terça-feira, junho 16, 2020

Os 50 anos da Copa do Mundo do México - 1970... Parte 1.

Imagem: Arquivo Pessoal/Família Claudio Coutinho/Reprodução

Em pé da esquerda para a direita: Rogério, Cláudio Coutinho, Carlos Alberto Parreira, Félix, Joel, Leão, Fontana, Brito, Clodoaldo, Zagallo e Admildo Chirol. 

Agachados: Mário Américo, Rivelino, Carlos Alberto Torres, Baldocchi, Piazza, Everaldo, Paulo Cézar Caju, Tostão, Marco Antônio e Ado. 

Sentados: Edu, Zé Maria, Dadá Maravilha, Gérson, Roberto Miranda, Jairzinho, Pelé e Nocaute Jack. (Foto: Arquivo pessoal / Família de Cláudio Coutinho / Reprodução)

A partir de hoje publico a série Copa 70: o futebol arte completa 50 anos, escrita pelo jornalista Pedro Henrique Brandão Lopes, do Universidade do Esporte...

Tenho absoluta certeza que vai agradar em cheio.
Então...
Vamos lá.

Copa 70: o futebol arte completa 50 anos — A preparação

A equipe vencedora da Copa do Mundo de 1970 é apontada como a melhor de todos os tempos, por isso, nesta semana, em comemoração ao cinquentenário do Tri, o time recheado de craques e dirigido por Zagallo será retratado aqui numa série especial de textos que abordará desde a preparação, passando por momentos da campanha até o legado esportivo e cultural

Por Pedro Henrique Brandão Lopes/Universidade do Esporte

A preparação

Marcado por uma inovadora preparação física e logística com direito a processos individuais e personalizados para os atletas, o planejamento posto em prática antes do Mundial é apontado como a base que possibilitou aos atletas uma condição perfeita para demonstrar o inigualável talento do grupo que conquistou o Tri.

O período após a Copa do Mundo de 1966 foi conturbado na Seleção Brasileira.

Se o futebol doméstico ia muito bem e vivia uma era fértil de craques e ótimos times, a Seleção havia se desestabilizado com a má campanha na terra da Rainha.

Afinal, depois do bicampeonato — 1958 e 1962 —, o complexo de vira-latas fora substituído por uma certa empáfia e obsessão por conquistas, o brasileiro estava mal acostumado quando o assunto era Copa do Mundo.

Vicente Feola, campeão de 58, fora resgatado como treinador para a Copa de 1966, mas deixou o comando para outra aposta dos dirigentes no sucesso de outrora: Aymoré Moreira.

O técnico chegou amparado pela conquista de 1962, porém, também não conseguiu engrenar um bom trabalho e Oswaldo Brandão foi contratado.

Entre a saída de Aymoré e a chegada de Brandão, o jovem Zagallo comandou a equipe nacional em dois amistosos, mas não agradou por fazer testes demais e acabou descartado pelos dirigentes.

Mesmo chancelado por inúmeras conquistas e seu grande prestígio entre atletas, Oswaldo Brandão também sucumbiu à pressão e o cargo acabou vago.

Em 4 de fevereiro de 1969, a CBD anunciou surpreendentemente João Saldanha como o treinador que conduziria o Brasil ao tricampeonato mundial.

Um espanto, pois, apesar de ter comandado o Botafogo na década de 1950, Saldanha era comentarista da Rádio Nacional e ocupava-se como jornalista esportivo longe dos clubes.

Há quem diga que a contratação foi uma tentativa de João Havelange, então presidente da CBD, para controlar as críticas da crônica esportiva com um membro da imprensa no mais alto posto do futebol nacional.

E, de fato, João Saldanha logo sanou uma das principais críticas: definiu um time base.

Assim surgiram “as feras de Saldanha”, 11 titulares absolutos que foram anunciados logo na chegada do treinador.

Nas eliminatórias para a Copa do Mundo, em seis partidas contra Colômbia, Paraguai e Venezuela, as “feras” conquistaram aproveitamento total com seis vitórias, anotaram 23 gols e sofreram apenas dois tentos dos adversários.

Nem o mais otimista torcedor esperava que 1969 terminaria com a Seleção classificada de maneira invicta e num momento tão bom do grupo e de seu treinador.

Porém, o João Saldanha de 1970 em nada se assemelhava ao João Saldanha do mágico ano anterior.

Com a classificação assegurada, a personalidade forte de João e uma série de intrigas nos bastidores acabaram por deixar insustentável a permanência do treinador.

Muito se fala sobre o episódio em que João Saldanha ao ser confrontado com uma declaração de Emílio Garrastazu Médici sobre a escalação de Dadá Maravilha respondeu que “o presidente escala o ministério e eu escalo a seleção”.

