Imagem: Jim Gareth/Getty Images
Billie Jean King, a mulher que venceu a “Batalha dos Sexos”
No auge do movimento feminista pelos direitos e a libertação da mulher,
um ex-tenista, machista e fanfarrão, disse que poderia, mesmo aos 55 anos,
derrotar qualquer mulher pela ‘superioridade’ dos homens. Billie Jean King
decidiu provar a força da mulher e venceu a “Batalha dos Sexos”.
Pedro Henrique Brandão Lopes/Universidade do Esporte
É clichê, mas em algumas ocasiões
é impossível não usar a velha máxima: “é
muito mais que um jogo”.
O dia 20 de setembro de 1973,
guarda uma dessas histórias que ultrapassam os limites do esporte e modificam
vidas.
Antes é preciso compreender o
contexto social que embalou a partida entre Billie Jean King e Bobby Riggs e
ficou conhecida mundialmente como “A Batalha dos Sexos”.
Apenas 10 anos antes, em 1963,
Betty Friedan escreveu o best-seller “A mística feminina”, livro que seria
considerado a bíblia do movimento feminista e que modificou a forma como a
mulher se posicionava em relação ao mundo.
O final dos anos 1960 e início
dos 1970, foram de muita inquietação e transformação.
As ordens sociais vigentes há
séculos começaram a ser questionadas e derrubadas.
Em contrapartida, aqueles que
resistiam aos avanços sociais reagiam com vigor, na maioria das vezes com
violência ou como no caso de Bobby Riggs com machismo explícito.
O veterano, então com 55 anos de
idade, tinha um passado de conquistas no tênis, como o título de Wimbledon de
1939.
Mas esse passado estava bem
distante para que os holofotes ainda mirassem o velho Riggs.
Foi então que o fanfarrão
ex-jogador decidiu fazer um desafio que unia sua vontade de aparecer com a
necessidade de espalhar seu machismo: “Desafio
qualquer mulher a vencer este homem com o pé na cova”.
A australiana Margaret Court,
número 1 da época, aceitou o desafio e mordeu a isca jogada por Riggs para
debochar das mulheres e, de quebra, autopromover sua imagem.
Court foi derrotada por 2 sets a
0, 6/2 e 6/1.
Um verdadeiro vexame que apenas
reforçou a ‘superioridade’ masculina.
Mas as mulheres estavam mais
organizadas do que nunca, naquele ano após muita pressão do movimento
feminista, a lei Title IX foi aprovada no Congresso dos Estados Unidos e
garantiu a isonomia na distribuição de recursos governamentais para homens e
mulheres nas escolas e universidades do país.
No tênis, Billie Jean King era
uma das figuras mais representativas do movimento e em 1973 fundou a Women’s
Tennis Association (WTA).
Mesmo com tudo isso acontecendo,
Riggs continuava com suas provocações contra as mulheres e Billie Jean King
sentiu que era a hora de dar uma lição, não apenas em Bobby Riggs, mas em todos
que acreditavam que as mulheres não eram capazes.
Por isso, aceitou o desafio do
ex-campeão de Wimbledon.
Claro que a TV se aproveitou do
evento para gerar milhões de dólares de renda.
Para isso promoveu ao máximo o
duelo com coletivas e sessões de fotos de King e Riggs posando como se
estivessem se encarando.
Foram 4 meses rodando o país para
divulgar a partida e o que era uma causa para as mulheres e quem mais quisesse
a igualdade de gênero, foi transformado em um grande circo.
No dia do jogo, mais
demonstrações espetaculares para a TV, na entrada em quadra Riggs apareceu em
cima de um riquixá puxado por jovens mulheres.
King surgiu no Astrodome, em
Houston, sobre uma liteira carregada por musculosos homens.
O que mais impressiona é que
mesmo submetida a toda essa pressão e espetáculo, Billie Jean King não perdeu o
foco em nenhum momento e iniciou o jogo com força máxima.
King estava tão atenta ao jogo
que percebeu um erro em sua estratégia quando teve o serviço quebrado no quinto
game, o momento mais difícil da partida para as mulheres.
Mesmo nervosa pela situação, B.
J. King percebeu que Riggs não tinha força para atacar e estava se aproveitando
da potência dela.
Imediatamente mudou sua forma de
jogar apenas passando a bola para o outro lado da rede e exigindo mais preparo
físico de seu adversário.
Assim desgastou Riggs e fechou o
primeiro set em 6 / 4.
Repetiu a estratégia nos sets
seguintes; no segundo venceu por 6 / 3 e no terceiro reeditou o 6 / 4 do
primeiro set, mostrando ao mundo o auge técnico, mental e físico da jogadora,
então aos 29 anos de idade, que alguns anos depois seria a número 1 do mundo.
Ao final do jogo, Billie Jean
King triunfou sobre o atônito machista Bobby Riggs que saiu de quadra humilhado
pelos sonoros 3 sets a 0 que sofreu de uma mulher, aquela que era ‘inferior’
até pisar naquela quadra e que com raquetadas firmes ajudou a libertar as
mulheres.
De quebra faturou o prêmio de
100$ mil dólares a que o vencedor tinha direito.
Foram mais de 30 mil pessoas
presentes no Astrodome, o maior público de uma partida de tênis até 2010.
Na TV mais de 50 milhões de
pessoas assistiram à partida que representava muito mais que um jogo.
Esportivamente não foi nem de
perto o título mais importante de Billie Jean King que encerrou a carreira em
1983, com 129 títulos de simples no currículo, sendo 12 de Grand Slams.
Em duplas femininas foram 16
Grand Slams e em duplas mistas mais 11 títulos.
Porém o maior título de Billie
Jean King foi vencer o machismo e ajudar a quebrar as barreiras que,
infelizmente, ainda hoje retiram a liberdade das mulheres.
Foi depois da vitória de Billie
Jean na Batalha dos Sexos que o US Open passou a pagar de forma igualitária
homens e mulheres, foi o primeiro Grand Slam a fazer isso; processo que só
terminou nos 4 Grand Slams em 2007, quando Wimbledon também adotou premiações
iguais.
Num dia como o de hoje em que
comemoramos o Dia Internacional das Mulheres, data que sequer existia
oficialmente quando King venceu aquele jogo, é bom fazer uma reflexão sobre
como o machismo ainda prejudica tanto a sociedade, mas também como a ação de
mulheres corajosas fez o mundo mudar muito nos últimos 45 anos.
Billie Jean King mudou o mundo
colocando sua coragem e força em sua raquete e escreveu para sempre seu nome na
história do esporte e da luta por igualdade:
“Ainda hoje homens e mulheres vêm a mim e dizem como assistir àquele
jogo mudou suas vidas. Mulheres que estavam trabalhando sentiram-se mais aptas
a pedir aumento para seus chefes. E os homens jovens, que viram a partida,
tornaram-se a primeira geração de homens no movimento feminista. Agora muitos
deles têm filhas e querem as mesmas oportunidades para elas e para os seus
filhos. Isso, para mim, é o mais importante e duradouro legado desse jogo”
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