terça-feira, fevereiro 12, 2019

A seleção da Copa de 1970 e Fuscas do Maluf...

Imagem: Gazeta Press

A Seleção do Tri e os Fuscas do Maluf

Paulo Maluf presenteou aos jogadores e à comissão técnica do Tricampeonato da Copa do Mundo com Fuscas. Detalhe: todos comprados com dinheiro público, bem ao estilo ‘Maluf’ de ser.

Por Pedro Henrique Brandão Lopes, do Universidade do Esporte.

O início dos anos 1970, foi um período bastante conturbado no Brasil.

A Seleção Brasileira, como símbolo máximo da maior expressão popular do brasileiro, não passaria ilesa ou distante do caos.

Antes da Copa do Mundo do México, o selecionado tupiniquim não era visto como favorito ao título, Pelé era questionado e ingratos torcedores ousavam chamar a realeza de “velho”, “lento” e até, não se assuste, “gordo”.

No Brasil, futebol e política não apenas se misturam como nunca se separam, neste sentido, João Saldanha no comando técnico da Seleção era mais uma generosa tentativa de apagar fogo com gasolina.

Ora, um comunista declarado dirigindo o maior instrumento de marketing de uma ditadura militar?

Sim, mais uma anedota da série: coisas que só acontecem no Brasil.

O fato é que os milicos nunca aceitariam um comuna campeão do mundo, afinal era evidente que aquelas Feras conquistariam o mundo.

Saldanha também não deixava por menos, mandando o ditador escalar o ministério enquanto ele, João, escalava a seleção.

Era a brecha que o regime queria.

Saldanha demitido e caminho livre para a propaganda política usando o Tricampeonato Mundial como pano de fundo.

O jogo decisivo contra a Itália aconteceu em 21 de junho de 1970, decretando a glória do futebol brasileiro como o maior vencedor da história do esporte, a conquista definitiva da Taça Jules Rimet e o sentimento de que o brasileiro, enfim, era o melhor do mundo em alguma coisa, o “complexo de vira-latas” estava morto e sepultado embaixo de três Copas do Mundo.

Para celebrar o fato de que “com o brasileiro não há quem possa”, Paulo Maluf, então prefeito de São Paulo, indicado pelo ditador Arthur Costa e Silva, em abril de 1969, e que anos mais tarde seria imortalizado por Leonel Brizola como o “filhote da ditadura”, decidiu presentear aos 22 jogadores e à comissão técnica com 25 Fuscas verdes-musgo.

A cerimônia de entrega aconteceu no Parque do Ibirapuera, em 21 de julho, exatamente no aniversário de um mês da conquista, Maluf passou às mãos de cada Tricampeão as chaves dos Fuscas zero quilômetro e comprados com dinheiro público.

Em uma sessão da Câmara, no dia 3 de julho, dias após o Brasil vencer a Copa, 10 eufóricos torcedores/vereadores, dos 17 que a cidade de São Paulo tinha a época, aprovaram a lei pedida pelo prefeito que liberou os CR$ 315.000,00 para a compra dos carros.

Na tampa do porta-malas, os jogadores podiam ver um buquê de rosas e no para-brisa traseiro o slogan do regime “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

O que Maluf não esperava aconteceu, um advogado percebeu, apesar de parecer óbvio, que os Fuscas haviam sido pagos com dinheiro público e que aquilo em nada beneficiava a população, decidiu então acionar a justiça.

Virgílio Egydio Lopes Enei foi o advogado que moveu a ação contra Maluf, acusando o prefeito de lesar o erário.

Em 1974, houve uma condenação em primeira instância que obrigava o político a ressarcir os cofres públicos.

Por muito tempo esta foi a única condenação de Paulo Maluf que ficou famoso pelo bordão “rouba, mas faz”.

Como de costume, e quase como um talento nato de Maluf, o processo se arrastou escorado em recursos e embargos infringentes que prolongaram a disputa judicial por estarrecedores 36 anos.

José Virgílio, filho do advogado que processou Maluf, disse que seu pai moveu a ação como forma de protesto contra a ditadura e dá a ideia do tempo absurdo que o processo levou até uma decisão final:

“Eu nem era nascido no início do processo, mas demorou tanto que, décadas depois, me formei advogado, e ainda trabalhei no caso, no início dos anos 2000”.

Finalmente em 2006, uma decisão definitiva, mas não com o final mais justo possível: Paulo Maluf foi absolvido.

O STF considerou que a lei que autorizou o pagamento dos carros na época era constitucional e extinguiu o processo sem que o político precisasse devolver o dinheiro.

Os jogadores são contundentes quando dizem que não sabiam que dinheiro público foi usado para pagar os carros.

Mesmo negando veementemente saber a origem do dinheiro, alguns se pronunciaram anos depois, como Tostão, que refletiu sobre a premiação:

“Com o tempo, amadureci, entendi e aprendi que dinheiro público não pode ser distribuído para quem quer que seja”.

Apesar de no dia da cerimônia de entrega todos saírem com o Fusca dizendo que não se desfariam do prêmio porque “presente não se vende”, muitos jogadores acabaram vendendo o carro pelos mais variados motivos.

Baldochi, contou que vendeu por achar o carro pequeno, o zagueiro reserva no Tri, tem 1,89 de altura.

Já Piazza vendeu para investir em um posto de gasolina.

Dadá Maravilha foi mais um dos que se desfizeram do prêmio para embolsar a grana, não sem antes registrar de maneira divertida o “motivo” da venda:

“Para que ficar com ele se eu tenho mais troféus do que glóbulos vermelhos e brancos juntos?”

Quase 50 anos depois do Tri no México, praticamente não há registro de remanescentes dos Fusquinhas do Maluf.

A única prova material do que fez Paulo Maluf está em uma garagem no litoral paulista.

É o fusquinha dado a Zé Maria, lateral-direito e reserva de Carlos Alberto Torres, ou pelo menos, partes daquele fusquinha.

O Super Zé conta que na época nem sabia dirigir e foi seu pai quem saiu do Ibirapuera guiando o carro. Dois meses depois seu irmão Tuta, ex-ponta de Corinthians e Ponte Preta, capotou o fusquinha na rodovia Anhanguera e acabou com o prêmio.

“Fiquei uma fera. O carro estava novinho e meu irmão destruiu ele todo! Um mecânico de Limeira “transplantou” as peças para o Fusca 1967. Tô com ele até hoje, é opção para o rodízio. Não tem carro mais econômico.”

Mesmo agindo errado, por interesses propagandistas do regime e com dinheiro público que deveria ser usado em prol da população, Paulo Maluf foi, durante muitos anos, o único homem público a reconhecer de alguma maneira o feito desses homens que levaram o nome Brasil mundo afora e trouxeram tantas alegrias ao povo brasileiro.

Não precisava ser dessa forma, não precisava manchar a história.

De qualquer forma, é mais um capítulo do futebol nosso de cada dia.


Imagem: Divulgação

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