A verdadeira goleada alemã está
nas arquibancadas
Por Marcelo Bechler
Para o site Trivela
Os 7 a 1 foram muito
contundentes, na cara de todo o planeta.
É um resultado atípico, sobretudo
em uma semifinal de Copa do Mundo.
Tanto que nunca havia acontecido,
tanto que o Brasil jamais havia perdido por um placar como aquele, tanto que os
alemães mesmo se surpreenderam.
Virou assunto eterno quando se
fala em Brasil e Alemanha.
Mas uma goelada igualmente
acachapante, e talvez ainda mais simbólica, seja 97,7 a 40.
É a taxa de ocupação dos estádios
nos campeonatos nacionais dos dois países.
A Bundesliga causa admiração no
mundo pela capacidade de manter seus estádios sempre lotados.
Somando todos os esportes, é a
terceira liga nacional do mundo com maior média de público, com 42.685 pagantes
por partida (apenas a NFL, a liga de futebol americano, e a IPL, a liga indiana
de críquete, têm números maiores).
No futebol, nenhuma competição
anual leva mais gente às arquibancadas, nem a Champions League (média de 40.875
na última temporada).
É uma solidez impressionante,
ainda mais considerando que se trata de uma liga disputada em 18 clubes, sendo
que apenas cinco têm sede em cidades com mais de 600 mil habitantes.
Muitos podem ver esse índice como
um legado da Copa de 2006.
Mas não é bem assim.
A alta média de público aumenta
gradativamente nos últimos dez anos – com algumas oscilações – o que leva a
crer que poderia se tornar ainda maior nos próximos anos, não tivesse com quase
100% de ocupação dos estádios alcançada.
Em 2005/06, temporada
imediatamente anterior ao Mundial, a média ficou em 38.191 torcedores por
partida.
Após o torneio, os números
seguiram o mesmo patamar, até que em 2008/09 ultrapassou a barreira dos 40 mil,
alcançando 41.904.
O recorde foi atingido em
2011/12, com a presença de 44.293 por jogo.
Como muita coisa que diz respeito
ao atual momento do futebol alemão, essa taxa de ocupação também veio com muito
planejamento, organização e cuidado com o esporte.
No caso da média de público, a
receita para não perder os torcedores é cultivar a paixão.
Uma conversa com Christian
Seifert, CEO da Bundesliga, mostra bem como os alemães atingiram essa ocupação
quase total dos estádios.
No início, ele adota o discurso padrão.
“Na Alemanha, o primeiro esporte é o futebol, depois vem o futebol e em
terceiro também. O Bayern conseguiu boa vantagem nos últimos anos, mas aqui se
disputam vários títulos: o do campeonato, as vagas para a Liga dos Campeões, as
vagas para a Liga Europa e a luta contra o rebaixamento. E enquanto o clube
está em alguma dessas disputas, o torcedor tem interesse em ir ao estádio
acompanhar e apoiar sua equipe. ”
O discurso é interessante e
parece ensaiado.
Questionado porque os estádios
estão sempre cheios, Klaus Allofs, diretor geral do Wolfsburg, responde da
mesma maneira, com as mesmas palavras.
Vender a ideia de uma liga
empolgante em toda a tabela dá a impressão de ser uma estratégia para promover
o torneio.
Mas, convenhamos, se dependesse
por brigas por diferentes posições na tabela, o Campeonato Inglês, o Espanhol,
o Italiano e até o Brasileiro teriam estádios lotados sempre.
A diferença é em como a Bundesliga
se preocupa em fazer com que a ida para o estádio seja algo prazeroso.
A cerveja faz parte do dia a dia
alemão e não poderia ficar de fora do futebol.
É possível observar tanto nas
imediações como dentro do estádio copos e copos de pilsens e weiss consumidos
normalmente.
Os incidentes são mínimos e a
tática utilizada é: a cerveja é permitida em todos os jogos, excetos aqueles
considerados de alto risco.
Um clássico Bayern de Munique x
Munique 1860, ou Schalke x Borussia Dortmund, por exemplo.
Nos outros confrontos, a cerveja
é vista como parte fundamental de se aproveitar bem o jogo.
Outra medida pensada para o
torcedor é a criação de “espaços de animação”.
Setores onde o torcedor pode
ficar de pé, sem poltronas, para pular e apoiar sua equipe.
Afinal, ficar sentado é
confortável, mas muito torcedor, em qualquer lugar do mundo, só se sentirá à
vontade em um estádio se estiver em pé, pulando e cantando.
O mais famoso desses espaços fica
em Dortmund com a famosa Muralha Amarela do Borussia.
O estádio Olímpico de Berlim,
onde joga o Hertha, possui ainda a possibilidade da implantação de dois mil
lugares extras, colocando uma estrutura móvel que fecha o anel superior em
grandes jogos.
Para fechar o ciclo, a Bundesliga
faz questão de privilegiar o costume do torcedor ao estabelecer o horário dos
jogos.
Uma rodada típica tem uma partida
noturna na sexta, um jogo no fim da tarde de sábado e um no fim da tarde de
domingo.
Todos os outros encontros são
realizados às 15h30 do sábado ou do domingo.
Nem o interesse da televisão ou
de atender a mercados em outros continentes (Ásia e Estados Unidos) convencem a
liga a abrir mão dessa estabilidade da tabela.
Manter esse sistema exige
cooperação entre os clubes.
Segundo Seifert, a unidade do
discurso dá força à liga no momento de fazer certas exigências benéficas para
as equipes.
Por exemplo, no contrato assinado
com a Fox para a transmissão do torneio nos próximos cinco anos, os clubes
terão os naming rights de suas arenas respeitados durante as transmissões. Nomes
como Alianz Arena, Signal Iduna Park ou Volkswagen Arena serão citados
normalmente durante as partidas.
Enquanto isso, no Brasil, clubes
racham no momento de negociar direitos de TV, vendem mandos de campo, alteram
horários a todo momento e não têm uma política de preço de ingressos que
priorize a ocupação total do estádio.
Isso não explica os 7 a 1, mas
diz muito sobre os 97,7 % x 40%.
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