Imagem: Autor Desconhecido
Há 60 anos, a maior vaia da história do Maracanã
Quando o público presente no estádio Mário Filho,
ouviu o nome de Julinho Botelho escalado no lugar de Garrincha, recém campeão
do mundo, a reação foi uma estrondosa vaia ao substituto a à ausência do Anjo
das Pernas Tortas.
Julinho não se abateu e, em apenas 7 minutos,
transformou vaias em aplausos com gol e uma atuação deslumbrante.
Por Pedro Henrique Brandão Lopes
Depois de
vencer a Copa do Mundo pela primeira na história, no estádio Rasunda, em
Estocolmo, no dia 29 de junho de 1958, a Seleção Brasileira demorou quase um
ano para se apresentar em solo brasileiro novamente.
A data
escolhida foi o dia 13 de maio de 1959 e como adversário para a partida
amistosa, uma simbólica escolha: a Inglaterra.
Justamente a
única seleção que o Brasil não havia vencido no Mundial do ano anterior.
Na Copa de
58, Brasil e Inglaterra caíram no mesmo grupo junto a Áustria e União
Soviética.
Na estreia
frente aos austríacos, o time brasileiro venceu até com certa facilidade por 3
a 0.
Mas ao
enfrentarem os ingleses, as dificuldades surgiram e o placar fiou no 0 a 0.
O que poderia
ser ruim para o ânimo dos atletas e torcedores, foi um incentivo para a
campanha em busca da primeira Copa do Mundo.
Por conta do
empate e do desempenho abaixo do esperado, principalmente no setor ofensivo,
Vicente Feola promoveu duas mudanças no time.
Saíram De
Sordi e Dida para entrarem Pelé e Garrincha.
Já com a
dupla que faria a Seleção nunca perder um jogo com os dois em campo, na partida
seguinte, o Brasil despachou os soviéticos e seu futebol científico.
Juntos, os
camisas 10 e 11, infernizaram defesas durante o torneio e não é segredo para
ninguém o final dessa história: Brasil campeão do mundo pela primeira vez e
adeus complexo de vira-latas.
A festa no
Brasil foi um carnaval fora de época.
A recepção aos
atletas, digna de uma recepção real aconteceu com o povo abraçando os novos
heróis nacionais.
Mas todas
essas festividades aconteciam com os jogadores vestindo terno e posando para
fotos.
Nunca do
jeito que conquistaram o mundo, de chuteiras nos gramados fazendo magia com a
bola.
O povo queria
festejar seus ídolos em campo, por isso, o amistoso foi marcado.
Os ingleses
além de carimbarem a campanha do título mundial brasileiro, estavam invictos
contra o Brasil.
Até aquele 13
de maio, aconteceram dois jogos entre os inventores do futebol e o povo que
aperfeiçoou o esporte bretão, com uma vitória do Time da Rainha e o empate
‘oxo’ na Copa.
Claro que as
sensações da campanha brasileira na Copa do Mundo, como Garrincha e Pelé, eram
os preferidos do público e quem foi ao Maracanã naquela tarde queria ver a
Seleção completa.
A expectativa
em relação a Garrincha era maior ainda.
Na Copa, o
Anjo das Pernas Tortas ainda não era titular contra os ingleses e o empate era
atribuído justamente à ausência do camisa 11.
Era comum
alguém dizer que com Mané em campo o Brasil venceria fácil a Inglaterra.
Em função de
todo esse clima, mais de 120 mil pessoas ocuparam as arquibancadas do Maracanã,
para enfim festejarem os campeões do mundo.
A festa
dentro do Maraca já tinha ares de carnaval antes mesmo de a bola rolar, mas a
atmosfera mudou completamente quando os alto-falantes do estádio anunciaram a
notícia que desagradaria todos os presentes: no lugar de Mané Garrincha jogaria
Julinho Botelho.
A Alegria do
Povo de fora do jogo não poderia deixar o povo feliz.
Assim que o
nome de Julinho ecoou, a torcida rompeu numa vaia ensurdecedora que abalaria o
mais tranquilo dos seres.
Existem ao
menos duas versões para o corte de Garrincha momentos antes do apito inicial.
Ambas não
deixam margem para que a atitude do treinador Vicente Feola fosse outra e nem
para que se pense que não eram atitudes dignas de Mané.
Na primeira,
Garrincha teria fugido da concentração e se apresentado à delegação já no
Maracanã instantes antes de entrar em campo.
A segunda é
ainda pior, reproduz os passos da primeira versão e acrescenta o agravante de
Mané Garrincha ter chegado embriagado nos vestiários do Maraca.
