terça-feira, janeiro 23, 2018

Campeã paralímpica procura data para morrer...

Imagem: El País


Campeã paralímpica procura data para morrer

Marieke Vervoort, atleta belga ouro nos 100m em Londres 2012, acelera os trâmites de sua eutanásia e reflete sobre qual dia fazê-la

Álvaro Sánchez de Bruxelas para o El País

O pêndulo emocional de Marieke Vervoort oscila quase à mesma velocidade de suas arrancadas olímpicas sobre o piso de uma pista de atletismo.

Chora emocionada enquanto lê uma carta que acaba de receber de Bart de Wever, o influente prefeito de Antuérpia, na Bélgica, acompanhada de uma garrafa de champanhe.

Ri estrepitosamente quando lembra com sua amiga Annie de Roeck de viagens passadas em Lanzarote, a ilha espanhola favorita para seus treinamentos, onde aproveitando que ao seu redor ninguém entendia o neerlandês – ou pelo menos era o que elas achavam –, um dia começaram a tecer sem rodeios comentários que em outro caso evitariam fazer em voz alta.

No quarto 208 do hospital de Diest, 60 quilômetros a oeste de Bruxelas, o ar não tem a densidade pesada da morte próxima.

É difícil adivinhar que se trata do refúgio em que uma antiga atleta de elite reflete sobre deixar de viver.

Sobre quando dizer a um médico que lhe aplique a eutanásia.

O pequeno Heden, de um ano engatinha de um lado para o outro.

Na sua altura, a sala tem a aparência de um animado quarto de jogos: bolas e bichos de pelúcia encontram-se espalhados pelo chão.

A inseparável cachorra de Marieke, treinada para detectar e avisar de seus ataques epiléticos, descansa em silêncio.

Pés que entram e saem em um incessante tráfego

Quando Heden se eleva nos braços de sua mãe, amiga de Marieke, a panorâmica é outra.

Aí está, na cama, cansado, mas não vencido, rodeado de cabos transparentes, o corpo de uma medalhista paraolímpica.

O corpo de Marieke Vervoort.

A atleta belga de 38 anos, afetada por uma doença degenerativa que a deixou na cadeira de rodas aos 20 anos, ostenta em sua história múltiplos recordes nacionais e europeus, vitórias em Mundiais, e quatro grandes metais: ouro e prata nos 100 e 200 metros de Londres 2012, e bronze e prata nos 100 e 400 metros das Paralimpíadas do Rio 2016, seu adeus definitivo às competições.

Meses antes de sua despedida esportiva no Brasil, divulgou que em 2008 assinou os documentos que lhe permitem solicitar a eutanásia quando o desejar.

Naquela época procurava tranquilidade para enfrentar seu previsível declínio físico.

Afugentar a tentação do suicídio.

Quando fosse necessário só teria de avisar o médico.

Esse momento chegou.

Longe de encorajá-la a dar o passo com maior rapidez, o documento ficou relegado à gaveta.

Mas uma década depois, o momento de receber a última injeção de sua vida, de data ainda desconhecida, está mais próximo do que nunca.

“Eu disse a minha mãe que quero esperar até depois de seu aniversário, em 27 de fevereiro, mas ela diz que eu devo decidir sem pensar nisso. Que eu não devo sofrer”.

Sua deterioração parece tão irreversível quanto vivaz é sua atitude.

Ela se queixa que está despenteada, dá sonoros beijos nos visitantes, come chocolates de uma sacola vermelha e os oferece a torto e a direito, brinca com o pequeno Heden, abraça sua cachorra.

E não se refugia na introspecção reflexiva de quem prevê que o fim está próximo.

Fala, fala e fala.

Com Eddy Peeters, o homem que durante meses a levou em seu carro para treinar, a erguia nos braços para colocá-la em sua cadeira de competição e depois a fotografava em pleno esforço.

Com sua mãe, Odette Pauwels, a de aparência mais consternada na sala.

“Não quero perdê-la, mas também não quero que sofra tanto. Respeitamos sua decisão. Sim, querida? Quando chegar o momento terei medo. Não sei como irei reagir”.

Com Annie de Roeck, 58 anos, amiga desde que Marieke, quando garota, se inscreveu em aulas de natação em que ela era professora.

A doença ainda não havia surgido e ela vivia para o esporte: nadava, pedalava, esquiava e fazia jiu-jitsu, onde chegou à faixa marrom.

De Roeck, antes sua monitora, agora confidente, é cúmplice de suas características brincadeiras.

“Ontem à noite levamos ao quarto do hospital uma garrafa de álcool, mesmo sendo proibido”, sussurram orgulhosas de sua travessura.

Também é um de seus grandes apoios.

“Quando ela se sente muito mal de noite, me liga e durmo com ela em sua casa”, conta.

“Mas nada de sexo!”, intervém Marieke enquanto as duas gargalham, rompendo a atmosfera de dramatismo.

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