terça-feira, maio 14, 2019

Há 60 anos, a maior vaia da história do Maracanã...

Imagem: Autor Desconhecido


Há 60 anos, a maior vaia da história do Maracanã

Quando o público presente no estádio Mário Filho, ouviu o nome de Julinho Botelho escalado no lugar de Garrincha, recém campeão do mundo, a reação foi uma estrondosa vaia ao substituto a à ausência do Anjo das Pernas Tortas.

Julinho não se abateu e, em apenas 7 minutos, transformou vaias em aplausos com gol e uma atuação deslumbrante.

Por Pedro Henrique Brandão Lopes

Depois de vencer a Copa do Mundo pela primeira na história, no estádio Rasunda, em Estocolmo, no dia 29 de junho de 1958, a Seleção Brasileira demorou quase um ano para se apresentar em solo brasileiro novamente.

A data escolhida foi o dia 13 de maio de 1959 e como adversário para a partida amistosa, uma simbólica escolha: a Inglaterra.

Justamente a única seleção que o Brasil não havia vencido no Mundial do ano anterior.

Na Copa de 58, Brasil e Inglaterra caíram no mesmo grupo junto a Áustria e União Soviética.

Na estreia frente aos austríacos, o time brasileiro venceu até com certa facilidade por 3 a 0.

Mas ao enfrentarem os ingleses, as dificuldades surgiram e o placar fiou no 0 a 0.

O que poderia ser ruim para o ânimo dos atletas e torcedores, foi um incentivo para a campanha em busca da primeira Copa do Mundo.

Por conta do empate e do desempenho abaixo do esperado, principalmente no setor ofensivo, Vicente Feola promoveu duas mudanças no time.

Saíram De Sordi e Dida para entrarem Pelé e Garrincha.

Já com a dupla que faria a Seleção nunca perder um jogo com os dois em campo, na partida seguinte, o Brasil despachou os soviéticos e seu futebol científico.

Juntos, os camisas 10 e 11, infernizaram defesas durante o torneio e não é segredo para ninguém o final dessa história: Brasil campeão do mundo pela primeira vez e adeus complexo de vira-latas.

A festa no Brasil foi um carnaval fora de época.

A recepção aos atletas, digna de uma recepção real aconteceu com o povo abraçando os novos heróis nacionais.

Mas todas essas festividades aconteciam com os jogadores vestindo terno e posando para fotos.

Nunca do jeito que conquistaram o mundo, de chuteiras nos gramados fazendo magia com a bola.

O povo queria festejar seus ídolos em campo, por isso, o amistoso foi marcado.

Os ingleses além de carimbarem a campanha do título mundial brasileiro, estavam invictos contra o Brasil.

Até aquele 13 de maio, aconteceram dois jogos entre os inventores do futebol e o povo que aperfeiçoou o esporte bretão, com uma vitória do Time da Rainha e o empate ‘oxo’ na Copa.

Claro que as sensações da campanha brasileira na Copa do Mundo, como Garrincha e Pelé, eram os preferidos do público e quem foi ao Maracanã naquela tarde queria ver a Seleção completa.

A expectativa em relação a Garrincha era maior ainda.

Na Copa, o Anjo das Pernas Tortas ainda não era titular contra os ingleses e o empate era atribuído justamente à ausência do camisa 11.

Era comum alguém dizer que com Mané em campo o Brasil venceria fácil a Inglaterra.

Em função de todo esse clima, mais de 120 mil pessoas ocuparam as arquibancadas do Maracanã, para enfim festejarem os campeões do mundo.

A festa dentro do Maraca já tinha ares de carnaval antes mesmo de a bola rolar, mas a atmosfera mudou completamente quando os alto-falantes do estádio anunciaram a notícia que desagradaria todos os presentes: no lugar de Mané Garrincha jogaria Julinho Botelho.

A Alegria do Povo de fora do jogo não poderia deixar o povo feliz.

Assim que o nome de Julinho ecoou, a torcida rompeu numa vaia ensurdecedora que abalaria o mais tranquilo dos seres.

Existem ao menos duas versões para o corte de Garrincha momentos antes do apito inicial.

Ambas não deixam margem para que a atitude do treinador Vicente Feola fosse outra e nem para que se pense que não eram atitudes dignas de Mané.

Na primeira, Garrincha teria fugido da concentração e se apresentado à delegação já no Maracanã instantes antes de entrar em campo.

