O texto é longo...
Mas, nenhuma história triste pode ser escrita de outra forma.
Numa manhã de maio de 1998, Justin Fashanu foi encontrado pendurado no teto de uma garagem em Londres, com o pescoço enrolado em um fio elétrico e um bilhete ao lado. Em suas últimas palavras naquele bilhete de suicídio, ele escrevera que a justiça nem sempre era justa com todos e pedia a Jesus Cristo que o recebesse bem "em casa".
Mas, nenhuma história triste pode ser escrita de outra forma.
Numa manhã de maio de 1998, Justin Fashanu foi encontrado pendurado no teto de uma garagem em Londres, com o pescoço enrolado em um fio elétrico e um bilhete ao lado. Em suas últimas palavras naquele bilhete de suicídio, ele escrevera que a justiça nem sempre era justa com todos e pedia a Jesus Cristo que o recebesse bem "em casa".
Terminava assim a vida do
primeiro jogador de futebol profissional a assumir publicamente ser
homossexual. Fashanu também foi o primeiro negro a ser vendido por 1 milhão de
libras, na Inglaterra da década de 1980. Centroavante clássico, teve uma
passagem meteórica pelo Norwich City e outra frustrante pelo Nottingham Forest.
Seu pioneirismo, tanto por ser
abertamente gay quanto por ser um negro de sucesso, trouxe consequências terríveis
para sua vida. Durante décadas, ele sofreu vários tipos de abuso em um ambiente
preconceituoso como o futebol. E recebeu pouquíssimo apoio em uma época em que
homossexualidade no esporte era um tabu ainda maior do que é hoje.
Filho de nigerianos, Justin
Fashanu e seu irmão John foram abandonados ainda bebês pelos pais biológicos e
viveram em orfanatos até serem adotados por uma família branca. Seus amigos de
infância dizem que ele tinha dificuldade de se aceitar negro e desejava
desesperadamente ter nascido branco. Aos 14 anos, começou nas categorias de
base do Norwich City e rapidamente se destacaria como um talentoso
centroavante.
Em suas primeiras temporadas como
profissional, conseguiu a boa marca de 35 gols em 90 jogos, mas foi depois de
um deles que Fashanu foi catapultado ao estrelato do futebol inglês aos 18
anos.
Contra o Liverpool, o então
campeão europeu de clubes, o atacante acertou um impressionante voleio, de fora
da área, de esquerda, sem chance para o goleiro rival, um lance que foi eleito
o gol do ano e retransmitido à exaustão por todos os canais esportivos do país.
Naquela altura, o começo dos anos 80, atletas negros não eram incomuns no país,
mas Fashanu foi o primeiro ser perseguido pelos grandes clubes.
Não demorou muito para que o
Nottingham Forest, que àquela altura estava em um grande momento, o contratasse
por 1 milhão de libras – nunca um time inglês havia pagado tanto por um jogador
negro.
Bananas
Desde seus primeiros anos da
carreira até os últimos, Fashanu sempre foi alvo de ofensas racistas vindas das
arquibancadas. Torcedores imitavam macacos quando ele pegava na bola e atiravam
bananas sobre seus pés. Um dia, num gesto de desprezo que seria imitado duas
décadas depois, ele recolheu uma das bananas do gramado e a comeu para
ridicularizar seu ofensor.
Mas foi no Nottingham Forest que
ele começou a sofrer as maiores pressões contra a sua sexualidade. Aos 20 anos,
ele tinha acabado de se descobrir gay, conforme contou a seu amigo e confessor
Peter Tachell, um famoso militante pelos direitos civis homossexuais. O técnico
do Nottingham era Brian Clough, um homem famoso por dirigir seus times com mão
de ferro e não admitir fraqueza de seus comandados – obrigava os atletas, por
exemplo, a caminhar sobre urtigas só para testar sua obediência.
"Uma bichinha." Foi
assim que o técnico descreveu Fashanu logo que o atacante chegou ao clube.
Naquela época, ele ainda não havia saído do armário, mas já corriam rumores
sobre sua sexualidade porque muitos torcedores o avistavam entrando e saindo de
boates gays na cidade.
Sabendo disso, o treinador foi
ter uma conversa com Fashanu exigindo que ele deixasse de frequentar boates
gays. Ele não obedeceu. A relação entre os dois, que já começara turbulenta,
nunca melhoraria. Em um treino, querendo mostrar serviço e agradar o técnico,
Fashanu foi cobrar um escanteio e Clough berrou: "Eu não paguei 1 milhão
para você bater escanteio. Vá para área agora!"
Outro dia, antes de um jogo, o
atacante disse que não se sentia bem para jogar e recebeu do treinador um tapa
na cabeça. "Sempre que eu falava com ele, ele começava a chorar",
lembrou Clough em sua autobiografia. "O que eu podia fazer? Eu era um
técnico, não um psicólogo."
