domingo, maio 13, 2018

Da minha alma... Daniel Alves.

Imagem: Franck Fife/AFP


Da minha alma

Do The Players Tribune

Por Daniel Alves

Quando eu senti a dor no meu joelho, minha alma saiu do meu corpo.

Eu soube a partir do momento que eu caí no gramado que eu não ia conseguir estar no avião para a Copa do Mundo.

No vestiário, os médicos do PSG me disseram que nós teríamos de esperar até o dia seguinte para obter os resultados de alguns exames, mas eu já sabia no meu coração que estava acabado.

Todos apareceram comemorando com a Copa da França, e eu não quis demonstrar nenhuma emoção negativa para os meus colegas de equipe – se você conhece o Dani Alves, sabe que eu sou um cara feliz pra c***alho – então, eu estava sorrindo e tentando aproveitar.

Mas todos conseguiam ver pela expressão dos meus olhos que alguma coisa estava errada.

Eu só chorei uma vez, e foi quando estava sozinho. E deixa eu dizer coisa – eu não quero ninguém chorando por mim.

Eu não quero que ninguém sinta pena de mim.

Tenho vivido os meus sonhos.

Dani Alves não vai pra Copa do Mundo da Rússia, mas é um cara feliz pra c***alho!.

Vou assistir ao Brasil do mesmo jeito que costumava assistir quando era um moleque na roça.

Só que a minha TV será muito maior desta vez.

Agora, eu contei pra você antes como cresci dormindo numa cama de concreto.

Eu contei para você como eu costumava acordar às cinco da manhã para ajudar meu pai a pulverizar pragas lá na roça e então pedalar 10 quilômetros até a escola.

Muitas pessoas depois que leram a minha história me disseram, “porra, Dani, isso é triste. Era difícil para você!”

Mas, não, cara, comparada a muitas pessoas na minha cidade, era da hora.

Meu pai batalhava na roça com a plantação de beterraba e frutas, e ainda tinha o bar que ele cuidava à noite, então a gente tinha um dos únicos aparelhos de TV na região.

Era uma pequena TV com palha de aço amarrada em volta da antena para pegar os canais de longe.

Eu acho que era dos anos 1970.

A imagem ficava muito bagunçada, também, mas funcionava.

A não ser nos dias nublados – daí a gente estava ferrado.

Meu pai era doente por futebol.

Ele era obcecado, então a TV era tudo para ele.

Isso fez dele uma espécie de prefeito da cidade.

Eu me lembro que, durante a Copa de 1994, a nossa casa era como o centro do mundo.

O país inteiro ficava paralisado por quatro semanas, e ninguém na nossa cidade tinha lugar pra ir ver os jogos, então todo mundo vinha até nossa casa.

Tipo, todo mundo.

Era como se a casa se tornasse em um mini-estádio de futebol.

Imagine 50 pessoas em volta de uma TV pequena, berrando, gritando e fazendo a festa.

O que é engraçado é que, no Brasil, a gente sempre escuta sobre as crianças que crescem pintando as ruas de verde e amarelo, certo?

Bem, a gente era da roça, do interior, do meio do nada.

Então, nós não tínhamos ruas para pintar!

A gente teria de pintar a lateral de uma vaca ou coisa do tipo.

Então, em vez disso, nós trouxemos a festa para nossas casas.

Todas as casas tinham bandeiras do Brasil espalhadas em todo lugar.

Essa era a cena na nossa casa em 1994.

Tempo de festa, mano.

Quando os jogos começavam, era como se nós estivéssemos no campo, de verdade.

Na Inglaterra, na França, na Alemanha, eles amam futebol, sim.

Mas eles são apenas torcedores.

Eles são apaixonados, mas estão só assistindo.

No Brasil, nós não estávamos apenas assistindo.

Nós estávamos jogando, você entende o que eu estou dizendo?

Eu percebi a diferença quando eu tinha 10 anos de idade, vendo o Cafu e o Romário naquela TV pequena.

Quando eles atacam, nós atacamos com eles.

