros de tal maneira que o sucesso na
carreira depende dessa transferência.
Lucas Lima é hoje o retrato desse
fracasso imaginado que se torna real.
O meia surgiu tarde, aos 24 anos
fez ótima temporada no Santos, portanto claramente um jogador para fazer
carreira no Brasil pelo surgimento tardio (Leandro Damião é outro nesta
categoria).
Lucas Lima não se contentou com a
desinteresse do mercado europeu e acho que o problema fosse a ‘vitrine’.
Orientado por Neymar Pai, seu
agente, forçou uma transferência ao Palmeiras com o intuito de conseguir a
necessária visibilidade para chegar à Europa.
Porém, aos 28 anos, o jogador não
tem mercado sequer no leste europeu e dependeria de uma temporada sensacional
para conseguir um contrato na China.
Nem uma coisa, nem outra. Jogando
mal, mesmo com salário de 800 mil reais ao mês, Lucas Lima é reserva do
badalado elenco alviverde e não figura entre os destaques do futebol brasileiro
a pelo menos 2 temporadas.
A estetização do futebol europeu
no jogador brasileiro está contribuindo, entre outros fatores, para a queda do
nível técnico do futebol brasileiro, a debandada de jovens talentos que
poderiam construir novas idolatrias nos clubes cada vez mais carentes de ídolos
e o achatamento da competitividade, com o Campeonato Brasileiro sendo disputado
por baixo com diferenças cada vez menores entre campeões e rebaixados.
De nada vale o esforço de
profissionalização dos clubes brasileiros se os jogadores ainda mantêm o ‘sonho
europeu’ como se fosse um ‘sonho americano de sucesso’.
Enquanto isso, o futebol brasileiro
se tornou o sonho de jogadores sul-americanos que veem nos estruturados clubes
do Brasil a chance de fazer suas independências financeiras, além de ser uma
vitrine maior para a Europa.
Atualmente a safra de Cotia que
vem encantando a torcida são-paulina no Campeonato Paulista, é o novo alvo
dessa cultura de transferências.
Por tudo que têm apresentado Igor
Gomes, Antony e companhia, logo serão eles a deixarem o Brasil rumo a qualquer
negócio que surgir na Europa e deixarão o São Paulo como novo clube formador
que fica sem seus talentos.
Somente criação de uma cultura de
que permanecer no Brasil é algo vantajoso para clube e jogador pode corrigir
essa distorção em que o jogador prefere o anonimato na Europa à idolatria no
Brasil.
Por enquanto, vivemos de contar a
cifras das inúteis transferências.
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