quarta-feira, abril 03, 2019

Escoriações, infeções e feridas abertas...o sofrimento da ciclista britânica Hanna Dines.

Imagem: Autor Desconhecido

A entrevista da ciclista britânica operada por causa do selim: 

Hannah Dines relata ao 'The Guardian' anos de sofrimento em treinos e competições

A ciclista britânica Hannah Dines abriu um livro que poucos conhecem: o sofrimento por que passam as profissionais de ciclismo por causa do selim.

O relato de dor desta atleta impressiona.

Hannah chegou mesmo a ter de sujeitar-se a operações na vulva.

"O cirurgião plástico que procurei disse-me que nunca tinha operado uma ciclista e que nunca tinha visto um caso como o meu", contou a atleta numa crônica assinada no jornal inglês 'The Guardian.

"'Já vi inflamações crónicas da vulva, mas... em pacientes que compulsivamente se esfregam em varões', disse-me, antes de um longo silêncio."

"Apesar da destruição, da dor e do trauma que o selim me causava, eu continuava a treinar. No meu caso, sendo uma ciclista profissional, pode ser visto como uma espécie de loucura. Sou a quarta melhor ciclista de pista do Mundo, treino todos os verões com o intuito de ganhar medalhas. Mas depois de ser 5.ª nos Jogos Paraolímpicos do Rio de Janeiro, em 2016, deixei de ser apoiada pelo governo e, tecnicamente, treino e compito com poucos apoios", contou a atleta.

"Embora a maioria dos custos com as corridas estejam assegurados, luto para pagar a renda. O ciclismo é a minha paixão, mas é também causador de muitas dores. Em 2018 atingi o pico da dor, depois de cinco anos pedalando", contou Hannah, que está fora do programa olímpico e não é acompanhada pelos médicos da federação britânica de ciclismo.

"Felizmente encontrei o Phil Burt, um antigo clínico da federação. Ele disse-me que o inchaço no meu caso era muito grave e que a única solução era a cirurgia", prosseguiu.

"Quando devia ter procurado ajuda? Quando era um jovem talento da federação britânica, em 2014, e vi uma grande quantidade de pele e pelo saírem da minha vulva no banheiro de um hotel. Por sorte eu estava no banheiro", frisou.

"A federação deu-nos um ótimo kit - calções, sapatos, luvas... -, mas nada de pomada anti-abrasão, nenhuma conversa médica sobre este tipo de problemas. A mensagem era 'se mostrar fraqueza, está fora'. Por isso, naquele dia me vesti e puxei a fila".

Hannah prossegue o seu impressionante relato: "Eu diria que há uma hierarquia nos ferimentos, desde o que é mais fácil de aliviar, até à pior das consequências. Escoriações e pele morta, infeções, feridas abertas, pelos encravados, bolhas. Se houver pus, é preciso removê-lo e deixar a ferida respirar. Sem emplastros."

Mas há mais: "Há o inchaço crônico, sem infeção de superfície, que é o meu caso. Pode ser causado por danos linfáticos, veias comprimidas, acumulação de gordura necrótica, condições variadas das glândulas ou todas, devido em alguns casos ao câncer."

"No meu segundo ano em cima de um selim as minhas lesões começaram a mudar. Tive um enorme inchaço num lado da vulva que cresceu logo que comecei a treinar e nunca desapareceu. No meu quinto ano de treinos, em 2018, o alto ficou duro e enorme. Eu já não podia ignorar isto", recorda a corredora.

Mas há coisas que se arrepende.

"Se eu tivesse procurado um cirurgião ginecológico no ano em que comecei ao ver a minha vulva mudar de forma e de tamanho as coisas podiam ter sido diferentes. Infelizmente cheguei aos médicos tarde demais e eles reagiram com espanto ao que viram. Fui acompanhada por uma série de cirurgiões na Escócia, o último era especialista em cancro da vulva."

E continua o relato: "Quando o corpo sofre agressões ao longo do tempo cria mecanismos de defesa. Neste caso, cria uma barreira de gordura - um lipoma - entre a parte que é agredida e os órgãos que precisam de proteção. Em fevereiro fui sujeita a duas operações para retirar o lipoma. Das duas vezes analisaram o tecido retirado e em ambas não foi encontrado qualquer sinal de câncer."

"As vaginas são tão associadas à dor - o período menstrual, o parto - e para uma ciclista o selim representa por vezes um pouco mais de dor. Eu aceitaria isto se não fosse o caso de os selins terem sido especificamente estudados para a anatomia masculina. Claro que os homens também sofrem feridas horrendas, mas o ciclismo feminino ainda não é levado a sério. E isso tem um enorme impacto na pesquisa e na nossa saúde", conclui.

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