Mas a
escalação de Julinho não era somente uma punição para Garrincha, e sim por
merecimento de um grande jogador que muitas vezes é esquecido pela curta
memória esportiva tão comum ao brasileiro.
Julinho
Botelho foi revelado n Juventus da Moóca no tradicional campo da Rua Javari.
Os ótimos
jogos pelo Moleque Travesso o levaram ao Canindé para jogar pela Portuguesa no
início dos anos 1950, logo se destacou no time da colônia lusitana e começou
trilhar sua história na Seleção.
Disputou como
titular a Copa do Mundo de 1954 e até o surgimento de Mané Garrincha era
considerado o melhor ponta-direita do mundo.
Por isso, foi
contratado, em 1955, pela Fiorentina da Itália, no que foi a primeira grande
contratação de um brasileiro pelo futebol europeu.
Havia na
época um mal-estar em relação a jogadores brasileiros que atuavam no exterior.
Julinho foi
convocado na primeira lista de selecionados na preparação para o Mundial de
1958, mas por conta dessa ideia de que os ‘estrangeiros’ não eram puros,
decidiu recusar a convocação e não disputou sua segunda Copa.
Para se ter
uma ideia, essa restrição (que nunca foi regra oficial), só foi quebrada na
Copa de 1982, quando Falcão foi titular do time de Telê Santana, mesmo jogando
no Roma.
Voltando
àquele 13 de maio de 1959, as vaias eram cruéis, mas não se pode dizer que era
uma troca justa com quem foi ao Maracanã assistir a Alegria do Povo e acabou
vendo o Senhor Tristeza entrar em campo.
Senhor
Tristeza foi o apelido que os italianos deram a Julinho quando o brasileiro
jogou na Fiorentina, por conta de sua personalidade retraída que preferia a
discrição aos holofotes.
Diametralmente
oposto ao estilo de Mané Garrincha, que se não era exatamente um popstar, mas
gostava da vida social.
Mesmo com o
currículo de jogador internacional que venceu o Sudetto, que fez história na
Europa e só voltou ao Brasil para poder jogar por seu país, a torcida queria
ver Garrincha e vaiou muito o substituto.
Ao invés de
sentir a pressão e se amedrontar, Julinho Botelho transformou todas as vaias em
motivação para jogar bem.
Logo aos 7
minutos de jogo, o camisa 7 partiu pela direita do ataque brasileiro, entortou
dois ingleses, cortou um último marcador e arrematou de perna esquerda no
cantinho do arqueiro inglês, inaugurando o placar e transformando as vaias em
aplausos.
Nas jogadas
seguintes, Julinho partia para cima de seu marcador e os aplausos começavam nas
arquibancadas como se os 120 mil torcedores pedissem desculpas pelas vaias.
No segundo
tempo, Julinho ainda deu a assistência para Henrique marcar e fechar o placar
em 2 a 0 na primeira vitória do Brasil sobre os ingleses.
Ao apito
final, Julinho Botelho, que jogava no Palmeiras na época, saiu do Maracanã como
o melhor da partida, ovacionado por 120 mil pessoas que o aplaudiam em pé,
aclamado e reconhecido como o grande jogador que o craque realmente foi.
Garrincha
teria uma chance para enfrentar os ingleses na Copa do Mundo de 1962, quando
endiabrado como de costume, bagunçou a defesa inglesa, fez dois gols e foi
fundamental na vitória brasileira por 3 a 1, nas quartas de final da Copa em
que o Brasil ganharia o bicampeonato.
O povo estava
certo, com Garrincha o Brasil venceria facilmente a Inglaterra, mas com Julinho
também venceu e pela primeira vez na história.
Naquela Copa,
porém, Julinho não pôde jogar.
Machucado com
uma lesão muscular, seu caráter falou mais alto e pediu ao treinador Aymoré
Moreira para ser cortado da delegação duas semanas antes do embarque ao Chile.
Um dos
maiores pontas que o futebol brasileiro produziu em todos os tempos, terminaria
sua magistral carreira com muitos títulos e a idolatria por clubes como
Fiorentina, Palmeiras e Portuguesa, mas quase sem histórias boas para contar
pela Seleção Brasileira, e talvez aquela tarde de domingo em que transformou a
maior vaia da história do Maracanã em aplausos de 120 mil pessoas, tenha sido
um feito que ecoou na memória do craque durante a velhice no seu amado bairro
da Penha, em São Paulo, onde nasceu e escolheu viver até a morte, em 2001.
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