Abraço da alma
Por Ana Clara Dantas
O Jornal noticiou quase como um
decreto:
É preciso saber sofrer.
É um paradoxo.
Mesmo diante de tanta comoção,
não sabem sofrer.
“Sujeitos sem alma”, dizem os
mais radicais.
“Não há nesse gramado uma única
alma argentina”.
Deram lhes o melhor jogador, os melhores
coadjuvantes e caminhões de tradição, mas ainda lhes falta algo.
De repente, nos tornamos
medidores de alma e inquisidores de sofrimento.
Sofrimento não é coisa que se
mede.
Isso aqui é só futebol.
Mas é que o futebol provoca
tantos e tão exaltados ânimos que sofrer é parte do roteiro.
É a garantia da recompensa no
final, é o que garante o sentimentalismo na TV, é a súplica dos jornais:
“Sofram”!
“Encham seus corações de
desespero”!
“Ganham rios de dinheiros, é
obrigação ganhar”.
Vão à Copa?
Se tornou a pergunta dos últimos
dias em programas futebolísticos ao redor do mundo.
Nas ruas o povo reivindica a alma
argentina de seus jogadores.
A torcida pede que sofram, como
ela mesma já tem feito.
Mas sofrer não basta.
É preciso demonstrar.
Como se a vida nascesse em cada
jogada incompleta, em cada bola na trave.
A alma argentina, apesar de tão
característica, desconhece padrões.
Habita figuras distintas: dos
mais fanfarrões aos mais retraídos.
Ainda assim, cabem
questionamentos.
Ninguém teve sua alma argentina
mais questionada do que Lionel Messi.
Dizem que é europeu, que lhe
falta garra.
Medem o amor, o sofrimento, a
alma.
A vida se tornou uma medição
danada.
Para o menino que sonha em ser
Lionel Messi a vida é mais fácil.
Fácil como jogar bola.
Isso não mudou.
É assim hoje, era assim há 40
anos.
Acreditem ou não, mas a vida pode
ser fácil muitas vezes.
Embora milhões de almas
argentinas saibam que não será assim amanhã.
E diante de sua aflição, oferecem
o que podem.
Há dias de sofrimento e dias de
abraço.
Lembram que se ganha com técnica,
mas também se ganha com alma.
Imagem: Ricardo Alfieri
Na foto de Ricardo Alfieri, um
torcedor chamado Víctor Dell'Aquilla, que perdeu seus dois braços quando tinha
12 anos, corre para abraçar o goleiro Ubaldo Fillol e o lateral esquerdo
Tarantini após final da Copa de 1978, vencida pela Argentina, em casa...
A foto foi batizada pelo
fotógrafo Ricardo Alfieri de “Abraço da Alma”.
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