Imagem: Autor Desconhecido
Como jogadores se uniram e paralisaram o campeonato uruguaio para lutar
por condições melhores
Por Gabriela Chabatura, em Montevidéu para o site Trivela
Semifinal da Copa do Rei entre
Barcelona e Atlético de Madrid no estádio Camp Nou, dia 7 de fevereiro.
No polêmico clássico espanhol,
que terminou com três expulsões e o empate em 1 a 1, um gesto de solidariedade,
luta e resistência passou quase desapercebido diante dos olhares de milhares de
espectadores que acompanhavam a partida.
Poucos se atentaram ao encontro
entre os uruguaios Luis Suárez e Diego Godín, momentos antes de a bola rolar.
Parados na linha intermediária de
campo, ambos posaram para fotos segurando uma camiseta branca com a frase “Por nuestro futbol” (Pelo nosso
futebol, em tradução livre), acompanhada da hastag #MásUnidosaqueNunca.
Foi desta maneira que Suárez e
Godín avisavam ao mundo que um movimento liderado por atletas revolucionaria o
rumo do futebol uruguaio em prol de melhorias, transparência e independência.
Denominado “Más Unidos que Nunca” e composto por cerca de 900 jogadores
profissionais, o coletivo, sete meses depois da fatídica cena no Camp Nou,
mostrou a sua força e paralisou a 8º rodada do Torneio Clausura, que
aconteceria neste fim de semana.
Para compreender melhor a medida
extrema adotada pelos atletas, é preciso voltar ao tempo e resgatar um
importante episódio que ocorreu em 2016.
Liderada por jogadores da seleção
uruguaia, a primeira batalha foi travada (e vencida) contra a empresa Tenfield,
comandada pelo empresário Francisco “Paco” Casal.
Naquela ocasião, o plantel
celeste revelou um acordo entre a Tenfield e a Mutual Uruguaya de Futbolers
Profesionales (MUFP), o qual concedia à empresa de Paco os direitos de imagem
de todos os futebolistas da Celeste.
Após a exposição da polêmica
parceria e convocação de uma assembleia, o contrato foi rescindido.
Foi então que, em setembro do ano
passado, atletas que atuam no futebol local passaram a se interessar também
pelo assunto e, encabeçados por Matías Perez, consultaram alguns representantes
da seleção sobre a realização de encontros periódicos e pontos que deveriam ser
reclamados durante os protestos.
No primeiro compromisso, 12
capitães das principais equipes do país estiveram presentes e estabeleceram a
criação de um coletivo que uniria todas as lideranças do futebol uruguaio a
favor do seu desenvolvimento.
O “Más Unido que Nunca” já estava pronto para marchar.
A primeira iniciativa foi tornar
público o descontentamento com a atual administração da Mutual, que funciona
como um sindicato e é presidido pelo ex-jogador Enrique Saravia.
Para isso, o grupo se reuniu com
diretores na sede da associação e apresentou diversos pontos de discordância e
propostas para alterar as normativas do estatuto vigente.
A Mutual, por sua vez, reagiu
negativamente às mudanças e desencadeou o conflito que se arrasta até o
momento.
A resposta do MUQN veio com a
intensificação da luta contra o monopólio dos direitos de transmissão
televisivos e a greve como a última cartada para a solução do imbróglio.
Durante a última semana, os
jogadores saíram às ruas em Montevidéu e pediram a chamada de uma nova
assembleia em oposição à continuidade dos dirigentes das Comissões Diretiva e
Fiscal.
Eles apelam por novas eleições
por não se sentirem representados pela bancada.
“O paro atual significa ter uma garantia de que a comissão diretiva do
nosso grêmio convocará uma assembleia, conforme havíamos pedido, e reiterar a
nossa insatisfação pela grande diferença de interesses. 98% dos jogadores
profissionais reprovam a atual comissão diretiva e, por isso, tivemos de tomar
a decisão de convocar uma assembleia e parar o futebol uruguaio. Temos um
grande conflito, uma vez que não cumprem as regras da nossa associação”,
declarou Michael Etulain, goleiro do Danúbio e porta-voz do MUQN, em entrevista
à Trivela.
Segundo ele, a manifestação do
coletivo é o esforço de quem está preocupado com a realidade financeira do
futebol local e a precarização dos clubes.
“Entre as principais reivindicações estão o nível profissional do
futebol uruguaio, melhores e condições de trabalho a todos os atletas.
Esperamos que os clubes sejam profissionais, e que nós não terminemos com os
salários atrasados, com a deficiência da infraestrutura. O futebol uruguaio
gera aproximadamente 80 milhões de dólares por ano, e nós aqui não estamos à
altura do que gera”, justificou o jogador.
Para Etulain, a Associação
Uruguaia de Futebol (AUF) também está sendo prejudicada pelo atual cenário.
De acordo com os números
levantados pelo movimento MUQN, a entidade recebe apenas 13 milhões de dólares dos
80 milhões gerados pelo futebol no país, em decorrência à má distribuição da
venda dos direitos de transmissão dos jogos que organiza.
“Os direitos de televisão precisam ser bem negociados, e hoje
consideramos que estão sendo dados de presente. Isso prejudica tudo. Estimamos
que 60% dos clubes do futebol uruguaio possuem salários atrasados em dois ou
três meses, e outros que chegam a quatro ou cinco meses. Respaldados pelo
convênio coletivo da Mutual com a AUF, clubes chegam a pagar somente dois salários
e estão aptos a jogar seis meses”, acrescentou.
Na última quinta-feira (19), o
presidente da AUF, Wilmar Valdez se reuniu com o ex-presidente e atual senador
José Mujica, no bairro de Paso Molino, para pedir ajuda a ele na intermediação
de uma possível aliança entre os atletas e a Mutual.
Preocupado com a paralisação,
Mujica prometeu conversar com Enrique Saravia e “destravar” o atrito entre as
partes para que o campeonato possa ser reiniciado.
Caso ninguém decida ceder, a
greve deve se estender por tempo indeterminado.
Árbitro e treinadores se juntaram
ao coletivo e também suspenderam as suas atividades.
Como diria o herói uruguaio Jose
Gervasio Artigas, “eles não seguirão
vendendo o rico patrimônio a baixo preço da necessidade”.
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