Faz tempo não lia uma entrevista
local tão interessante...
Sobre o assunto futebol, em tão,
nem se fala.
O jornalista Dinarte Assunção “enfrentou
a fera” sem os maneirismos e os “afagos” tão comuns...
Brincou de gato e rato e em
determinados momentos, fez o entrevistado dar longos nós em pingo d’água.
Claro que não conseguiu tirar
todo o suco, apesar de ter espremido o máximo...
Afinal, o entrevistado é uma
velha e felpudíssima raposa...
Vivido, experiente e cheio de
curvas, José Vanildo, presidente da Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol,
fez o que pode para se sair bem diante de um entrevistador que pela primeira
vez não levou flores e não se fez de rogado ao tentar segurar o quiabo.
A única pergunta que faltou, foi
quando Vanildo disse não saber o valor que era movimentado pelos patrocinadores
do campeonato estadual...
Estranho, o senhor não saber o
quanto entra na conta da federação, teria eu, dito...
O assunto que é opaco, permaneceu
opaco.
No mais Vanildo fez o que mais
gosta de fazer...
Falar de si mesmo e esbanjar sua
peculiar irreverência e simpatia.
Cartola midiático! Zé Vanildo e a
obsessão pelo marketing da bola
Dirigente reconta sua trajetória
à frente da FNF e entra em rota de colisão com o poder público por falta de
apoio ao futebol do RN
Por Dinarte Assunção
Para o Portal no Ar
A garagem do número 2017 da Rua
Marcílio Furtado é uma área aberta que permite ao passante ver o que está
abrigado nela.
Qualquer transeunte não daria a
menor importância para qual veículo foi jogado sob o sol causticante de uma
manhã de janeiro, não fosse o fato de haver uma ambulância acomodada nesse
espaço da casa, que não é um hospital.
Encarado mais de perto,
observa-se no carro de socorro um brasão em vermelho e verde, sobre os quais se
sobressai o branco da sigla FNF (Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol).
“Estaria também o futebol
potiguar na UTI?”, pensei antes de entrar.
Ao comprar o veículo, o atual presidente
da federação, José Vanildo, foi considerado um senil, conforme seu próprio
relato.
“O presidente da comissão
nacional de antidoping veio aqui e me chamou de louco. Em outros cantos não
tem. Vou comprar um ônibus e agora dizem que eu endoidei de vez”.
Há cinco anos à frente da FNF, o
cartola implementou mudanças de modernização e demitiu “vinte e tantos
funcionários”.
“A federação historicamente era
tratada de forma paternalista e de pouco investimento em recursos humanos,
administrativo. Isso não era novo porque acompanhava a inércia dos filiados. A
federação atual procurou se modernizar, oferecer estrutura de capacitação”, enumerou
o presidente. Das glórias que relatou, contudo, a maior é o investimento em
marketing, sobre o qual José Vanildo fala com o mesmo entusiasmo de uma criança
que acabou de ganhar um brinquedo e ainda não sabe direito como mexer. “É pra
isso que eu tenho Alan”, disse em referência ao jornalista e diretor da
agência de marketing esportivo 10 Sports, Alan Oliveira.
Se por um lado ele não sabe
exatamente como funciona, por outro, procura meios para fazê-lo porque sabe que
há retorno.
Ao longo da conversa de quase uma
hora e meia, encadeou sob seu bigode as palavras “marketing”, “produto” e
“divulgação” vinte e uma vezes.
“O marketing é o segredo. É por
isso que eu elogio meu bigode. Você tem que conjugar o verbo marquetear em
todos os tempos”, explanou antes de uma pausa dramática, depois da qual
completou gaiatamente:
“Eu tô foda hoje! Tô um típico
heterossexual ativo”.
Falta combinar com mais
empresários, no entanto, que o futebol potiguar é um produto no qual vale a
pena investir.
Até lá, a cartela de parceiros
permanece com 10 nomes: Pitú, Fetronor, 10sports, Fecomércio, Salesiano, Garra,
Esporte Interativo, Ster Bom, Penalti e Sparta.
O nome de maior peso, a
Chevrolet, largou o apoio ao futebol potiguar e de outros estados.
Quem ficou, teve o anonimato
fiscal garantido por José Vanildo, que não quis comentar quem paga quanto para
ter sua marca exibida nos estádios.
“Não tenho ideia de quanto é
movimentado”.
