Por Mariliz Pereira Jorge –
Colunista – Folha de São Paulo
Algumas coisas incomodam muito na
cobertura de eventos esportivos.
A pior delas são as perguntas
preguiçosas, com respostas óbvias.
Quero cair do sofá quando o
repórter pergunta ao entrevistado se ele está feliz de ter conquistado uma
medalha de ouro ou chateado por ter sido desclassificado.
Que despreparo.
Que perda de tempo do atleta, do
telespectador, de todo mundo.
Na Olimpíada, aconteceu o tempo
todo.
Na Paraolimpíada, continuamos
repetindo o fenômeno, mas o que chamou a atenção foi a falta de traquejo de
jornalistas para lidar com os entrevistados.
Imagino que não fosse tão
complicado puxar uma cadeira e ficar na mesma altura dos atletas cadeirantes, e
não em posição superior, na hora de entrevistá-los.
Muitas vezes faltou informar o
telespectador que aquele atleta tinha esta ou aquela deficiência.
Fiquei boiando em várias ocasiões
por não ser tão óbvio.
A sensação é que prevaleceu a lei
do "para não errar é melhor não falar".
E, assim, perpetuamos os tabus.
Uma amiga contou que sua filha,
ainda criança, fazia mil perguntas e ela nem sempre sabia o que dizer, e não
pôde contar com a ajuda da televisão.
Este atleta já nasceu assim?
Como ele consegue jogar sem ouvir
nada?
Eu mesma fiquei maravilhada ao
ver atletas nadando borboleta com apenas um braço.
Mas tive mil dúvidas sobre como
separam as categorias.
Uma pessoa sem os braços nada com
outras que não têm perna?
Mas essa pessoa parece que não
tem nenhum "problema", o que ela tem?
E, assim, continuamos
desinformados.
No entanto, o mais insuportável
foi ver o tratamento aos atletas saltar do pieguismo para o endeusamento.
Pessoas com deficiência não são
coitadas, já entendemos.
Mas para-atletas não são
super-heróis ou super-humanos, como cansamos de ver nos noticiários da última
semana.
A moda começou em Londres-2012, e
ganhou reforço com o belíssimo comercial produzido pelo canal de televisão
britânico Channel 4 para promover sua programação durante os Jogos, chamado
"Superhumans" (super-humanos).
Com 140 pessoas com deficiência,
entre músicos, atletas e figurantes, o jingle repete o refrão "Yes, I
can" (sim, eu posso), enquanto mostra os participantes em ação.
Alguns tocam instrumentos, outros
praticam esportes, enquanto há os que realizam tarefas do dia a dia, como uma
mãe sem os braços que cuida de um bebê, ou outra, também amputada, que coloca
gasolina no carro.
A mensagem "Yes, I can"
é muito forte e representativa.
Sim, pessoas com deficiência são
aptas a fazer tudo. Mas colar o rótulo de super-humanos nos para-atletas apenas
reforça o conceito de que são especiais, e não igualmente capazes, além de
enfraquecer o que realmente precisa ser valorizado.
Cheira a condescendência,
artifício barato, tal qual chamar a terceira idade de "melhor idade"
como forma de valorizar essa fase.
Envelhecer deixou de ser atestado
de invalidez, mas cravar que é a melhor fase da vida é uma falácia.
Pergunte a qualquer pessoa com
mais de 70.
Para-atletas se destacam porque
acordam cedo, treinam, são dedicados.
Os superpoderes são a dedicação,
o empenho, a vontade de derrubar barreiras de preconceito, quebrar recordes
pessoais.
Não precisamos tratá-los como
super-humanos.
Um bom começo é enxergá-los como
humanos.
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