Imagem: Ana Lourdes Bal/Universidade do Esporte
É possível
habitar o Brasil e ignorar o futebol?
Ou nascer na
Argentina, sob a sombra de Dom Diego, e não se sentir tocado por um
Superclássico?
Imagine,
então, nascer na Argentina, vir morar no Brasil, aos 9 anos, e simplesmente não
fazer a mínima ideia de quem lidera a Superliga ou quem tem mais chances no
Brasileirão.
O senso comum
que apregoa o velho e batido “o Brasil é o país do futebol” e que faz da
Argentina a eterna favorita a tudo que disputa, faria qualquer um acreditar que
o quadro descrito acima é totalmente fictício.
Somente
alguém que nasceu em Buenos Aires, com o pé no Rio da Prata, e pelas marés do
destino veio aportar em Natal, a Esquina da América, para contradizer o senso
comum que não se aplica a ilógica América Latina.
Ana Lourdes
Bal é essa argentina potiguar, apenas 22 anos, sem medo de errar, com vontade
de aprender e muita emoção para dar e vender, ela prova que há vida sem ter o
coração descompassado pelas canchas.
Até a página
dois, porém, porque essa menina/mulher, hermana e brazuca, descobriu que a
disritmia do futebol, num misto de alegria que baila tango e melancolia que
samba, pode guiar descobertas de amores, dores, (des)pudores e sobretudo, para
além do jogo, servir de farol para apontar o rumo do conhecimento da vida.
Por tudo
isso, no texto a seguir, não espere análises táticas, números, opiniões sobre
esse ou aquele jogador, esse ou aquele treinador, mas espere muito futebol,
muito além do futebol.
Pedro
Henrique Brandão Lopes
Amores e
desamores na cancha da vida
Por Ana
Lourdes Bal
Nascida e
criada até meus nove anos na Argentina, recentemente me indignei com uma frase
que ouvi em uma série: um escritor contava que se apaixonou por futebol quando
ainda era criança, segundo ele, porque era impossível crescer na Argentina e
não se apaixonar por futebol.
Jamais fui
essa criança.
Mas, talvez,
com mais idade, tive meus momentos de “legítima criança argentina”.
Um desses
momentos foi a Copa do Mundo de 2014, realizada aqui no Brasil.
Meu eu de 15
anos, de fato, não é tão diferente do atual, em relação ao quesito conhecimento
do mundo do futebol.
Com certeza,
eu não sabia o nome e a camisa que cada um dos integrantes daquele time usava,
mas estava apaixonada por cada um deles e pela possibilidade de vitória, àquela
altura, tão sonhada.
Era bastante
irônico ver a Argentina na final, em um território no qual não era nem um pouco
bem-vinda.
Final contra
a Alemanha.
Era um
domingo, fim de tarde, clima ameno.
Uma tradição
nos domingos dos argentinos é a famosa parrilla, o churrasco argentino.
Ela estava
presente naquele dia.
Não só nele,
mas também de todos os jogos daquela Copa.
Mas aquele
era um dia importante.
Aquele gol do
Higuain, nos iludiu.
Berramos e
nos calamos, ao ver que havia sido assinalado o impedimento.
Mas acredito
que o ponto alto do jogo, que levo até hoje, ainda não foi esse.
Aquele gol
que não foi nada feliz. Não para mim, não para minha família, não para milhões
de argentinos.
Meu pai,
minutos antes daquele gol, olhou para mim e para meu irmão, e disse: “Chicos,
ustedes se van a acordar...”.
Pois é, eu
lembro bem.
Gol do Götze
no finalzinho da primeira parte da prorrogação.
Tão marcante,
que consigo lembrar até o nome do jogador!
Silêncio na
sala da minha casa.
Meu pai foi
para o lado de fora, atirar a taça de vinho que estava bebendo, no muro da
nossa casa.
O barulho do
estilhaço é tão claro na minha mente que, facilmente, poderia confundi-lo com o
meu coração sendo partido.
Acho que foi
o suficiente para mim: da mesma forma que amar alguém pode ser um sofrimento,
torcer por um time também pode ser.
Acompanhei um
pouco a Copa de 2018, mas nada se compara a fiel seguidora que fui da anterior.
Não era mais
o meu "primeiro amor".
Aquela
derrota me deixou traumatizada, e tive a certeza de que jamais queria sentir
aquilo novamente.
Talvez eu
tenha passado a vida inteira fugindo do medo inevitável de sofrer.
O segundo
momento é o atual, novembro de 2019.
Estou cercada
de um grupo de, em sua maioria, homens, onde praticamente todos são meus amigos
e alguns, chegam a ser “irmãos”.
Aqui, porém,
ser mulher nunca foi um problema, porque eu fui acolhida em uma família onde a
ovelha negra sou eu, mas por outra razão: não entendo absolutamente nada de
esporte.
‘Pero estoy
intentando’.
Encontro
motivo para gostar de esportes por gostar tanto desses amigos e ‘irmãos’ que
amam tanto o mundo da bola.
Vale a pena
tentar aprender só para ficar perto desses meninos.
É incrível
ver a empolgação deles ao comentar sobre o esporte que gostam.
É incrível
ver a felicidade deles depois de sair de uma transmissão de jogo.
É incrível
vê-los falando do que amam.
Também tive
meu momento “incrível” de participação.
E literalmente,
por trás das câmeras.
O gramado do
Frasqueirão acolheu minha primeira participação em campo, como fotógrafa.
Detalhe, essa
foi minha segunda vez dentro de um estádio para ver um jogo.
Questionamentos
mentais do que eu deveria fotografar foram bastante recorrentes.
Senti de
pertinho momentos de felicidade e, também de raiva daqueles jogadores, através
dos ouvidos e olhos.
E, também da
minha lente.
Decidi
apostar nisso.
A fotografia
vai além de você congelar aquele momento, mas é também o sentimento que a foto
pode carregar.
Futebol pode
transmitir zilhões de sentimentos.
Como eu senti
naquela Copa de 2014.
Foi essa
simbologia que procurei em campo.
Acabei me
somando ao grupo.
Andar pelo
gramado com uma câmera na mão também é incrível.
Editar fotos
é incrível.
Fazer parte
disso tudo é incrível.
Em pouco
tempo fiz, na prática, uma grande descoberta: talvez não é o jogo que seja tão
interessante e que apaixone tantos e tantas, o que seduz e faz o escritor da
série ter razão é tudo o que o futebol provoca ao seu redor.
Acabei me
apaixonando, novamente.
Dessa vez,
sem medo de sofrer.
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