Atualmente, uma placa de
publicidade custa a um cliente R$ 30 mil.
Se quiser duas nos estádios, há
um pacote por R$ 45 mil.
Se mais lhe convier, o pacote é
definido pela periodicidade de exibição e quantidade de anúncios.
Se todos os 10 nomes da atual
cartela pagarem o valor mínimo, há uma receita com publicidade na ordem de R$
300 mil, mesmo valor que a federação desembolsou na quinta-feira (29) para
pagar a arbitragem pelas 84 partidas do estadual deste ano.
“Os empresários inteligentes
investem no futebol. O futebol é bancado por empresário. E 99% não são daqui. E
sabe por que eles são de fora? Porque eles são burros. Porque eles são
ignorantes. A Pitú quando investe aqui é porque futebol não tem futuro. A
Chevrolet quando investe aqui é porque o futebol é uma porcaria, sim porque ele
está jogando dinheiro fora. O Salesiano quando investe é porque o futebol aqui
não é sério. Claro que não é isso. É porque eles sabem o valor que o futebol
tem para divulgação com a marca deles”, protesta o dirigente
ironicamente.
Zé Vanildo, como também é
conhecido, atribui ao “ranço cultural contra o futebol” a resistência,
sobretudo dos empresários locais, em investir “no meu produto futebol”.
Algo menos subjetivo pode ajudar
a entender o distanciamento.
A transmissão do futebol na maior
emissora do país cai anualmente.
Para transmitir os jogos da
primeira divisão, elite do futebol que não tem um time do Rio Grande do Norte,
a Globo tem patinado nos 15 pontos de audiência em pleno domingo, muito
distante da glória atingida na década de 1990, quando uma final chegava a
marcar mais de 50 pontos na audiência.
E não estamos considerando que os
times associados à FNF jogam, via de regra, com transmissão de emissoras
fechadas, com audiência não conhecida pelo público.
Para completar, na semana que
passou, um estudo da consultoria Pluri apontou a edição 2015 do
campeonato potiguar com seu pior valor de mercado dos últimos quatro anos.
Guru
O jornalista Alan Oliveira mal
tinha saída do marketing do ABC, em 2011, quando Zé Vanildo o convidou para
assumir os trabalhos de mídia à frente da federação.
O convite tinha razão de ser:
havia pressão dos dirigentes dos clubes para que a imagem do futebol potiguar
fosse vendida de maneira proveitosa e sob a batuta de Alan e da 10 Sports,
houve uma campanha que deixou o ABC com 10 mil associados em seis meses.
De pronto, o jornalista aceitou o
convite.
No campeonato do ano seguinte, o
fiasco publicitário parecia iminente.
Apenas um cliente havia comprado
uma placa nos estádios para a divulgação.
O preço na época era R$ 20 mil
por placa posta no estádio e a empresa tinha a marca exibida durante todo o
estadual.
Depois de três meses de trabalho,
o estadual de 2012 foi aberto com 12 clientes, com uma receita mínima de R$ 240
mil.
Foi daí em diante que o marketing
se tornou a obsessão do presidente da FNF.
As ações cujos resultados
terminassem em mídia espontânea para o futebol logo eram prontamente acolhidas.
Foi na esteira desse pensamento
que se desenvolveram a escolha da mascote e da musa da competição, que atrai a
macharada toda para votar e mobiliza um sem fim de contas no Facebook e
Whatsapp.
Afinado com o discurso do
presidente, o marketing da federação quer atrair o empresariado local.
Com um olho nas receitas
publicitárias e outro nos estádios cheios, pretende apresentar um projeto que
credencia a revenda de ingressos para o estadual, ficando a critério do
empresário fixar o preço que desejar.
Pela proposta de Alan, 10% de
todos os ingressos serão destinados a esse projeto.
“Zé na verdade é um grande amigo.
Ele me dá apoio para tudo”, comentou Alan Oliveira, rejeitando a pecha
de guru do presidente guiado pelo marketing.
Governo
Dos atores que encenam contra o
futebol, na visão de Zé Vanildo, nenhum é tão bom como o poder público, contra
quem ele não mede críticas.
“Eu nunca recebi uma dedada, uma
cutucada de governo. O governo aqui historicamente exclui com o argumento
pífio, argumento bufa, com a história de que – faz voz de criancinha – futebol
é profissional. É profissional e tem que ser mesmo. Onde o governo coloca a mão
para gerir quebra”.
