Imagem: Autor Desconhecido
Na Guerra das Malvinas, um ‘espião’ argentino na Terra da Rainha
Osvaldo Ardiles foi um craque reverenciado por onde passou até que a
Guerra das Malvinas estourou.
O argentino jogava no Tottenham quando o governo militar de seu país
invadiu a ilha e declarou guerra aos britânicos.
A reação da torcida inglesa foi vaiar o ídolo.
Ardiles não se importou e classificou os Spurs à final da Copa da
Inglaterra.
Por Pedro Henrique Brandão Lopes
Ardiles foi revelado no Instituto
de Córdoba, em 1973, clube da cidade onde nasceu 19 anos antes.
Ao se destacar no pequeno clube,
o meia se transferiu ao Belgrano em 1974 e no ano seguinte foi contratado pelo
Club Atlético Huracán.
No clube da capital, conseguiu
sua primeira convocação à Seleção Argentina logo em sua temporada de estreia,
ainda em 1975, e não parou de jogar com a camisa alviceleste até se aposentar.
Foi jogando pela seleção que o
jogador foi campeão na Copa do Mundo de 1978 e alcançou destaque mundial
despertando o interesse de clubes da Europa.
O Tottenham foi o clube que
apostou na contratação de Ardilles.
O meia que era apelidado de Píton
na Argentina, virou Ossie na chegada a Inglaterra e com o carinhoso apelido,
Ossie virou um dos pilares do bom time dos Spurs do início dos anos 1980.
Pelas ótimas atuações nos 311
jogos que fez com a camisa do Tottenham nas duas passagens que teve pelo time
do agora eterno White Hart Lane, Ardiles tornou-se ídolo inconteste da torcida.
Mas quando a Guerra das Malvinas
estourou entre argentinos e britânicos pelo controle das ilhas ao sul do
Atlântico, em abril de 1982, toda a idolatria da torcida do Chirpy, desapareceu
na mesma proporção e velocidade em que as bombas e tiros eram trocados no
arquipélago.
Chamada de Falklands pelos
ingleses, as ilhas estão localizadas ao sul da Argentina.
O país sul-americano reivindicou
o arquipélago que ainda conta com a Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, como
território argentino.
Desde 1833, as ilhas são
dominadas pelo Reino Unido e mesmo que tenha havido interesse econômico no
território pela caça às baleias, em 1982 com a proibição da atividade, a
disputa era meramente de orgulho nacional.
Como a Argentina vivia uma
ditadura militar com forte sentimento nacionalista, a tomada das ilhas foi
considerada uma questão de honra pelos militares e um ótimo modo para desviar a
atenção da opinião pública dos grandes problemas econômicos gerados pelo
esgotamento do modelo de gestão econômica do regime.
Mas é claro que a declaração de
guerra com a invasão dos militares argentinos no território dominado pelos
britânicos não repercutiu bem na Inglaterra.
Argentinos se tornaram personas
non gratas em solo britânico.
Esse sentimento não poupou
ninguém, sequer o ídolo dos Spurs.
A operação que deu início ao
conflito foi ordenada pelo ditador Leopoldo Galtieri e aconteceu na noite do
dia primeiro de abril.
Na manhã de 2 abril de 1982, 92
mergulhadores argentinos renderam os poucos homens da tropa de defesa britânica
e abriram caminho para que as forças argentinas tomassem Stanley, a capital da
ilha.
As bombas atiradas na ilha,
explodiram no Reino Unido e a resposta de Margaret Thatcher, a primeira
ministra inglesa conhecida como a Dama de Ferro, foi rápida com tropas
britânicas enviadas imediatamente ao arquipélago.
Estava declarada a Guerra das
Malvinas, um conflito que matou mais de 900 combatentes dos dois exércitos e
durou pouco mais de 2 meses.
No dia seguinte, 3 de abril de
1982, o Tottenham entrou em campo pela seminal da FA Cup.
O adversário era o Leicester City
e Ardilles foi vaiado monumentalmente pelas duas torcidas ao entrar em campo no
Villa Park.
O meia argentino foi taxado como
espião pelos torcedores ingleses.
Toda a raiva pela guerra foi
descontada no jogador.
Ardilles não se abalou com a
batalha das Malvinas que lutou sozinho em solo inglês.
Ouviu as vaias, jogou como sempre
e foi decisivo como nunca.
Deu assistência para gol e fez
uma belíssima exibição que foi decisiva para levar o Tottenham à final da FA
Cup daquele ano em que seria campeão.
Ao apito final, depois de vaiar
Osses durante 90 minutos, a torcida dos Spurs se rendeu ao talento de Ardilles
e promoveu uma cena inesperada: em plena Guerra das Malvinas, milhares de
ingleses gritavam ‘Argentina’ dentro de um estádio na capital da Terra da
Rainha.
Porém aquela seria a última
partida de Ardilles em sua primeira passagem no Tottenham.
O meia viajou à Argentina no dia
seguinte para se apresentar à seleção de seu país que se preparava para o
Mundial de 1982.
No retorno de Ardilles da Copa do
Mundo, a Guerra das Malvinas havia terminado.
A Inglaterra foi declarada
vencedora do conflito e permaneceu com a posse do arquipélago.
Tal resultado desencadeou reações
no campo político e do futebol.
Na política, a primeira ministra
Margaret Thatcher, saiu fortalecida do conflito como líder da vitória inglesa,
o que alavancou sua reeleição em 1983.
A derrota argentina foi dolorosa
para o povo que perdeu muitos jovens soldados, mas contribuiu muito para a
queda do regime militar pela insatisfação popular que permitiu a volta da
democracia no país.
Para Osses o conflito também teve
efeitos após o término. Mesmo sem o estado de guerra o jogador pediu para ser
emprestado e sair da Inglaterra.
Em 2011, numa entrevista à
revista El Gráfico, Osse lembrou como era o clima para um argentino na Inglaterra:
“Havia terminado o mundial e a guerra, mas a imprensa fazia tudo muito
difícil. Para a argentina, eu era um traidor; para a inglesa, um espião. Tudo o
que dizia era olhado com 20 lupas e se interpretava mal, então pedi ao clube
que me transferisse. O técnico não queria saber de nada. O presidente me disse
que fosse à argentina e que quando estivesse bem, voltasse. Eu não podia ficar
parado”.
Ardilles ficou malvisto (como
todos os hermanos na Inglaterra) e ao final da temporada se transferiu por
empréstimo ao Paris Saint-Germain, onde ficou apenas um ano e, com os ânimos
serenados, voltou aos Spurs em 1984 para confirmar a idolatria no clube em que
jogaria até 1987 e ainda conquistaria mais uma FA Cup e uma Copa da UEFA.
Imagem: Autor Desconhecido
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