Alemanha tem sucesso por planejar
até o insucesso
Por Marcelo Bechler
Para o site Trivela
A relação entre a Volkswagen, a
cidade de Wolfsburg e seu time de futebol é indissociável.
Cidade e clube existem e se
mantém graças à montadora que foi motivo da fundação do município, em 1938.
Hoje, a empresa investe pesado no
clube de futebol que é o atual vice-campeão da Bundesliga e campeão da Copa e
Supercopa da Alemanha.
Nos últimos dois anos, foram € 32
milhões gastos para contratar Schürrle, € 12 milhões para ter Kruse e € 35
milhões para tirar Draxler do Schalke.
Valores de gente grande, mas a
ideia do clube é que essa fase seja passageira.
Os Lobos vêm que seu crescimento
deve seguir a mesma trajetória do futebol alemão como um todo neste século: nas
categorias de base.
Poucos clubes trabalham tanto com
os jovens como o Wolfsburg.
A estrutura foi criada a partir
de 2007.
O clube adere à metodologia da Bundesliga para formação de atletas
habilidosos, com bom controle de bola e rápidos.
Uma rede de olheiros espalhada
pelas regiões da Alemanha observa garotos a partir de 10 anos e segue seu
desenvolvimento para levá-los ao clube aos 14 anos, a idade mínima permitida.
Os garotos de toda a Alemanha
chegam para o centro de treinamento da base da equipe e encontram escola, refeitório
e dormitórios.
Para ter certeza que nenhum
talento em potencial escapará, o Wolfsburg oferece um plano de carreira que
inclui até a possibilidade de o jovem não vingar como jogador, por questões
técnicas ou físicas.
Normalmente, o garoto que decide
jogar futebol precisa deixar para trás a total dedicação escolar e é dispensado
aos 19 anos precisando correr para recuperar o tempo investido em um sonho não
concretizado.
Nos Lobos é diferente, sobretudo
pela proximidade com uma grande corporação.
A Volkswagen e o clube trabalham
em conjunto para oferecer treinamentos, cursos e, posteriormente, um emprego
aos garotos que se viram frustrado às portas de um estádio de futebol.
“Sabemos o como é difícil chegar a jogar na Bundesliga e que nem todos
vão se desenvolver a esse ponto”, comenta Marc Wilhahn, coordenador da base
do Wolfsburg.
“O que queremos aqui é que todos tenham um futuro e, se não puder ser
no nosso time, pode ser em uma carreira na fábrica da Volks. ”
Essa possibilidade de plano B dá
segurança aos garotos e a seus pais, tornando o Wolfsburg atrativo.
O resultado já apareceu.
Desde que esse projeto foi
criado, o clube conquistou dois títulos alemães sub-19 (2011 e 2013) e um
vice-campeonato (2008).
Algo que não havia acontecido
desde o início da disputa dos torneios de base em 1969.
E essa geração vitoriosa na base
começa a aparecer agora na equipe principal, que talvez não tenha de fazer
tantas contratações milionárias em um futuro próximo.
São quatro jogadores da base no
time que iniciou esta temporada, sendo dois com papeis importantes. Maximilian
Arnold, 21 anos, estreou há quatro temporadas no adulto.
Entre idas e vindas do time
Sub-19 e B, o meia disputou 27 partidas na última edição do torneio, marcando
quatro gols.
No ano passado, fez sua primeira
partida pela seleção alemã, em amistoso contra a Polônia antes da Copa do
Mundo. Robin Knoche tem trajetória parecida.
Aos 23 anos, foi titular em 25
das 34 rodadas da última Bundesliga.
Na anterior, foi titular 30
vezes.
O zagueiro foi convocado para um
amistoso contra a Espanha no ano passado, mas não chegou a entrar em campo.
Outros dois jogadores são apostas
para começar a ganhar espaço nesta temporada.
Sebastian Stolze, atacante de 20
anos, vem de duas temporadas pelo Wolfsburg B e pode ganhar mais espaço no time
de cima a partir deste ano.
O mesmo espera Moritz Sprenger,
zagueiro de 20 anos e que também foi promovido da equipe B.
É um microcosmo do que fez o
futebol alemão.
Após a humilhante eliminação na
primeira fase da Eurocopa 2004, conquistando apenas dois pontos e um gol em uma
chave com Holanda, República Tcheca e Letônia, a Bundesliga e a federação
decidiram agir.
Foram criadas “academias de
futebol” pelo país, em parceria com clubes ou federações locais.
Os centros de treinamento não
costumam ser constituídos de luxo ou equipamento futuristas, mas são
extremamente funcionais, organizados e com uma metodologia para seguir.
Além disso, a Bundesliga sub-17 e
sub-19 adotam o calendário de jogos igual ao dos profissionais.
Assim, os jovens se mantêm em
competição todo o ano.
Marc Wilhahn participou desse
projeto.
De acordo com ele, a ação
coordenada dos clubes privilegiou a presença de jovens nas equipes, em vez de
se fortalecerem apenas com jogadores consagrados de outras ligas.
“Era preciso mudar nossa forma de jogar futebol. As academias
permitiram que desenvolvêssemos os jovens dentro do que acreditamos ser
importante. Jogo com o controle da bola, muito agressivo e com ofensividade,
grama curta para permitir o jogo rápido foram as nossas diretrizes”,
explica.
Outro fator importante nesse
trabalho é ter maleabilidade para se adaptar à evolução do futebol como um
todo.
Após o ciclo vencedor espanhol
quando a posse de bola passou a ser motivo de debate mundo afora, o título
mundial no Brasil fez os olhos se voltarem para a Alemanha e eles sabem disso.
“Não sabemos como o futebol será jogado daqui a cinco ou dez anos. Não
temos como prever, porque existem equipes jogando de formas diferentes por todo
o mundo e não sabemos qual irá triunfar. Também fazemos ajustes em como
trabalhamos, mesmo com algumas diretrizes principais. ”
Quem também vê o futuro do
futebol como algo incerto é Lothar Matthäus.
Capitão da seleção campeã mundial
em 1990 e jogador capaz de jogar desde a defesa até o ataque, o ex-camisa 10
alemão vê que pequenas mudanças vão sendo feitas.
“Por um tempo, jogou-se com três zagueiros e dois laterais ofensivos.
Depois quando as defesas voltaram a jogar com quatro jogadores, esses laterais
viraram pontas, que já não se viam há muito tempo”, exemplifica.
“Detalhes vão sendo adicionados e excluídos e, quando se vê, o jogo já
é outro.”
Aí reside um fator discreto e
importante do sucesso alemão.
Não basta apenas fazer o que
parece ser o correto, é preciso ter capacidade de mudar se outro caminho se
mostrar melhor.
Desde o sistema de jogo até a
escolha da carreira dos jovens, do clube que pode mudar o método de treinamento
ao garoto que sabe que terá uma profissão se não der certo no futebol.