Para ele é vergonhoso que o
gestor público não invista na área.
“Você já pensou se o governo
investisse em futebol? Era um escândalo. A CBF é o maior escândalo do Brasil –
reclinei-me na cadeira achando que ele iria falar sobre os desmandos na
confederação, mas a linha de pensamento foi outra – porque mexe com a emoção do
torcedor. Na hora em que a mão do governo tocasse ali, criava um ministério com
num sei quantos cargos. Aí não ia funcionar. Funciona hoje porque funciona como
uma coisa privada. Esse argumento de que futebol é feio é de quem tá do outro
lado da cadeira”.
Remonta ao governo de José
Agripino o último gesto que o Estado teve pelo futebol potiguar, na lembrança
de Zé Vanildo.
Fiquei inclinado a questionar se
a Arena das Dunas não era uma contribuição, mas ele levou a conversa para
Pernambuco:
“Lá, 75% de quem vai ao estádio é pelo Todos com a Nota. Há uma
campanha tributária e o torcedor entra de cara nesse projeto que acaba
definitivamente com a história de dar dinheiro ao futebol”.
Perguntei por que diabos o
governo deveria investir em algo que é essencialmente privado.
O presidente da FNF me fitou
perplexo, como se eu tivesse, sei lá, acabado de cuspir na imagem de Nossa
Senhora.
“Da mesma forma que ele investe
nos hotéis. Os hotéis são investimento essencialmente privado. Sabe quando o
governo investe lá fora? Qual o maior evento do Brasil? Futebol! Do Rio Grande
do Norte? Futebol! É o futebol e isso gera emprego e renda. Até pouco tempo
ninguém sabia quem era Goianinha, hoje é nome nacional. Até pouco tempo ninguém
sabia quem era Ceará-Mirim, e hoje é referenciado no Brasil porque tem um
estádio que gera divulgação nacional com o Globo”, esbravejou o dirigente.
Agora quem estava perplexo era
eu.
Levamos o assunto para alguns meses atrás.
Uma constatação do trade
turístico é que a propalada divulgação de Natal com a Copa do Mundo de Futebol
não gerou o retorno prometido para o turismo com o material midiático.
Diante da afirmação de que
Ceará-Mirim foi catapultada do nada para a glória nacional por causa do Globo,
confrontei o presidente com o caso concreto de Natal.
O que se disse sobre o trade
turístico é impublicável.
“Esse argumento de ficar ao lado
dos poderosos hoteleiros é muito mais fácil do que ficar ao lado do time
pequeno, do time do interior”, diz o presidente da FNF. Em que pese o discurso
carregado contra o poder público, ele não nega que gostaria ter a parceria. Certa
vez, na esteira do sucesso do projeto Futebol em Tom Maior, ele procurou a
Fundação José Augusto para pedir apoio à iniciativa. “E sabe o que me disseram?
Que futebol não se enquadra em cultura. Vou começar a dar o c* vê se se
enquadra em cultura”.
Histórico
Aos 62 anos (para revelar a idade
ele me perguntou se eu não era um heterossexual ativo), José Vanildo da Silva
fez carreira no direito antes de chegar ao futebol.
Advogado e procurador da Câmara
Municipal de Natal teve a presidência da FNF gestada no encontro entre futebol
e legislação, na década passada.
Então conselheiro da Ordem dos
Advogados do Brasil, ele foi indicado pela OAB para ser o representante da
instituição no Tribunal de Justiça Desportiva, estrutura criada pela
Confederação Brasileira de Futebol à semelhança do Judiciário comum.
Uma vez instalado como membro, Zé
Vanildo mirou a presidência e a alcançou.
Em 2005, uma intervenção
destituiu Nilson Gomes da presidência da FNF, foi quando o jornalista Alexandre
Cavalcanti, então deputado estadual, disputou o cargo, com Zé Vanildo como
vice-presidente.
Dois anos depois, Cavalcanti se
afastou da federação por motivos de saúde, e Zé Vanildo reina com orbe, coroa e
cetro desde então.
Para esta reportagem, não foi
localizada uma viva alma que pudesse ser contraponto à Zé Vanildo.
É um presidente sem oposição.
