Polícia de Putin controlou o
laboratório antidoping de Sochi 2014
Depois de constatar a destruição,
em Moscou, AMA exige suspensão do atletismo russo
Dezenas de medalhistas olímpicos
sob suspeita de doping
Integrantes da FSB (a polícia secreta
russa, herdeira da antiga KGB desde 1991) “vigiaram, intimidaram, encurralaram
e ameaçaram” os responsáveis pelo laboratório antidoping que analisou as
amostras dos atletas participantes dos Jogos Olímpicos de Inverno de Sochi, em
2014, assim como os diretores do laboratório de Moscou, o principal da Rússia.
Essa é a revelação mais
importante do relatório divulgado na tarde desta segunda-feira, no hotel
Mandarin Oriental de Genebra, pela Agência Mundial Antidoping (AMA), que
investigou durante meses as suspeitas de uma dopagem de Estado, tal como
ocorreu nos anos 70 e 80, no esporte russo.
A investigação dirigida por Dick
Pound, primeiro presidente da AMA, tem focado principalmente o atletismo, já
que a agência nasceu a partir da repercussão de uma reportagem-denúncia da
televisão alemã ARD de dezembro passado.
Depois de constatar que Grigory
Rodchenkov, diretor do laboratório de Moscou, destruiu 1.417 amostras suspeitas
após a divulgação da reportagem a fim de escapar do controle da AMA, o
relatório exige, tanto do Comitê Olímpico Internacional (COI) como da Federação
Internacional de Atletismo (IAAF), a suspensão imediata do atletismo russo.
A IAAF respondeu rapidamente à
solicitação, informando, poucos minutos depois, que seu presidente, Sebastian
Coe, havia pedido uma reunião urgente do conselho da federação para suspender a
federação russa de atletismo, cujos atletas não poderão participar nem do
Mundial de pista coberta de março de 2016, nem dos jogos europeus ao ar livre
de julho, nem, tampouco e principalmente, dos Jogos Olímpicos do Rio, em
agosto, enquanto os seus novos dirigentes não conseguirem a aprovação da AMA
para o processo de faxina que prometeram realizar.
“Isso pode exigir vários meses”,
disse Pound durante a apresentação do relatório.
Ele não quis afirmar
taxativamente que não haverá presença russa nos Jogos do Rio 2016.
Além disso, a AMA decidiu
suspender o laboratório antidoping de Moscou, suspeito de ter encoberto dezenas
de testes que deram positivo.
“A sua reabertura levará mais meses
ainda do que a readmissão do atletismo russo”, disse Pound.
Embora o relatório, de 335
páginas, mencione indiretamente o ministro dos Esportes russo e responsável
pelo comitê organizador da Copa do Mundo de 2018, Vitaly Mutko, Pound também
evitou acusá-lo diretamente por um dos escândalos mais desoladores descobertos
no esporte mundial nos últimos anos.
“Não podemos acusar Mutko
diretamente, mas a corrupção estava tão espalhada que é muito difícil acreditar
que ele não estivesse a par. E se sabia o que estava acontecendo, é, no mínimo,
cúmplice. Mas isso é apenas uma inferência do nosso trabalho. Quando nos
reunimos com ele, dissemos que ele não ia gostar muito das nossas conclusões”,
afirmou Pound.
“Pediu para dizermos o que ele
deveria fazer, e nós o incitamos a dar um passo à frente e liderar a faxina que
teria de ser feita para solucionar um problema que pode destruir o esporte”.
O relatório também revela que as
autoridades desportivas russas haviam criado um segundo laboratório antidoping,
clandestino, para analisar todas as amostras dos atletas.
Os testes que davam positivo eram
destruídos.
Ao laboratório oficial, que envia
relatórios à AMA, eram transmitidas somente as amostras negativas.
Apesar de sua extensão e
profundidade, e de destacar o envolvimento na corrupção do doping de dirigentes
do mais alto nível da IAAF, o relatório não detalha a suposta participação de
seu ex-presidente Lamine Diack na rede de extorsões, subornos e chantagens que
que ficou escondida como lixo varrido para debaixo do tapete.
“Todas as informações estão em
mãos da Interpol, que, sob a direção da Justiça francesa, realiza a sua própria
investigação”, disse Pound.
“Enquanto as suas investigações
não terminarem, o que deve ocorrer até o fim do ano, não divulgaremos aquilo
que passamos para a Interpol”.
A partir dessas informações, o
juiz anticorrupção francês Renaud van Ruymbeke, indiciou na semana passada
Diack, seu assessor jurídico Habib Cissé, o ex-diretor da comissão antidoping
da IAAF Gabriel Dollé e o ex-presidente da federação russa e ex-tesoureiro da
IAAF Valentin Balajnichev, sob acusação de extorsão de atletas suspeitos para
que encobrissem os resultados positivos de seus testes.
Segundo o que foi divulgado por
diferentes veículos de comunicação, Diack embolsou, com essa atuação criminosa,
mais de um milhão de euros (cerca de 4,2 milhões de reais) desde 2011.
Embora o relatório focalize o
atletismo, Pound afirmou que, durante a investigação, chegou-se à conclusão de
que as amostras destruídas no laboratório de Moscou envolviam também outras
modalidades.
“Na próxima reunião da Executiva
da AMA, serão estudadas as nossas conclusões, e medidas relativas a outros
esportes serão solicitadas”, disse o advogado canadense que, antes de se tornar
o primeiro presidente da AMA, ficou conhecido por liderar a investigação, em
1998, sobre a corrupção em torno da definição de Salt Lake City como sede dos
Jogos de Inverno de 2002.
“Estou convencido de que
descobrimos apenas a ponta do iceberg”.
Fonte: El Pais