A r t i g o
Pontos Corridos
Sempre entendi que sendo convicção matéria que sucede a reflexões, observações e experimentações, cabe-lhe especial respeitabilidade desde que não assuma cores dogmáticas ou, pior, rejeite o contraditório por efeito de certa soberba intelectual cujo nome de batismo é teimosia. Valho-me deste intróito conceitual para justificar minha posição solidária à manutenção da atual fórmula do Campeonato Brasileiro sem, contudo, desmerecer a possibilidade de reconsideração, se movida por argumentos que, destaco, ainda não foram apresentados às discussões sobre o tema.
Dizer que a torcida brasileira firmou gosto pelo sistema de mata-mata é falsear a verdade no conceito e na prática. É descabido identificar enraizamento cultural quando o futebol brasileiro consumiu décadas de experimentações sem, jamais, ter se fixado em uma única fórmula. Não existe, portanto, identificação cultural do consumidor com o sistema. Este equívoco é conceitual. A distorção da realidade se verifica na simples comparação dos públicos médios do Campeonato Brasileiro (pontos corridos) e da Copa do Brasil (mata-mata), desta temporada. No Brasileiro, a média é de 16.250 torcedores por jogo, e está crescendo, enquanto a Copa do Brasil fechou com 10.663 espectadores por partida. A ausência de grandes clubes no torneio deveria ser compensada pela alegada emoção superior emprestada pela fórmula e, principalmente, por ser atalho para a Libertadores, objetivo mais tangível sem o obstáculo dos melhores times. Mesmo assim, a média de público neste Campeonato Brasileiro poderá ser o dobro da que foi obtida na Copa do Brasil. Onde fica, então, a "preferência cultural" do torcedor brasileiro pelo mata-mata?
Em alta consideração deve ser colocado, igualmente, o esforço dos clubes pela ampliação dos seus quadros associativos, como forma de robustecer as suas receitas ordinárias. São providências inovadoras que só podem prosperar se ao torcedor-consumidor for oferecida a contrapartida de jogos o ano inteiro. Quem paga mensalidade social não deseja ver a sua equipe encerrando, precocemente, a temporada de jogos, inevitável conseqüência do formulismo.
O distanciamento conseguido pelo São Paulo centraliza o discurso do segmento que manifesta desafeição pelo sistema de pontos corridos. Ora, esta é uma circunstância excepcional, está acontecendo pela primeira vez, mas que em nada diminuiu o interesse do torcedor pela competição, como demonstram as estatísticas. É possível, inclusive, que esteja em processo de consolidação uma saudável e, em outros tempos, impensável reestruturação do pensamento brasileiro, segundo o qual, vice-campeão e lanterna seriam a mesma coisa. Como em nenhum outro certame nacional, no mundo, o Campeonato Brasileiro evoluiu para a oferta de vários núcleos de interesse capazes de manter acesa a atenção do consumidor, até a última rodada. Neste modelo, tipicamente nosso, luta-se pelo título, por vaga na Libertadores e na Copa Sul-Americana e para fugir do rebaixamento. É ínfimo o número de clubes que não está envolvido em uma destas competições intra-campeonato. A média de torcedores nos estádios comprova que está se esgotando o absurdo conceito de que segundo e último colocados são posições de igual valor. Só a renitência obtusa não percebeu que o vice-campeão mais terceiro e quarto classificados ganham vagas para a rentável e valorizada Libertadores, único caminho para o título de Campeão Mundial, enquanto os quatro últimos colocados baixam para a Série B. Mesma coisa?
Neste elenco de justificativas pelos pontos corridos, é imperioso incluir e reconhecer que o futebol brasileiro ganhou reconhecimento e credibilidade no Exterior, em níveis nunca antes verificados. Com investidores asiáticos e árabes, estamos prestes a firmar contratos de cessão de imagens que significarão uma nova fonte de rendimentos financeiros para os clubes. O Clube dos 13 está conduzindo negociações que sinalizam para esta direção. E na origem destas novas perspectivas está à manutenção da fórmula, rigoroso cumprimento das regras e seriedade absoluta na organização, promoção e desenvolvimento dos eventos.
Entre tantos argumentos disponíveis para a defesa da fórmula atual, alinham-se mais dois que, por tão óbvios, nem deveriam ser necessários: a conveniência de diversificar a natureza das competições, driblando a mesmice do mata-mata, e o valor inquestionável de dotar a principal competição brasileira da única fórmula capaz de apontar a melhor equipe, sem qualquer dúvida.
E ainda caberia lembrar que o Estatuto de Defesa do Torcedor exige que, em pelo menos uma competição de âmbito nacional, cada participante deva conhecer, previamente, o número de jogos que disputará e a nominata dos seus adversários. Como o sistema de pontos corridos, todos contra todos, é o único que faculta o atendimento destas imposições, seria necessário a alteração da lei como providência anterior a outras mudanças.
Aprovo e defendo a manutenção da fórmula atual para o Campeonato Brasileiro. Porém, reitero o que escrevi na abertura deste breve artigo: pela força de novos e consistentes argumentos, admito rever esta posição. Embora, estes argumentos ainda não tenham despontado em qualquer foro de debates.
Fábio André Koff
Presidente do Clube dos 13