“No começo da administração, eu
achava que não ia dar certo porque ele era muito… Eu não gostava. Mas agora ele
reconhece mais as dificuldades dos clubes do interior. Depois ele viu melhor o
que era administrar uma federação e viu os direitos que os clubes tinham. Acho
que ele deve ir por aí do jeito que ele tá”, comentou o único potencial
insurgente contra Zé Vanildo, Lobão Filho, dirigente do Corintians de Caicó.
Recentemente, ele se valeu da
ajuda da federação para inscrever o time no campeonato.
Pai de cinco filhos e avô de três
netos, a figura do presidente é conhecida por ser extrovertido.
Dê-lhe um palco, ele faz seu
show.
À reportagem, deixou baixar o
espírito de Tim Maia e fez uma performance fiel do cantor, com direito a
trejeitos e tudo mais.
Quando cantou o último acordo de
“Me dê motivo”, contorceu-se na cadeira e passou a imitar o deputado Agnelo
Alves.
Fiquei chocado com a fidelidade
da encenação, tivesse fechado os olhos e deixado apenas os ouvidos atentos,
poderia jurar que se tratava do pai do prefeito Carlos Eduardo.
“Por isso, certa vez, assumi a
bancada do programa na Rádio Globo. Agnelo ficou chocado enquanto eu me passava
no rádio por ele”, rememorou.
O triunfo de Zé Vanildo na
federação, abriu caminhos na cúpula nacional do futebol.
O dirigente também se credenciou
a um posto na CBF.
Atualmente, ele integra a
comissão de compras.
A única reclamação que faz sobre
a Confederação é que acha que deveria ser mais justa a divisão de receitas
gerada no campeonato.
Se para ele essa é a única
objeção à CBF, para o público em geral não.
O farto noticiário sobre
corrupção na cúpula da cartolagem não passou sem comentários para Vanildo, que
preferiu trazer o assunto para a realidade local.
“Eu tenho a convicção de que a
média do entendimento do torcedor potiguar favorece a federação daqui. Ele
acredita na federação, tanto é que estou estudando pedir uma pesquisa para
avaliar isso e vê a questão de como o torcedor enxerga essas questões”,
revelou Zé Vanildo.
Boca miúda
Recentemente, a CBF passou a
pagar R$ 15 mil aos presidentes das federações estaduais mensalmente.
Em tempo: são tais presidentes
que elegem o dirigente da confederação.
Zé Vanildo acha um acinte tratar
o tema dessa perspectiva.
“Eu tenho cargo na CBF, não
recebo nenhum centavo da federação de futebol. Sou procurador, advogado, tenho
escritório e minha vida. Não posso avaliar os outros”, iniciou em tom
de protesto.
Mas o senhor tem uma opinião
sobre essa mesada, insisti.
“Meu projeto não é esse. Meu
projeto é brigar pelo marketing, pela Chevrolet, buscar patrocínios nacionais.
Um dirigente ganha muito bem da CBF. Esse valor atribuído aos presidentes
estaduais, são ridículos”.
A mesada contestada não foi o
único assunto delicado.
Em meio a uma entrevista pontuada
pelos termos de marketing e mídia, não deixei de dar voz aos questionamentos
corriqueiros que repórteres de esportes fazem à boca miúda:
O senhor não paga a nenhum
jornalista para falar bem da federação?
O telefone tocou.
“Alan Kardec [Alan Oliveira]!
Estou dando uma entrevista aqui, falando da maior empresa de marketing do
Brasil, a… como é seu nome? Dinarte, decididamente heterossexual ativo. Tá aqui
me fazendo um bocado de pergunta com emboscada, mas eu tô botando pra f…, do
jeito que você me ensinou. Sim… É aquele assunto que eu tive. Esse assunto quem
resolve sou eu e você, o dele a gente resolve como queremos. Captou? É, é, é
verdade. Dinarte está mandando um abraço” – Não mandei abraço nenhum –
“Onde paramos?” Na mesada a jornalistas.
Ele negou peremptoriamente, e
emendou com uma história.
“Fui dar uma entrevista, fui
fazer uma conferência, porra, eu sou foda, sou tampa de furico, na Paraíba. E
lá acham interessante meu jeito de administrar. Aí na Paraíba, me disseram
assim: ‘presidente, aqui, dizem que a presidente afastada dava dinheiro para
jornalistas. E você?’. Respondi que isso é uma pergunta que eu devia mandar
você tomar no c…! Mas tomar no c… no futebol é simbolismo. Isso não é agressão”,
levando meu heterossexualismo ativo aos risos.
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