quinta-feira, maio 16, 2019

Permanercer como estamos ou tornar nossos clubes empresas?

Imagem: Will Oliver/EPA


Você nunca caminhará só — mesmo que tenha dono

Do blog do Juca Kfouri

Por Rodrigo R. Monteiro de Castro

A arcaica estrutura do futebol brasileiro, mantida pelo dogma de que se trata de um bem inalienável, a ser protegido pelos clubes associativos, explica, em grande parte, o desnível em relação ao futebol europeu.

Falar de futebol europeu, de modo generalizado, exige algum cuidado, pois, ali, se admira, na verdade, o futebol mundial.

Todos os times minimamente importantes contam com jogadores estrangeiros e formam, de acordo com as suas condições financeiras, espécies de seleções.

Mas eles têm outro elemento comum (em sua grande maioria): a substituição do modelo de propriedade da atividade futebolística, que se deslocou dos clubes para empresas.

O início do processo, por lá, também teve seus traumas.

A percepção de que "time é coisa coletiva, não mercadoria de um torcedor só, ou de dois", conforme as palavras de João Moreira Salles, não é um fenômeno apenas brasileiro.

A diferença é que ela (a percepção) foi superada e o dogma deu lugar ao que se pode chamar de modernidade.

Aliás, a percepção, de certo modo ingênua a respeito da natureza da propriedade do futebol, revelada na afirmação de João Moreira Salles, turva a compreensão da realidade: os times, no Brasil, não pertencem aos torcedores – ou ao povo.

Ao contrário, há décadas estão todos, com raríssimas exceções, sequestrados por uma casta que, justamente ela, resiste à abertura e se beneficia com a transformação do jogador de bola em commodity.

Essa é, infelizmente, a função atual do País no cenário do futebol: exportador de matéria-prima para transformação em produto de ponta.

Essa inversão histórica gera outro efeito perverso: a importação do produto estrangeiro, de qualidade muito superior.
A qualidade está necessária e definitivamente vinculada à captação e à geração de recursos para financiamento da empresa futebolística (nela incluídos todos os seus elementos, como jogadores, time, arena, uniformes etc).

O AFC Ajax, por exemplo, um dos semifinalistas da liga dos campeões, é uma companhia cujas ações são negociadas em bolsa de valores (Euronext).

A composição do capital, conforme informações públicas, é a seguinte:

Vereniging AFC Ajax
13,383,332
73.0%
NN Investment Partners BV
970,123
5.29%
Invesco Asset Management Ltd.
914,834
4.99%
Richard Strating
551,667
3.01%
I E Strating
551,667
3.01%
Fischedick Monique Catharina Maria Strating-schulte
551,666
3.01%
Dimensional Fund Advisors LP
14,571
0.080%
O Tottenham Hotspur Limited, um dos finalistas da liga, também é uma companhia, controlada por outra empresa, denominada Enic International Limited.

A Enic detém 85,55% do capital do Tottenham.

 Já o capital da Enic é detido por Joe Lewis (70,6%) e por Daniel Levy e certos membros de sua família (29,4%).

Daniel Levy exerce, também, a função de "presidente".

O outro finalista da liga, o Liverpool Football Club and Athletic Grounds limited, não foge à regra: é uma empresa, controlada pelo Fenway Sports Group. Detêm participações no grupo controlador uma série de investidores, dentre os quais John Henry, Tom Werner e Mike Gordon (que integram, também, a administração).

O fato desses times terem donos não abalou a paixão e a fidelidade dos torcedores.

Em certos casos, ao contrário, times sem tradição ou perspectiva de conquistas, tornaram-se superpotências.

O maior exemplo é o Manchester City.

Vendido em 2008 ao Abu Dhabi United Group, deixou o papel de coadjuvante no passado e se tornou um dos principais protagonistas do futebol inglês (e mundial): levando-se em conta apenas os campeonatos realizados desde 1998, após nenhum título nas temporadas de 1998/1999 a 2010/2011, venceu 4 vezes nas temporadas de 2011/2012 a 2018/2019, sendo o atual bicampeão da Premier League.

Aparentemente, os torcedores desses times não os abandonaram pelo fato de terem donos.

O orgulho, ao que parece, nunca foi tão intenso.

Eles jamais deixaram seus times caminharem sós.

Enquanto isso, no Brasil, ainda se luta a guerra do convencimento de que a regulação do novo mercado do futebol, para viabilizar a atração de investimentos, não implicará um ato de entreguismo.

Pobre Brasil.

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