sexta-feira, maio 17, 2019

Na Guerra das Malvinas, um ‘espião’ argentino na Terra da Rainha...

Imagem: Autor Desconhecido

Na Guerra das Malvinas, um ‘espião’ argentino na Terra da Rainha

Osvaldo Ardiles foi um craque reverenciado por onde passou até que a Guerra das Malvinas estourou.

O argentino jogava no Tottenham quando o governo militar de seu país invadiu a ilha e declarou guerra aos britânicos.

A reação da torcida inglesa foi vaiar o ídolo.

Ardiles não se importou e classificou os Spurs à final da Copa da Inglaterra.

Por Pedro Henrique Brandão Lopes

Ardiles foi revelado no Instituto de Córdoba, em 1973, clube da cidade onde nasceu 19 anos antes.

Ao se destacar no pequeno clube, o meia se transferiu ao Belgrano em 1974 e no ano seguinte foi contratado pelo Club Atlético Huracán.

No clube da capital, conseguiu sua primeira convocação à Seleção Argentina logo em sua temporada de estreia, ainda em 1975, e não parou de jogar com a camisa alviceleste até se aposentar.

Foi jogando pela seleção que o jogador foi campeão na Copa do Mundo de 1978 e alcançou destaque mundial despertando o interesse de clubes da Europa.

O Tottenham foi o clube que apostou na contratação de Ardilles.

O meia que era apelidado de Píton na Argentina, virou Ossie na chegada a Inglaterra e com o carinhoso apelido, Ossie virou um dos pilares do bom time dos Spurs do início dos anos 1980.

Pelas ótimas atuações nos 311 jogos que fez com a camisa do Tottenham nas duas passagens que teve pelo time do agora eterno White Hart Lane, Ardiles tornou-se ídolo inconteste da torcida.

Mas quando a Guerra das Malvinas estourou entre argentinos e britânicos pelo controle das ilhas ao sul do Atlântico, em abril de 1982, toda a idolatria da torcida do Chirpy, desapareceu na mesma proporção e velocidade em que as bombas e tiros eram trocados no arquipélago.

Chamada de Falklands pelos ingleses, as ilhas estão localizadas ao sul da Argentina.

O país sul-americano reivindicou o arquipélago que ainda conta com a Geórgia do Sul e Sandwich do Sul, como território argentino.

Desde 1833, as ilhas são dominadas pelo Reino Unido e mesmo que tenha havido interesse econômico no território pela caça às baleias, em 1982 com a proibição da atividade, a disputa era meramente de orgulho nacional.

Como a Argentina vivia uma ditadura militar com forte sentimento nacionalista, a tomada das ilhas foi considerada uma questão de honra pelos militares e um ótimo modo para desviar a atenção da opinião pública dos grandes problemas econômicos gerados pelo esgotamento do modelo de gestão econômica do regime.

Mas é claro que a declaração de guerra com a invasão dos militares argentinos no território dominado pelos britânicos não repercutiu bem na Inglaterra.

Argentinos se tornaram personas non gratas em solo britânico.

Esse sentimento não poupou ninguém, sequer o ídolo dos Spurs.

A operação que deu início ao conflito foi ordenada pelo ditador Leopoldo Galtieri e aconteceu na noite do dia primeiro de abril.

Na manhã de 2 abril de 1982, 92 mergulhadores argentinos renderam os poucos homens da tropa de defesa britânica e abriram caminho para que as forças argentinas tomassem Stanley, a capital da ilha.

As bombas atiradas na ilha, explodiram no Reino Unido e a resposta de Margaret Thatcher, a primeira ministra inglesa conhecida como a Dama de Ferro, foi rápida com tropas britânicas enviadas imediatamente ao arquipélago.

Estava declarada a Guerra das Malvinas, um conflito que matou mais de 900 combatentes dos dois exércitos e durou pouco mais de 2 meses.

No dia seguinte, 3 de abril de 1982, o Tottenham entrou em campo pela seminal da FA Cup.

O adversário era o Leicester City e Ardilles foi vaiado monumentalmente pelas duas torcidas ao entrar em campo no Villa Park.

O meia argentino foi taxado como espião pelos torcedores ingleses.

Toda a raiva pela guerra foi descontada no jogador.

Ardilles não se abalou com a batalha das Malvinas que lutou sozinho em solo inglês.

Ouviu as vaias, jogou como sempre e foi decisivo como nunca.

Deu assistência para gol e fez uma belíssima exibição que foi decisiva para levar o Tottenham à final da FA Cup daquele ano em que seria campeão.

Ao apito final, depois de vaiar Osses durante 90 minutos, a torcida dos Spurs se rendeu ao talento de Ardilles e promoveu uma cena inesperada: em plena Guerra das Malvinas, milhares de ingleses gritavam ‘Argentina’ dentro de um estádio na capital da Terra da Rainha.

Porém aquela seria a última partida de Ardilles em sua primeira passagem no Tottenham.

O meia viajou à Argentina no dia seguinte para se apresentar à seleção de seu país que se preparava para o Mundial de 1982.

No retorno de Ardilles da Copa do Mundo, a Guerra das Malvinas havia terminado.

A Inglaterra foi declarada vencedora do conflito e permaneceu com a posse do arquipélago.

Tal resultado desencadeou reações no campo político e do futebol.

Na política, a primeira ministra Margaret Thatcher, saiu fortalecida do conflito como líder da vitória inglesa, o que alavancou sua reeleição em 1983.

A derrota argentina foi dolorosa para o povo que perdeu muitos jovens soldados, mas contribuiu muito para a queda do regime militar pela insatisfação popular que permitiu a volta da democracia no país.

Para Osses o conflito também teve efeitos após o término. Mesmo sem o estado de guerra o jogador pediu para ser emprestado e sair da Inglaterra.

Em 2011, numa entrevista à revista El Gráfico, Osse lembrou como era o clima para um argentino na Inglaterra:

“Havia terminado o mundial e a guerra, mas a imprensa fazia tudo muito difícil. Para a argentina, eu era um traidor; para a inglesa, um espião. Tudo o que dizia era olhado com 20 lupas e se interpretava mal, então pedi ao clube que me transferisse. O técnico não queria saber de nada. O presidente me disse que fosse à argentina e que quando estivesse bem, voltasse. Eu não podia ficar parado”.

Ardilles ficou malvisto (como todos os hermanos na Inglaterra) e ao final da temporada se transferiu por empréstimo ao Paris Saint-Germain, onde ficou apenas um ano e, com os ânimos serenados, voltou aos Spurs em 1984 para confirmar a idolatria no clube em que jogaria até 1987 e ainda conquistaria mais uma FA Cup e uma Copa da UEFA.


 Imagem: Autor Desconhecido

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