Imagem: Arquivo Pessoal/Família Claudio Coutinho/Reprodução
Em pé da esquerda
para a direita: Rogério, Cláudio Coutinho, Carlos Alberto Parreira, Félix,
Joel, Leão, Fontana, Brito, Clodoaldo, Zagallo e Admildo Chirol.
Agachados:
Mário Américo, Rivelino, Carlos Alberto Torres, Baldocchi, Piazza, Everaldo,
Paulo Cézar Caju, Tostão, Marco Antônio e Ado.
Sentados: Edu, Zé Maria, Dadá
Maravilha, Gérson, Roberto Miranda, Jairzinho, Pelé e Nocaute Jack. (Foto:
Arquivo pessoal / Família de Cláudio Coutinho / Reprodução)
A partir de
hoje publico a série Copa 70: o futebol arte completa 50 anos, escrita pelo
jornalista Pedro Henrique Brandão Lopes, do Universidade do Esporte...
Tenho
absoluta certeza que vai agradar em cheio.
Então...
Vamos lá.
Copa 70: o
futebol arte completa 50 anos — A preparação
A equipe
vencedora da Copa do Mundo de 1970 é apontada como a melhor de todos os tempos,
por isso, nesta semana, em comemoração ao cinquentenário do Tri, o time
recheado de craques e dirigido por Zagallo será retratado aqui numa série
especial de textos que abordará desde a preparação, passando por momentos da
campanha até o legado esportivo e cultural
Por Pedro
Henrique Brandão Lopes/Universidade do Esporte
A preparação
Marcado por
uma inovadora preparação física e logística com direito a processos individuais
e personalizados para os atletas, o planejamento posto em prática antes do
Mundial é apontado como a base que possibilitou aos atletas uma condição
perfeita para demonstrar o inigualável talento do grupo que conquistou o Tri.
O período
após a Copa do Mundo de 1966 foi conturbado na Seleção Brasileira.
Se o futebol
doméstico ia muito bem e vivia uma era fértil de craques e ótimos times, a
Seleção havia se desestabilizado com a má campanha na terra da Rainha.
Afinal,
depois do bicampeonato — 1958 e 1962 —, o complexo de vira-latas fora
substituído por uma certa empáfia e obsessão por conquistas, o brasileiro
estava mal acostumado quando o assunto era Copa do Mundo.
Vicente
Feola, campeão de 58, fora resgatado como treinador para a Copa de 1966, mas
deixou o comando para outra aposta dos dirigentes no sucesso de outrora: Aymoré
Moreira.
O técnico
chegou amparado pela conquista de 1962, porém, também não conseguiu engrenar um
bom trabalho e Oswaldo Brandão foi contratado.
Entre a saída
de Aymoré e a chegada de Brandão, o jovem Zagallo comandou a equipe nacional em
dois amistosos, mas não agradou por fazer testes demais e acabou descartado
pelos dirigentes.
Mesmo
chancelado por inúmeras conquistas e seu grande prestígio entre atletas,
Oswaldo Brandão também sucumbiu à pressão e o cargo acabou vago.
Em 4 de
fevereiro de 1969, a CBD anunciou surpreendentemente João Saldanha como o
treinador que conduziria o Brasil ao tricampeonato mundial.
Um espanto,
pois, apesar de ter comandado o Botafogo na década de 1950, Saldanha era comentarista
da Rádio Nacional e ocupava-se como jornalista esportivo longe dos clubes.
Há quem diga
que a contratação foi uma tentativa de João Havelange, então presidente da CBD,
para controlar as críticas da crônica esportiva com um membro da imprensa no
mais alto posto do futebol nacional.
E, de fato,
João Saldanha logo sanou uma das principais críticas: definiu um time base.
Assim
surgiram “as feras de Saldanha”, 11 titulares absolutos que foram anunciados
logo na chegada do treinador.
Nas
eliminatórias para a Copa do Mundo, em seis partidas contra Colômbia, Paraguai
e Venezuela, as “feras” conquistaram aproveitamento total com seis vitórias,
anotaram 23 gols e sofreram apenas dois tentos dos adversários.
Nem o mais
otimista torcedor esperava que 1969 terminaria com a Seleção classificada de
maneira invicta e num momento tão bom do grupo e de seu treinador.
Porém, o João
Saldanha de 1970 em nada se assemelhava ao João Saldanha do mágico ano
anterior.
Com a
classificação assegurada, a personalidade forte de João e uma série de intrigas
nos bastidores acabaram por deixar insustentável a permanência do treinador.
Muito se fala
sobre o episódio em que João Saldanha ao ser confrontado com uma declaração de
Emílio Garrastazu Médici sobre a escalação de Dadá Maravilha respondeu que “o
presidente escala o ministério e eu escalo a seleção”.
Sobre escalar
a Seleção, reside justamente aí uma controvérsia que contribuiu para a queda do
treinador.
Saldanha
começou 1970 em atrito com Pelé e declarou que o Rei do Futebol estava fora de
forma e que não estaria enxergando bem, para completar, horas antes de um
amistoso contra o Chile, o treinador avisou que Pelé não estaria entre os
titulares.