A segunda é ainda pior, reproduz os passos da primeira versão e acrescenta o agravante de Mané Garrincha ter chegado embriagado nos vestiários do Maraca.

Mas a escalação de Julinho não era somente uma punição para Garrincha, e sim por merecimento de um grande jogador que muitas vezes é esquecido pela curta memória esportiva tão comum ao brasileiro.

Julinho Botelho foi revelado n Juventus da Moóca no tradicional campo da Rua Javari.

Os ótimos jogos pelo Moleque Travesso o levaram ao Canindé para jogar pela Portuguesa no início dos anos 1950, logo se destacou no time da colônia lusitana e começou trilhar sua história na Seleção.

Disputou como titular a Copa do Mundo de 1954 e até o surgimento de Mané Garrincha era considerado o melhor ponta-direita do mundo.

Por isso, foi contratado, em 1955, pela Fiorentina da Itália, no que foi a primeira grande contratação de um brasileiro pelo futebol europeu.

Havia na época um mal-estar em relação a jogadores brasileiros que atuavam no exterior.

Julinho foi convocado na primeira lista de selecionados na preparação para o Mundial de 1958, mas por conta dessa ideia de que os ‘estrangeiros’ não eram puros, decidiu recusar a convocação e não disputou sua segunda Copa.

Para se ter uma ideia, essa restrição (que nunca foi regra oficial), só foi quebrada na Copa de 1982, quando Falcão foi titular do time de Telê Santana, mesmo jogando no Roma.

Voltando àquele 13 de maio de 1959, as vaias eram cruéis, mas não se pode dizer que era uma troca justa com quem foi ao Maracanã assistir a Alegria do Povo e acabou vendo o Senhor Tristeza entrar em campo.

Senhor Tristeza foi o apelido que os italianos deram a Julinho quando o brasileiro jogou na Fiorentina, por conta de sua personalidade retraída que preferia a discrição aos holofotes.

Diametralmente oposto ao estilo de Mané Garrincha, que se não era exatamente um popstar, mas gostava da vida social.

Mesmo com o currículo de jogador internacional que venceu o Sudetto, que fez história na Europa e só voltou ao Brasil para poder jogar por seu país, a torcida queria ver Garrincha e vaiou muito o substituto.

Ao invés de sentir a pressão e se amedrontar, Julinho Botelho transformou todas as vaias em motivação para jogar bem.

Logo aos 7 minutos de jogo, o camisa 7 partiu pela direita do ataque brasileiro, entortou dois ingleses, cortou um último marcador e arrematou de perna esquerda no cantinho do arqueiro inglês, inaugurando o placar e transformando as vaias em aplausos.

Nas jogadas seguintes, Julinho partia para cima de seu marcador e os aplausos começavam nas arquibancadas como se os 120 mil torcedores pedissem desculpas pelas vaias.

No segundo tempo, Julinho ainda deu a assistência para Henrique marcar e fechar o placar em 2 a 0 na primeira vitória do Brasil sobre os ingleses.

Ao apito final, Julinho Botelho, que jogava no Palmeiras na época, saiu do Maracanã como o melhor da partida, ovacionado por 120 mil pessoas que o aplaudiam em pé, aclamado e reconhecido como o grande jogador que o craque realmente foi.

Garrincha teria uma chance para enfrentar os ingleses na Copa do Mundo de 1962, quando endiabrado como de costume, bagunçou a defesa inglesa, fez dois gols e foi fundamental na vitória brasileira por 3 a 1, nas quartas de final da Copa em que o Brasil ganharia o bicampeonato.

O povo estava certo, com Garrincha o Brasil venceria facilmente a Inglaterra, mas com Julinho também venceu e pela primeira vez na história.

Naquela Copa, porém, Julinho não pôde jogar.

Machucado com uma lesão muscular, seu caráter falou mais alto e pediu ao treinador Aymoré Moreira para ser cortado da delegação duas semanas antes do embarque ao Chile.

Um dos maiores pontas que o futebol brasileiro produziu em todos os tempos, terminaria sua magistral carreira com muitos títulos e a idolatria por clubes como Fiorentina, Palmeiras e Portuguesa, mas quase sem histórias boas para contar pela Seleção Brasileira, e talvez aquela tarde de domingo em que transformou a maior vaia da história do Maracanã em aplausos de 120 mil pessoas, tenha sido um feito que ecoou na memória do craque durante a velhice no seu amado bairro da Penha, em São Paulo, onde nasceu e escolheu viver até a morte, em 2001.

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