terça-feira, abril 01, 2008

Por que as cidades italianas têm poucos clubes

Por Ubiratan Leal


A região metropolitana de Napoli tem 3 milhões de habitantes. E apenas um time de futebol. Florença tem cerca de 1 milhão. E também conta com um clube. Em outros países, cidades desse porte ou até menores como Valência, Colônia, Manchester, Porto, Sevilha e Stuttgart, contam com pelo menos duas equipes. Sinal de que o futebol italiano não comporta mais de um time em cidades médias? Nada disso, conseqüência do fascismo.

Quando surgiu, o Campeonato Italiano era composto por grupos regionais e uma fase final nacional. Com isso, havia mais espaço para equipes pequenas, tanto as de bairro das grandes cidades como as do interior. E, como hoje, já havia um predomínio das ricas e cidades do norte do país, sobretudo a industrializadas Milão e Turim e a portuária Gênova, portas de entrada do futebol no país.

Essa realidade induziu o surgimento de vários clubes nessas cidades. Nas primeiras três décadas de Campeonato Italiano, Turim foi representada por Torino, Juventus, Piemonte, Internazionale Torino, Ginnastica, Audace Torino, Vigor e Pastore. Os genoveses foram Genoa, Andrea Doria, Sampierdarenese, Spes Genova e Liguria. Em Milão, as equipes foram Milan, Internazionale, Mediolanum, US Milanese, Racing Libertas, Juventus Italia, Nazionale Lombardia, AC Milanese e Enotria Goliardo. Até times de cidades vizinhas, como Pro Vercelli e Casale, ambos da região de Turim, eram fortes.

Além da quantidade, as três cidades tinham qualidade e tradição. Ainda que muitos desses times tiveram vida efêmera, as primeiras potências do calcio surgiram no noroeste italiano.

Nas demais cidades importantes, também havia vários times. Roma era a recordista, com Lazio, Roman, Fortitudo, Alba, Audax Juventus, Esperia, Audace Roma, Pro Roma e Romana. Florença tinha Firenze, Libertas e Itala. Bolonha contava com Bologna e Virtus. Napoli foi representada por Naples, Internazionale e Pro Napoli. Até cidades menores, como Livorno (Virtus e Spes), Bari (Ideale e Liberty), Verona (Hellas Verona e Bentegodi) e Venezia (Venezia e Volontari Veneziani) contavam com mais de uma equipe.

A diferença é que os times da parte peninsular da Itália não tinham a mesma condição financeira dos concorrentes do norte. Sobretudo em um país em que o futebol crescia rapidamente em popularidade e já havia alguns casos de profissionalismo mascarado.

No final da década de 1920, Mussolini abriu os olhos para a mobilização que o futebol causava na população. Depois de uma tentativa infrutífera de criar uma nova modalidade esportiva, a volata, Il Duce decidiu investir no calcio mesmo. E, no plano de seu governo, seria interessante que houvesse um campeonato nacional de grupo único e times de várias regiões. Algo que exigia a quebra da hegemonia de Turim, Milão e Gênova.

Os centros de maior interesse para os fascistas eram Roma, Florença e Nápoles, cidades que tinham representatividade futebolística mais distante da importância histórica e econômica. O governo imaginou que, se cada uma desses locais tivesse menos clubes, teria mais condições de reunir as forças e encarar as potências já estabelecidas. Bolonha foi poupada porque o Bologna conseguia resultados mais dignos.

O primeiro caso ocorreu em Nápoles, ainda antes do fascismo assumir. Em 1922, Naples e Internazionale Napoli estavam em crise financeira e decidiram se fundir para evitar a falência. O novo time era o Internazionale-Naples, chamado popularmente de Internaples. Em 1926, o clube mudou de nome para Napoli, uma nomenclatura mais próximo ao ideal nacionalista de Mussolini. No mesmo ano, Florença também uniu suas forças. Libertas e Firenze se fundiram para formar a Fiorentina.

Um ano depois, era a vez de Roma. A quantidade de times muito fracos era grande na capital italiana e algumas fusões já haviam ocorrido. A Fortitudo era resultado da junção de Pro Roma e Romana. A Alba havia absorvido Audax Juventus e Audace. Assim, em meados da década de 1920, os times romanos eram Lazio, Alba Audace (foto), Roman e Fortitudo. Ainda era muito.

O mentor da mudança do cenário foi Italo Foschi, secretário do diretório romano do Partido Nacional Fascista, membro do Coni (Comitê Olímpico Italiano) e presidente da Fortitudo. Foschi pretendia unir todos os quatro clubes romanos em um só, que teria força suficiente para concorrer com as potências da época, Juventus, Torino, Internazionale, Milan e Genoa.

Não foi tão fácil. O general fascista Giorgio Vaccaro era dirigente da Lazio e não queria ver o fim de seu time. Além disso, cresceu dentro do governo a tese de que Roma deveria ter dois clubes fortes para ficar em igualdade com Turim e Milão. Desse modo, a Lazio (que, de fato, era o mais bem sucedido dos clubes romanos da época) foi poupada da fusão, enquanto Alba Audace, Fortitudo e Roman se juntaram para formar a Roma.

A política de concentração de forças em poucas equipes acabou minando os times pequenos dos centros mais tradicionais. Em Gênova, só o Genoa conseguiu manter sua força nacionalmente. Assim, Andrea Doria, Sampierdarenese e Corniglianese formaram, por orientação do Partido Fascista, a Dominante (depois renomeada Liguria). Alguns anos depois, os clubes desfizeram a união e só voltaram a se juntar após a Segunda Guerra Mundial para criar a Sampdoria. Em Turim e Milão, as equipes secundárias ou da região metropolitana fecharam as portas ou se mantiveram no anonimato quase total, jogando divisões amadoras.

Desse modo, em 1930, primeiro ano com grupo único e apenas quatro anos após o início do processo de fusão dos clubes implementado pelo fascismo, o Campeonato Italiano já tinha traços muito semelhantes aos atuais. O predomínio era de equipes de capitais regionais, com cidades tendo, no máximo, dois representantes. Uma realidade que parece difícil de mudar no século XXI.

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