O desgaste
entre treinador, dirigentes e o grupo de jogadores era notório, quando aconteceu
o amistoso contra o Bangu, em Moça Bonita, e tudo que já era ruim piorou.
Não havia por
que marcar um jogo contra um time que não teria condições de apresentar
qualquer resistência a Seleção.
Porém, a
partida foi marcada e cerca de 20 mil pessoas compareceram ao campo do Bangu
para ver as Feras de Saldanha.
Na verdade,
viram o Bangu dominar o primeiro tempo e ainda sair na frente com gol do
ilustre desconhecido Paulo Mata.
A torcida
enlouqueceu com a péssima partida da Seleção e começou um protesto contra o
treinador: “eu grito, eu falo, o Saldanha tem cara de cavalo”.
Os críticos
subiram o tom e Saldanha se sentia perseguido, reagia mal, como no episódio em
que foi ao CT do Flamengo armado para tirar satisfação com o treinador
rubro-negro Yustrich que havia lhe criticado.
A soma do
posicionamento político e a má fase pessoal de João Saldanha em 1970 levaram
João Havelange a criticar publicamente o treinador.
Noite de 17
de março, Saldanha foi chamado para uma reunião na CBD e ouviu de Havelange que
a “comissão técnica estava dissolvida”.
Estava
demitido o homem que arquitetou o time que seria campeão do mundo apenas três
meses depois.
Saiu do
prédio da CBD fazendo troça com a frase do dirigente que o demitira: “não
sou sorvete para ser dissolvido”.
Apesar da
ironia de Saldanha, a comissão técnica nunca foi dissolvida.
Na verdade, o
treinador foi o único demitido, o corpo técnico que trabalhava com João
Saldanha foi mantido.
O preparador
físico Admildo Chirol e o médico Lídio Toledo não se relacionavam bem com o
treinador demitido, mas seriam fundamentais na manutenção do planejamento para
o Mundial.
Horas depois
da demissão de João Saldanha, o nome de Zagallo foi anunciado para comandar a
equipe que tentaria o tricampeonato no Mundial do México.
A responsabilidade
era enorme e com apenas 78 dias até a estreia, o jovem treinador tinha grandes
chances de queimar sua carreira ainda iniciante.
Seria o
começo de uma relação de amor entre Zagallo e a Amarelinha, o bicampeão mundial
enquanto jogador se tornaria o Velho Lobo, um símbolo da Seleção Brasileira.
No entanto,
pôde contar com a herança de um planejamento inovador de sua comissão técnica
pensado por João Saldanha.
A começar
pela formatação da própria comissão técnica.
Aquela foi a
primeira vez que a Seleção Brasileira teve uma equipe completa com massagista,
preparador físico, médico e pessoal para administrar a logística de
deslocamentos e estadias durante a Copa.
Tudo que foi
pensado pelo antigo treinador não foi modificado após sua demissão.
A fim de traçar
a estratégia, João Saldanha contou com a competente consultoria de Lamartine da
Costa, oficial da Marinha brasileira que havia sido observador dos Jogos
Olímpicos do México, em 1968.
Em razão da
famosa altitude do México, um processo inédito de aclimatação foi preparado e
os jogadores seguiram para a cidade de Guanajuato, mais de 2 mil metros acima
do nível do mar.
A sede
brasileira no Mundial seria Guadalajara, uma cidade com elevação de 1500
metros, a intenção era fazer com que os atletas se habituassem a uma altitude
maior da qual enfrentariam na competição para que na hora dos jogos tivessem
fôlego extra.
Cláudio
Coutinho foi figura importante nessa preparação. Capitão do Exército, Coutinho
era um estudioso da preparação física e defensor da modernização do futebol
brasileiro.
Foi Cláudio o
responsável por introduzir o “teste Cooper” na preparação física brasileira.
A imprensa
criticou a preparação até a bola rolar, pois quando os jogos começaram, era
visível que os brasileiros estavam fisicamente um nível acima dos adversários.
Brito, por
exemplo, tinha resistência de corredores de longas distâncias e foi considerado
o melhor preparo físico da Copa.
O plano era
oferecer mais atividade física e menos treinamento com bola.
Ao analisar,
atualmente, o método é completamente compreensível, já que com a bola rolando,
as feras se garantiam era preciso dar condições físicas de suportar o calor dos
jogos ao meio-dia em altitudes como a de Guadalajara.
Nesse
intuito, foram realizados treinamentos de corrida em longas distâncias entre
três e quatro quilômetros no horário em que os jogos seriam disputados — com o
sol a pino do meio-dia no verão escaldante do México —, e numa altitude
superior à do local dos jogos.
Era uma
condição desumana, mas supervisionada pelo melhor time da preparação física
brasileira em 1970.
Depois de 21
dias em Guanajuato executando a preparação desenhada por Lamartine da Costa, um
oficial da Marinha escolhido pelo comunista João Saldanha em plena ditadura, o
resultado não poderia ser diferente: na bola e no fôlego, os brasileiros
atropelaram seus adversários.
A preparação
física surgida a partir da visão extracampo de Saldanha e do planejamento
técnico de figuras competentes, e preservado por Zagallo, foi o primeiro passo
em direção ao Tri. O resto seria feito pela mágica das pernas dos craques.
Imagem: Autor Desconhecido
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