sábado, novembro 30, 2019

Na guerra do narcotráfico, entre mortos e feridos, sobreviveu o futebol colombiano...

Imagem: Autor Desconhecido

Na guerra do narcotráfico, entre mortos e feridos, sobreviveu o futebol colombiano

John Jairo Velasquez, o Popeye, principal sicário de Pablo Escobar e responsável pelas operações secretas de El Patron, revelou ao Diario El Popular, jornal peruano, que Ricardo Gareca escapou da morte pelo amor de Escobar pelo futebol

Pedro Henrique Brandão Lopes

O conhecido sicário John Jairo Velasquez, o Popeye, falou, entre outras coisas, sobre o dia em que a paixão de Pablo Escobar pelo futebol salvou a vida de Ricardo Gareca, hoje treinador da Seleção Peruana.

Gareca foi um excelente atacante argentino, revelado pelo Boca Juniors, se destacou no América de Cali, onde foi bicampeão colombiano, em 1985 e 1986, neste último ano foi o artilheiro da competição com 21 gols.

Na segunda metade da década de 1980, o América de Cali conseguiu uma posição de destaque no futebol sul-americano.

Tal destaque veio com o financiamento dos irmãos Orejuella, chefes do Cartel de Cali e rivais de Pablo Escobar que chefiava o Cartel de Madelin.

A estreita relação entre narcotraficantes e clubes de futebol era comum naquele período.

Como em regimes totalitários do século XX, os narcotraficantes colombianos também usavam o esporte como propaganda e forma de conseguir apoio popular.

Desta maneira, alguns times colombianos, principalmente das regiões de Cali e Medellín, conseguiram resultados vistosos no continente durante o auge dos cartéis.

Enquanto gols eram marcados e troféus eram erguidos, a Colômbia virava pó, destruída pela guerra da cocaína.

O que para os irmãos Orejuella era apenas uma forma de conquistar apoio popular e lavar dinheiro do tráfico, para Pablo Escobar era uma paixão.

Tanto que durante sua estadia em La Catedral — prisão planejada e construída pelo próprio traficante para cumprir sua “pena” — jogadores como Renê Higuita e Valderrama eram presenças frequentes nas peladas da prisão de El Patron.

O América de Cali mandou no futebol da América do Sul na segunda metade da década de 1980, quando conquistou o pentacampeonato colombiano consecutivo e disputou três finais de Libertadores, entre 1985 e 1987. Foi nesse momento de ascensão do Cartel de Cali, representado pela ótima fase do time e em meio a uma guerra entre os cartéis, que Pablo Escobar ordenou ao General de La Mafia um ataque a jogadores do América.

Acabou desistindo por gostar dos gols de Gareca, segundo conta Popeye.

O patrocínio do tráfico aos clubes colombianos mudou o mapa do futebol sul-americano e colocou os times da terra de Gabriel García Márquez no centro do mundo da bola.

Foram mais de 15 anos de protagonismo no continente desde o tri vice-campeonato do América, passando pelo título continental do Atlético Nacional de Medelin, em 1996, até o vice-campeonato do Deportivo Cali, em 1999.

Se a relação entre tráfico e futebol deixou um rastro de glórias esportivas inimagináveis para os colombianos, a guerra entre Governo e narcotráfico deixou um rastro de sangue e mortes pelo estado de violência e brutalidade em que mergulhou a Colômbia.

Curiosamente foi naquela época que a melhor geração do futebol colombiano surgiu, se consolidou na goleada por 5 a 0 contra a Argentina, em pleno Monumental de Núñez, em 1993, e chegou ao auge na Copa do Mundo do ano seguinte.

Porém uma infelicidade do zagueiro colombiano Andrés Escobar manchou de sangue essa conturbada relação.

Na tentativa de cortar um cruzamento durante um jogo na Copa do Mundo contra os Estados Unidos, o Cavalheiro do Futebol acabou marcando um gol contra que decretou a derrota e eliminação colombiana da competição.

No retorno a Colômbia, Escobar foi assassinado na saída de uma casa noturna.

Rumores dão conta de que um grupo de traficantes que perdeu dinheiro em apostas após a eliminação precoce da seleção, teria ordenado o crime como um acerto de contas.

Apesar de a versão oficial indicar que o zagueiro foi assassinado por uma discussão dentro da boate, nunca ficou provada a real motivação do crime, além do governo colombiano ter abafado a repercussão da morte.

Outro jogador que cruzou o caminho da violência do narcotráfico foi Martin Zapata.

Muito conhecido da torcida palmeirense por ter perdido o pênalti decisivo que garantiu ao Palmeiras a conquista da Libertadores de 1999, o experiente meia do Deportivo Cali foi assassinado em 2006 dentro de uma casa noturna após tentar separar uma briga entre um amigo e traficantes locais.

Recentemente uma entrevista do jogador Cuadrado trouxe à tona o cenário de violência que colocou em risco toda uma geração de colombianos.

Nascido em Medelín, o habilidoso atacante contou que quando tinha quatro anos seu pai o mandou ir para debaixo da cama, o então menino de apenas 4 anos de idade, assistiu, debaixo da cama, seu pai ser morto por “homens que atiravam de metralhadora”.

A lembrança remonta ao ano de 1992, quando Medelín se tornou a capital mundial da violência.

Esquadrões da morte invadiam casas para assassinar, muitas vezes por engano, quem despertava a desconfiança dos traficantes.

Cuadrado é o retrato da sobrevivência do futebol colombiano e da Colômbia como nação.

Depois de perder o pai para o tráfico e assistir o futebol de seu país ser enfraquecido por casos de corrupção e violência, Cuadrado virou jogador graças à sua mãe e, atualmente, é um dos principais jogadores de uma ótima geração colombiana, que desde 2014 voltou a figurar entre as principais seleções da América do Sul.

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