Confiando que a causa do desprezo
de Cough eram os boatos sobre sua sexualidade, Fashanu inventou um romance com
uma mulher e convidou o técnico para conhecê-la. O treinador descobriu a farsa
logo no começo do encontro e teve certeza sobre a orientação do jogador.
Nesse ambiente hostil, não
surpreende que Fashanu não tenha conseguido repetir em campo seu bom desempenho
no ano anterior. Seu nome passou a ser muito questionado no clube.
Ao mesmo tempo, ele tinha
dificuldade de aceitar sua própria sexualidade e procurou ajuda no
Cristianismo, que considerava seus hábitos pecaminosos. Cansado de viver uma
vida dupla, cheia de mentiras, ele cogitou pela primeira vez sair do armário,
mas temeu as consequências esportivas da revelação.
Uma séria lesão no joelho dificultou
ainda mais seu desempenho em campo, e ele foi vendido pelo Nottingham por
apenas uma fração do que o clube havia pagado por seu passe. "Foi o pior
dinheiro que nós já investimos em um jogador", diria o treinador Brian
Clough.
Saindo do armário
Em 1990, entre mesas de cirurgia
e atuações erráticas por clubes menores, Fashanu negociou uma entrevista
exclusiva com um tabloide na qual revelava ao mundo que era gay. "Eu
queria fazer algum coisa boa, então decidi dar o exemplo e sair do armário",
disse ele. A revelação foi recebida de maneira raivosa pelas pessoas de quem
ele esperava ter apoio.
Seu irmão John, que crescera com
ele e também era jogador, disse que as palavras de Justin envergonhavam a
família. O colunista de um jornal voltado à comunidade negra acusou Fashanu de
manchar a imagem dos negros na Inglaterra.
As torcidas adversárias acirraram
as provocações homofóbicas toda vez que ele tocava na bola. Se por um lado
Fashanu tentava tirar sarro das provocações ao respondê-las mandando beijinhos
e balançando o bumbum para as arquibancadas, por outro elas o machucavam por
dentro, de acordo com seus amigos próximos.
Gente do futebol dizia que não
haveria espaço no esporte para efeminados, enquanto gente de fora do futebol
dizia que as alegações de Fashanu eram só um jeito de ganhar atenção da mídia e
fazer dinheiro.
Em algumas ocasiões, eram mesmo.
Fashanu caiu em descrédito público ao vender entrevistas aos tabloides alegando
ter tido relações sexuais com políticos e outros famosos. As alegações foram
consideradas falsas depois.
O melancólico final de sua
carreira foi marcado mais por sua presença nos tabloides do que por suas
atuações em campo, embora ele tenha continuado a fazer gols até os últimos
anos.
Nos Estados Unidos, tentando recomeçar
como técnico de futebol, ele foi acusado de ter estuprado um adolescente de 17
anos. Em Maryland, o Estado onde ele vivia, a idade mínima de sexo legal entre
um adulto e um adolescente era 16 anos. Mas, na época, sexo homossexual era
proibido.
Em seu bilhete de suicídio,
Fashanu se dizia inocente da acusação de estupro e afirmava que o adolescente
havia consentido a relação sexual e tentara lhe extorquir dinheiro no dia
seguinte. O ex-jogador acreditava que a Justiça não o julgaria de maneira justa
porque ele já havia sido previamente condenado, e por isso, tirava sua vida.
"Para não trazer mais sofrimento para a minha família", dizia o
bilhete.
Compaixão e sensibilidade
Fashanu era sem dúvida uma pessoa
mal resolvida com seus próprios problemas, e o fato de não ter sido aceito pelo
ambiente e pela própria família só agravou sua inadequação. Na segunda edição
de sua autobiografia, lançada após o suicídio, o técnico Brian Clough afirma
que ele deveria ter prestado mais atenção no jogador.
"Quando você descobre um
cara tirando a própria vida, um cara que trabalhava com você e por quem você
era responsável, você tem que olhar para trás e perguntar o que poderia ter
feito melhor e não fez", reflete ele. "Hoje eu sei que deveria ter
lidado com Fashanu de um jeito diferente, talvez com mais compaixão e
sensibilidade."
Seu irmão John, que hoje tem
negócios na Nigéria, um país onde a homossexualidade é um crime, chegou a dizer
que Fashanu na verdade não era gay e só saiu do armário porque queria atenção.
Mas sua filha Amal, sobrinha de Fashanu, fez um documentário em 2012 no qual
discute a homofobia do futebol.
Ela se diz muito orgulhosa de ser
sobrinha do ex-atacante do Norwich. Hoje, existe uma campanha em seu nome para
combater a homofobia nos gramados e incentivar jogadores a revelarem a
sexualidade. Nenhum outro jogador homossexual na Inglaterra se assumiu após
Fashanu fazê-lo.
Fonte UOL Esporte.
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