Mamãe Noel
Por Luiz Guilherme Piva
Pinçado do blog do Juca Kfouri
Era o que ele mais gostava quando era menino.
Tinha um senhor que morava no fim da rua que no Natal enchia
um caminhão-baú de bonecas e bolas, estacionava na praça, formava duas filas,
de meninos e meninas, e distribuía tudo pra criançada.
Ele passava a semana anterior ansioso, vigiando da janela,
contando horas e dias.
Quando ganhava a dele, vinha correndo eufórico, gargalhando,
gritando, feliz como se tivesse ganhado o mundo inteiro.
Era a única coisa que ele ganhava. Viúva, pobre, mesmo tendo
só ele de filho, que Natal eu poderia lhe dar?
Foram dez anos seguidos. Sei por causa das bolas que até
hoje estão guardadas no quarto dele aqui em casa: em cada uma está escrito o
ano em que ele a ganhou.
Nunca jogou com elas. Nem deixou que pegassem. Estão
intactas. Passava pano, acariciava, ajeitava no lugar, mas não usava nem pra
quicar.
Quando ele era rapazinho, o senhor faleceu e acabou a festa
do caminhão-baú.
Meu filho foi estudar, trabalhar, viajou, ganhou algum
dinheiro, mora longe, e só vem aqui pra me ver quando é Natal. Talvez porque
não tenha ninguém, nem esposa nem filhos.
Ele vai até o quarto, pega as bolas, confere, diz “lembra,
mãe?”. Ele, já um senhor, e eu, já bem velha, nos abraçamos. Fingimos não
chorar.
Quase quarenta anos já esse ritual. Ele fica ali com as
bolas um tempo, depois vai pra rua, anda nas redondezas e, depois de uns dias,
logo depois do Natal, vai embora.
Este ano telefonou dizendo que não vem. Não explicou direito
por quê. Falou de exames, doença leve, coisa à toa. Eu disse que entendia. Mas
senti – mãe não se engana – que é coisa séria. Pela voz dele meu coração
vislumbrou o fim de uma longa história.
Dele e minha.
Resolvi que vou abrir a varanda, chamar dez meninos desses
que zanzam pela rua, fazê-los formar uma fila e dar a eles as dez bolas, com um
beijo e um abraço em cada um.
O que eu mais quero é vê-los correr pela rua gargalhando,
gritando, felizes como se tivessem ganhado o mundo inteiro.
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