Serginho, o condutor emocional da
vitória do vôlei na Rio 2016
O líbero Serginho é o maior
medalhista brasileiro de esportes coletivos.
Tornou-se o símbolo da arrancada
vitoriosa dos brasileiros na final da Olimpíada do Rio de Janeiro.
Por Sérgio Garcia para a revista “Época”
Toda conquista notável tem sempre
uma imagem ou figura que se transforma em seu novo símbolo.
Ao longo do tempo, é essa figura
que passa a sintetizar aquele triunfo, tal qual a famosa foto de combatentes
dos Estados Unidos fincando a bandeira do país na Ilha de Iwo Jima, retrato que
virou um marco da vitória americana na Guerra do Pacífico.
Não foge à regra o título
olímpico da seleção masculina de vôlei, o terceiro da história, obtido no
domingo passado, quando a equipe bateu a Itália por 3 sets a 0 no
Maracanãzinho, pouco antes da festa de encerramento da Rio 2016.
Daqui a algumas décadas ainda
estará nítida a sequência em que o líbero Sérgio Dutra Santos, o Serginho, após
o ponto final, se ajoelha na quadra para abraçar o levantador Bruno, ambos às
lágrimas, numa alegoria da emoção que varreu o país.
Houve outras cenas indeléveis,
sempre com o mesmo protagonista.
Ainda em choro descontrolado,
Serginho morde a medalha dourada assim que a recebe no alto do pódio, como um
atleta que se alimenta de glórias.
Fez mais.
Estendeu na quadra sua camisa de
jogo, que recebeu beijos dos colegas de time, numa reverência àquele que havia
se transformado naquela tarde no maior medalhista olímpico da história do
Brasil em esportes coletivos.
De quebra, foi eleito o melhor
jogador do torneio.
Serginho jamais saiu de uma
Olimpíada de mãos abanando.
Ganhou ouro também em Atenas 2004
e prata nas duas últimas edições dos Jogos, em Pequim 2008 e Londres 2012.
Não à toa foi o nome mais
festejado do dia, que culminou com os colegas atirando-o para o alto, em ritual
reservado aos heróis do esporte.
Considerado por muitos o melhor
da posição em todos os tempos, o líbero brasileiro foi o grande líder da saga
olímpica.
Reconhecido pelo treinador
Bernardinho Rezende como o “condutor emocional” do time e chamado de “exemplo”
pelo levantador Bruno, Serginho tinha consciência de que estava em jogo um
desfecho glorioso para sua trajetória na seleção.
E soube contagiar os companheiros
com esse sentimento.
Esbanjava vibração a cada grande jogada
e corria pela quadra a todo ponto conquistado, como se comemorasse um gol,
incitando os colegas de time e os torcedores a jogarem juntos.
Se um sujeito de 40 anos, coroado
de êxitos profissionais, exibe tanta determinação e vitalidade, quem não vai atrás?
Num jogo em que o saque pode
ultrapassar os 200 quilômetros por hora e em que o árbitro recorre com
frequência ao olhar digital para saber se a bola triscou ou não a linha, Serginho
brilhou com defesas improváveis e recepções perfeitas.
A despeito da ferocidade do golpe
adversário, ele domava a bola, que desenhava uma suave parábola até chegar às
mãos do levantador.
Foi o líder de uma equipe que
tinha apenas quatro atletas com experiência olímpica.
Além dele próprio, o levantador
Bruno, o central Lucão e o oposto Wallace estiveram na campanha que ficou com a
prata em Londres 2012.
Com sua ascendência sobre o
grupo, Serginho levantou o moral nos momentos mais adversos da Rio 2016.
Depois de ter perdido a decisão
da Liga Mundial para a Sérvia a apenas três semanas da estreia no
Maracanãzinho, a equipe brasileira iniciou a competição insegura.
O que se viu no começo foi um
time claudicante, que na primeira fase perdeu para Estados Unidos e Itália, o
que acabou transformando o embate na última rodada contra a França em uma
decisão.
Uma derrota eliminaria o Brasil.
Foi então que Serginho atiçou o brio da turma.
“Sou como um paciente numa UTI. Preciso da ajuda de vocês para viver.
Essa é minha última chance”, disse ele.
As palavras do camisa 10 ajudaram
a motivar a equipe, que obteve uma vitória fundamental sobre os franceses.
Em virtude da infância pobre,
Serginho tem um percurso de vida mais afeito aos craques do futebol.
Seus pais eram lavradores em
Diamante do Norte, município paranaense de 5.500 habitantes na divisa com São
Paulo.
Foi lá que Serginho nasceu em 15
de outubro de 1975.
Seus pais se transferiram para a
capital paulista quando Serginho ainda era bebê.
Ele cresceu numa casa simples em
Pirituba, bairro distante do centro.
Na medida do possível, batalhava
para reforçar o orçamento doméstico.
Vendeu gelo e água sanitária, foi
empacotador de supermercado e trabalhou como office-boy.
Seu primeiro encantamento com o
vôlei se deu quando o Brasil ganhou a medalha de ouro na Olimpíada de
Barcelona, em 1992.
Após o ponteiro Marcelo Negrão
anotar o último ponto na decisão contra a Holanda, Serginho lembra que saiu
gritando pela rua.
Até então, ele apenas batia bola
na escola.
Decidido a construir o futuro nas
quadras, passou a treinar adoidado até se sentir confiante para encarar testes
de seleção em clubes.
Nesse início de trajetória,
atuava como atacante, apesar da altura conspirar contra.
Com 1,84 metro, estatura baixa
para o vôlei, tinha dificuldade para bloquear e cravar a bola do outro lado da
rede.
Ainda assim, foi aprovado no
Palmeiras e fez da perseverança o método para aprimorar seu talento.
Rodou por outros clubes paulistas
até que em 1998 aconteceria uma alteração nas regras do vôlei – que mudou sua
vida.
Foi criada a função do líbero,
jogador responsável pelas defesas do time e que não pode atacar.
Era uma novidade sob medida para
baixinhos habilidosos no fundo de quadra, e rapidamente Serginho se encontrou
na função.
Três anos depois, para sua
surpresa, teve sua primeira convocação para a seleção brasileira, dando início
a um roteiro de sucesso sem precedentes na equipe, cujo ciclo foi encerrado no
domingo passado.
Para evitar patrulhamentos, optou
por abandonar o apelido Escadinha, uma referência a um traficante carioca com
quem se dizia que ele era parecido.
O líbero aposentou a camisa 10
com a qual venceu 11 Copas do Mundo, Campeonatos e Ligas Mundiais.
Ele se diz cansado da rotina em
cativeiro, entre longos períodos dedicados a treinamento, concentração e
competição.
“Agora, quero levar meus filhos à escola, beber tubaína com os amigos,
comer o bolo de cenoura de minha mãe”, disse ele após o jogo, cercado dos
filhos: o estudante de arquitetura Marlon, de 19 anos, o talentoso aprendiz de
basquete Matheus, de 16, e o caçula Martin, de 8.
Quando se aposentar de vez –
segundo imagina, daqui a dois anos –, ele planeja se recolher no haras que
possui no município paulista de Jarinu.
Por enquanto, ainda tem de suar a
camisa por seu clube, o Sesi.
“Não aguento mais essa desgraça de jogar vôlei”, diz Serginho, com
o bom humor habitual, que tem o dom de transformar um ambiente.
Na quarta-feira passada, dia 24,
ele visitou a seleção paraolímpica de vôlei e se juntou ao grupo no
treinamento.
Em comum com eles, Serginho
lavrou no esporte uma história de talento e superação.
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