E se Putin retirasse a Rússia da
Rio 2016?
Jamil Chade, especial para o
ESPN.com.br
O COI está às vésperas de tomar
uma decisão que pode marcar um momento chave nos Jogos Olímpicos: afastar ou
não a Rússia do evento no Rio de Janeiro, em agosto.
Desta vez, o motivo da tensão
entre o movimento olímpico e os russos é o doping organizado pelo Estado.
A Federação Internacional de
Atletismo anunciará, hoje, sua decisão final sobre a suspensão dos russos de
suas competições na Rio 2016.
Nos corredores da entidade em
Lausanne, dirigentes não escondem que temem uma reação enfurecida de Vladimir
Putin que, diante da punição, ameaçaria retirar seu país inteiro do evento no
Brasil.
O golpe ainda seria duro para o
presidente do COI, Thomas Bach.
Lembro-me como, na final da Copa
de 2014, Bach e Putin acompanharam o jogo no Maracanã lado a lado e num clima
de total confiança.
Mas se a decisão promete causar
um sério impacto político, a realidade é que os arquivos nos mostram que a
relação de tensão entre Moscou e o movimento olímpico se confunde com a própria
história da Olimpíada.
Após a Revolução Bolchevique de
1917, uma das primeiras medidas adotadas por Moscou foi a de se negar a
participar das federações esportivas internacionais, alegando que representavam
uma "ideologia burguesa".
Os próprios Jogos Olímpicos - que
anos mais tarde seriam usados pela União Soviética para demonstrar ao mundo que
era uma potência - foi alvo de duros ataques.
Para o Kremlin, o evento não
passava de uma "distração das massas" e uma tentativa de desviar a
atenção dos trabalhadores de sua luta de classe.
A participação dos soviéticos em
torneios no exterior era limitada e essa realidade apenas mudou quando o
Kremlin passou a estar convencidos de que seus atletas poderiam sair vencedores
dessas competições.
Quando essa participação ocorreu,
o objetivo era o dar uma mensagem política de que a classe proletária poderia
vencer representantes da burguesia.
Numa esperança de estar criando
de fato um sistema político paralelo ao modelo capitalista-ocidental, Moscou bancou
a criação de novas entidades internacionais que agrupariam associações
esportivas com a ideologia comunista.
A mais poderosa delas seria a
Associação Internacional do Esporte Vermelho que, em sua própria descrição, era
a entidade que reagrupava "todas as associações esportivas operárias e
campesinas que apoiam a luta da classe proletária".
Sua constituição ainda deixava
explícito o papel do esporte na vida soviética: "A cultura física, a ginástica, os jogos e o esporte são meios da
luta de classes. Não um fim em si mesmos".
A declaração simplesmente
colocava por terra qualquer tentativa de garantir a neutralidade e caráter
apolítico do esporte.
Para fazer frente aos Jogos
Olímpicos, criado por barões e apoiado pela monarquia da Europa Ocidental, os
soviéticos estabeleceram em 1928 seu primeiro evento internacional.
No lugar do Olimpo, pleno de
valores individualistas e a cultura da beleza, Moscou promoveria as
Spartakiadas.
O nome usado era uma homenagem ao
escravo rebelde que lutou contra seus opressores.
Era um grito de alerta contra o
movimento olímpico e seus ideais de individualismo.
Em uma entrevista concedida à
Radio Suisse Romande, no dia 4 de agosto de 1935, o barão Pierre de Coubertin
resumia os princípios do evento que ele havia criado no final do século XIX e
insistia que "o verdadeiro herói olímpico era o indivíduo masculino
adulto".
Por definição, essa classificação
de herói teria dificuldades para encontrar apoio em uma sociedade soviética
baseada no coletivismo e na predominância do estado.
Cada participação de Moscou em
eventos no exterior era cuidadosamente avaliada: apenas se autorizava a viagem
quando havia uma garantia de vitórias.
O editorial do jornal soviético
Shakhmatny Listok, de 7 de outubro de 1925, explicitava essa ambição política
do esporte.
"A Associação de Xadrez considera possível para a organização de
xadrez proletárias tomar parte nos encontros internacionais a fim de que, por
meio das vitórias sobre os mestres burgueses, a dignidade das massas
proletárias e a fé em sua força e os talentos da juventude sejam
realçados".
A realidade é que, a partir dos
anos 20 e até a dissolução da União Soviética, o esporte em Moscou estaria à
serviço de sua política externa e da promoção de uma ideologia.
Todas as missões de esportistas
eram consideradas como ações de diplomacia no exterior e cuidadosamente
avaliadas em sua conveniência política.
Com a Guerra Fria ganhando força
nos anos 50, a rejeição aos Jogos Olímpicos desapareceria diante do cálculo de
Moscou de que poderia usar o evento para mostrar sua superioridade.
Assim, a cada quatro anos,
americanos e soviéticos disputariam medalha a medalha a imagem de maior
potência do mundo.
O esporte, sim, foi uma arma
política.
E jamais deixou de ser.
Muito menos para Vladimir Putin.