Como o fim da caça à raposa criou
a tradição do futebol natalino na Inglaterra
Por Ubiratan Leal
Até no hemisfério norte, as duas
semanas que englobam as comemorações de Natal e Ano Novo são de descanso.
Os campeonatos param e jogadores
estrangeiros têm a possibilidade de voltar a seus países e passar as festas com
suas famílias.
Na Espanha, ainda há alguns jogos
das seleções autonômicas, mas não vai muito além disso.
A exceção é o Reino Unidos.
Na Inglaterra e Escócia, essas
duas semanas têm um perfil oposto.
Ao invés de parar, o futebol
acelera.
São rodadas a cada dois ou três dias.
Como boa parte da vida dos
britânicos, essa característica também é motivada pela tradição.
Nos países da Comunidade
Britânica, 26 de dezembro também é feriado, o chamado Boxing Day.
A origem da celebração é da Idade
Média, em que a elite usava o dia após o Natal para presentear os funcionários
e pessoas de classes mais baixas.
O nome se deve ao uso de uma
caixa (a Christmas Box) para se depositar as doações.
Desde aquela época, o Boxing Day
– que pode ser mudado para o dia útil seguinte caso caia em um sábado ou
domingo – é um feriado importante para ingleses e países que tiveram forte
influência destes.
Com o tempo, algumas tradições
foram se incorporando a esse dia.
As pessoas passaram a usar o
Boxing Day para encontrar membros da família que não viram em 24 e 25 de dezembro
e trocar mais presentes.
Além disso, as lojas já programam
suas grandes liquidações para 26 de dezembro.
Uma terceira tradição é o
esporte.
No princípio, o Boxing Day era um
dia tradicional para os ingleses praticarem a caça à raposa.
Aos poucos, essa “modalidade”
(não dá para chamar isso de esporte, né?) perdeu espaço até o ponto de ser
proibida.
Com isso, outros esportes
passaram a organizar eventos e competições em 26 de dezembro para manter a
tradição.
Assim, surgiram as rodadas do
Boxing Day em futebol, rúgbi union e rúgbi league, além de importantes páreos
nos hipódromos do Reino Unido.
Desde o final do século 19, havia
jogos de futebol em 25 e 26 de dezembro.
A tradição era realizar dérbis
locais nessas datas, sendo que o dia 26 era a partida de volta do dia anterior.
A rivalidade tornava os duelos
bastante atrativos e o público era melhor que a média do ano.
Em 1957, foi realizada a última
rodada de Natal no Campeonato Inglês, mas a do Boxing Day permaneceu no
calendário.
A maratona é desgastante e tem
uma vida própria dentro do andamento do futebol inglês.
Vários clubes não a suportam e
caem de rendimento nesse período.
Outros equacionam melhor sua
condição física e conseguem uma sequência de resultados interessantes.
Nessas semanas, é comum as
equipes usarem reservas em jogos menos importantes para poupar os titulares.
Essas complicações geram muitas
contestações.
Personalidades importantes do
futebol inglês – como Alex Ferguson, ex-técnico do Manchester United – pedem o
fim das rodadas de fim-de-ano pelo desgaste que proporcionam aos elencos.
Sven-Goran Eriksson é outro
partidário da pausa nas duas últimas semanas do ano.
Segundo o sueco, todos os
técnicos e dirigentes são a favor do descanso, mas ninguém toma atitude.
Eriksson até tentou ser flexível.
Quando era técnico da seleção
inglesa, a propunha a criação de uma pausa de inverno, como ocorre na Alemanha.
A ideia do sueco era aproveitar
as duas últimas semanas de dezembro, mas ele até admitia manter a tradição e
levar a parada para a primeira quinzena de janeiro.
Nada aconteceu.
O motivo é simples.
Os ingleses são muito agarrados a
suas tradições e o Boxing Day, por pior que seja para os jogadores, é muito bom
financeiramente.
A audiência da televisão está
entre as mais altas da temporada e a média de público nos estádios cresce
nessas quatro rodadas.
Desse modo, dificilmente o
futebol inglês deixará de ter as rodadas de final de dezembro e começo de
janeiro.
Uma maratona de futebol
desgastante para clubes e jogadores, mas que acerta em cheio o desejo do inglês
que quer ver futebol para curtir sua folga de fim-de-ano.
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