Quando eles defendem, nós defendemos com eles.

Nós cruzamos os nossos dedos, nós ficamos tensos, nós suamos, como se nós estivéssemos jogando.

No Brasil, as pessoas dizem que o futebol é tipo de experiência religiosa.

Mas é muito mais parecido com uma experiência física.

Eu costumava ficar tão nervoso assistindo que eu não conseguia ficar sentado, então eu pegava uns baldes de fertilizantes do celeiro, me sentava e um deles e então eu começava a batucar com minhas mãos o outro balde, e aí eu fazia com que todo mundo começasse a cantar.

A Copa do Mundo era uma coisa de outro mundo.

Tudo parava.

O Brasil inteiro estava unido, vivendo cada momento um com o outro.

No Brasil, as pessoas sabem muito bem da classe social à qual elas pertencem, sabe?

Mas durante a Copa do Mundo você tem gente da classe alta e da classe baixa – de repente, não interessa.

É como se, por quatro semanas, todos nós colocássemos a camisa da Seleção Brasileira, e todos fôssemos a mesma pessoa.

Me lembro de ter sentido isso pela primeira vez em 1994, e eu disse:

“Eu quero viver o que o Romário está vivendo. Eu quero estar naquela TV, usando essa camisa amarela”.

Eu consegui viver esse sonho a partir dos meus 18 anos de idade.

Eu usei essa camisa amarela de verdade.

Eu dei o sangue pelo meu país.

Agora, nesta Copa do Mundo, eu vou pro ataque com toda a nação brasileira.

Acredito que esse time pode ganhar a taça.

Nós temos o talento e as estrelas, e, o mais importante, nós temos um maestro.

Tite tem conseguido criar um ambiente incrível desde que assumiu a Seleção Brasileira, e ele mostrou aos jogadores que nós não podemos ser solistas.

Nós temos de estar em perfeita harmonia para alcançar os nossos sonhos.

Eu tenho jogado pela Seleção Brasileira por 12 anos, e esta é a conexão mais forte que nós já tivemos – na organização, na estrutura, nas ideias, em tudo.

Nós temos uma boa mescla de jogadores jovens, como Gabriel Jesus e Philippe Coutinho, com jogadores mais experientes que se lembram da mágoa da última Copa do Mundo e querem fazer as coisas direito dessa vez.

Eu não me considero um veterano. Como vocês podem ver, meu espírito tem 13 anos de idade.

Quem sabe, quando a Copa do Mundo de 2022 estiver próxima, eu ainda vou estar lutando por um espaço no time.

Meu corpo estará com 39 anos, mas meu espírito terá completado 17.

Sabe, eu conto uma história aos meus colegas de time, e é essa história que eu vou deixar para vocês…

Quando nós ganhamos a Champions League pelo Barcelona em 2015, muitas pessoas duvidavam que nós poderíamos repetir a tríplice coroa.

Mas nós, os jogadores, acreditávamos um no outro, e quando nós batemos a Juventus na decisão, eu corri até o Adriano depois do apito final.

Eu olhei para ele, e ele olhou para mim, e nós começamos a gritar, tipo berrando.

Nós não sabíamos o que fazer.

Ahhhhhhhhhhh!

Depois, eu olhei para as filmagens, e fiquei tipo:

“Que que eu estava fazendo, mano?” Parecia ridículo. Mas nós não conseguíamos fazer outra coisa. Nós estávamos envolvidos por uma emoção que eu não consigo explicar. Nós gritávamos, “Ahhhhhhhh, c***alho! Pqp, nós conseguimos de novo!”

O que é essa sensação?

É a sensação de ser criança.

Você não consegue dizer nenhuma palavra.

Você só pode gritar.

Se nós ganharmos a Copa do Mundo, eu não vou sair gritando.

Pela primeira vez, eu prometo, ficarei calado.

Não haverá palavras de Dani Alves.

Eu não vou dizer nada.

Eu só estarei chorando.

Pinçado do Blogue do Paulinho

Nenhum comentário: