Imagem: Folha de Sabará
Siderúrgica de Sabará, o antigo campeão que há 20 anos não vence uma
partida
Tentando reviver os tempos de glória, time bicampeão mineiro amarga
goleadas e escassez de craques ao longo de jejum que completa duas décadas
Breiller Pires para o El País
Nos arredores do estádio Praia do
Ó, em Sabará, quase ninguém se dá conta de que um time local já representou a
pequena cidade da região metropolitana de Belo Horizonte na elite do futebol
nacional.
“Siderúrgica? Nunca ouvi falar”, responde um garoto que passava em
frente ao estádio vestindo uma camisa do Cruzeiro.
“Não me lembro de nenhum time profissional em Sabará”, afirma o
dono de uma oficina de bicicletas no bairro.
Bicampeão mineiro, o Esporte
Clube Siderúrgica se tornou um desconhecido em seu próprio reduto.
Após várias tentativas de retomar
as atividades profissionais, a equipe atinge uma marca insólita nesta
quinta-feira: 20 anos sem conquistar uma vitória sequer em jogos oficiais.
Há vários fatores que explicam o
longo jejum.
E é necessário remeter aos anos
dourados antes de destrinchá-lo.
Fundado em 1930 por funcionários
da antiga usina da Belgo-Mineira, o Siderúrgica rapidamente se consolidou como
uma força do futebol de Minas Gerais.
O time era bancado pela empresa
multinacional, que contratava jogadores oferecendo emprego na fábrica.
O primeiro título estadual veio
em 1937, quando superou o Villa Nova na final.
Mas a equipe que marcou de vez a
história do Esquadrão de Aço foi a de 1964, que, comandada pelo técnico
Yustrich, conquistou o Campeonato Mineiro em cima do América.
Com o título, o Siderúrgica
ganhou o direito de participar da Taça Brasil, competição mais importante da
época, tornando-se o primeiro clube do Estado a disputar uma partida em torneio
nacional no recém-inaugurado Mineirão.
Naquele tempo, apesar de
profissional, o futebol não era regido pelas leis trabalhistas.
O fato de garantir estabilidade
com emprego na usina atraia bons jogadores de todo o país.
“Recebia dois salários: um para trabalhar na fábrica e outro para jogar
bola”, conta o ex-goleiro Djair, de apenas 1,68 metro, que deixou as
categorias de base do Flamengo com 18 anos para se apresentar ao Siderúrgica.
Conciliando a titularidade no gol
com a função de mecânico na garagem da usina, ele permaneceu no clube por mais
de uma década e foi um dos heróis do título de 64.
Dois anos depois do bicampeonato,
porém, a Belgo-Mineira decidiu encerrar o patrocínio ao time, que, sem
recursos, se viu obrigado a abandonar as competições oficiais.
Era o fim da era dourada.
E o início de um longo martírio.
Amadorismo e penúria
Longe do estrelato, o Siderúrgica
passou a disputar a liga amadora de Sabará, lutando para sobreviver com o apoio
de poucos sócios e torcedores.
Somente em 1993 o clube conseguiu
reativar o elenco profissional ao ingressar na segunda divisão do Campeonato
Mineiro.
Amargou seis derrotas e um empate
em sete jogos.
O mau desempenho resultou em novo
afastamento, que só seria interrompido quatro anos depois, dessa vez para jogar
a terceira divisão mineira.
A campanha não foi tão ruim, mas
insuficiente para o acesso.
Restaram como consolo duas
vitórias, uma delas sobre o Esportivo de Passos por 4 x 2, em 31 de agosto de
1997.
Seu último triunfo em uma partida
oficial.
Desde então, entre idas e vindas,
a equipe disputou 42 jogos profissionais, incluindo cinco amistosos.
Com retrospecto de 11 empates e
31 derrotas, marcou 25 gols e sofreu 123.
Após 1997, ficou dez anos sem
disputar a terceira divisão.
De lá para cá foram cinco
participações: 2007, 2011, 2012, 2015 e 2016 – temporada em que somou apenas um
ponto em nove jogos.
“Era um sufoco. De 30 jogadores, só uns cinco se salvavam. Não tínhamos
um time competitivo”, diz Antonio Luiz de Souza, o Tibério, que comandou a
equipe nas últimas duas edições da terceira divisão estadual.
“Eu acho muito difícil que o Siderúrgica volte a ser um clube de
destaque. Tem gente [na diretoria] que quer reerguer o time, mas não tem
dinheiro. A oposição muito menos. É uma briga de foice. ”
O mandato do atual presidente
venceu no início do ano e a diretoria está acéfala, à espera de novas eleições,
que só devem ocorrer em 2018.
Enquanto isso, um grupo de
jogadores treina uma vez por semana em um campo amador emprestado, já que a
Prefeitura de Sabará desapropriou o estádio Praia do Ó.
A deteriorada estrutura do local,
em frente à fábrica da ArcelorMittal, que comprou a Belgo-Mineira na década de
2000, fez com que o clube passasse a mandar suas partidas em Itabira, a mais de
100 quilômetros da cidade.
Neste ano, o Siderúrgica realizou
quatro amistosos.
Perdeu todos.
Sofreu 24 gols e balançou as
redes somente uma vez, diante do Patrocinense.
Em fevereiro, o time viajou 500
quilômetros de ônibus até o Triângulo Mineiro em mais uma empreitada malsucedida.
Levou 9 x 0 do Uberaba e 3 x 0 do
Nacional no intervalo de 48 horas.
Novamente licenciado das
competições oficiais, já que não conseguiu dinheiro para bancar a participação
na terceira divisão deste ano, o Siderúrgica tenta sanar divergências internas
para retornar em 2018.
Caso não consiga, o clube pode
perder o registro profissional na Federação Mineira de Futebol – uma nova
licença custa 200.000 reais.
“Nós vivemos do passado”, afirma o conselheiro e integrante da
antiga administração, Ademir Dias.
“Nos últimos anos, entramos nas competições só para não perder o
registro na Federação. Precisamos recolocar o clube no rumo certo. Acredito
que, no ano que vem, voltaremos mais estruturados. ”
O último jogador revelado pelo
Siderúrgica é o lateral Mayke, que foi vendido ao Cruzeiro em 2010 e hoje atua
pelo Palmeiras.
Já os craques do passado lamentam
o ocaso do bicampeão de Sabará.
“O Siderúrgica não merece acabar assim. É uma pena passar pelo estádio
onde ganhamos de gigantes como Atlético e Cruzeiro e vê-lo abandonado”, diz
o baixinho Djair, único campeão de 64 que ainda vive na cidade.
Desiludidos, torcedores formaram
um time amador que tem disputado mais jogos que o próprio clube.
A equipe foi batizada de “Tartarugão”, em alusão à mascote do
Siderúrgica.
Mesmo combalido por sucessivos
fracassos, Ademir se esforça para manter o tom de otimismo em uma reação, ainda
que a passos de tartaruga.
“Devagarzinho, as coisas vão se acertar. ”