Sobre escalar a Seleção, reside justamente aí uma controvérsia que contribuiu para a queda do treinador.

Saldanha começou 1970 em atrito com Pelé e declarou que o Rei do Futebol estava fora de forma e que não estaria enxergando bem, para completar, horas antes de um amistoso contra o Chile, o treinador avisou que Pelé não estaria entre os titulares.

O desgaste entre treinador, dirigentes e o grupo de jogadores era notório, quando aconteceu o amistoso contra o Bangu, em Moça Bonita, e tudo que já era ruim piorou.

Não havia por que marcar um jogo contra um time que não teria condições de apresentar qualquer resistência a Seleção.

Porém, a partida foi marcada e cerca de 20 mil pessoas compareceram ao campo do Bangu para ver as Feras de Saldanha.

Na verdade, viram o Bangu dominar o primeiro tempo e ainda sair na frente com gol do ilustre desconhecido Paulo Mata.

A torcida enlouqueceu com a péssima partida da Seleção e começou um protesto contra o treinador: “eu grito, eu falo, o Saldanha tem cara de cavalo”.

Os críticos subiram o tom e Saldanha se sentia perseguido, reagia mal, como no episódio em que foi ao CT do Flamengo armado para tirar satisfação com o treinador rubro-negro Yustrich que havia lhe criticado.

A soma do posicionamento político e a má fase pessoal de João Saldanha em 1970 levaram João Havelange a criticar publicamente o treinador.

Noite de 17 de março, Saldanha foi chamado para uma reunião na CBD e ouviu de Havelange que a “comissão técnica estava dissolvida”.

Estava demitido o homem que arquitetou o time que seria campeão do mundo apenas três meses depois.

Saiu do prédio da CBD fazendo troça com a frase do dirigente que o demitira: “não sou sorvete para ser dissolvido”.

Apesar da ironia de Saldanha, a comissão técnica nunca foi dissolvida.

Na verdade, o treinador foi o único demitido, o corpo técnico que trabalhava com João Saldanha foi mantido.

O preparador físico Admildo Chirol e o médico Lídio Toledo não se relacionavam bem com o treinador demitido, mas seriam fundamentais na manutenção do planejamento para o Mundial.

Horas depois da demissão de João Saldanha, o nome de Zagallo foi anunciado para comandar a equipe que tentaria o tricampeonato no Mundial do México.

A responsabilidade era enorme e com apenas 78 dias até a estreia, o jovem treinador tinha grandes chances de queimar sua carreira ainda iniciante.

Seria o começo de uma relação de amor entre Zagallo e a Amarelinha, o bicampeão mundial enquanto jogador se tornaria o Velho Lobo, um símbolo da Seleção Brasileira.

No entanto, pôde contar com a herança de um planejamento inovador de sua comissão técnica pensado por João Saldanha.

A começar pela formatação da própria comissão técnica.

Aquela foi a primeira vez que a Seleção Brasileira teve uma equipe completa com massagista, preparador físico, médico e pessoal para administrar a logística de deslocamentos e estadias durante a Copa.

Tudo que foi pensado pelo antigo treinador não foi modificado após sua demissão.

A fim de traçar a estratégia, João Saldanha contou com a competente consultoria de Lamartine da Costa, oficial da Marinha brasileira que havia sido observador dos Jogos Olímpicos do México, em 1968.

Em razão da famosa altitude do México, um processo inédito de aclimatação foi preparado e os jogadores seguiram para a cidade de Guanajuato, mais de 2 mil metros acima do nível do mar.


A sede brasileira no Mundial seria Guadalajara, uma cidade com elevação de 1500 metros, a intenção era fazer com que os atletas se habituassem a uma altitude maior da qual enfrentariam na competição para que na hora dos jogos tivessem fôlego extra.

Cláudio Coutinho foi figura importante nessa preparação. Capitão do Exército, Coutinho era um estudioso da preparação física e defensor da modernização do futebol brasileiro.

Foi Cláudio o responsável por introduzir o “teste Cooper” na preparação física brasileira.

A imprensa criticou a preparação até a bola rolar, pois quando os jogos começaram, era visível que os brasileiros estavam fisicamente um nível acima dos adversários.

Brito, por exemplo, tinha resistência de corredores de longas distâncias e foi considerado o melhor preparo físico da Copa.

O plano era oferecer mais atividade física e menos treinamento com bola.

Ao analisar, atualmente, o método é completamente compreensível, já que com a bola rolando, as feras se garantiam era preciso dar condições físicas de suportar o calor dos jogos ao meio-dia em altitudes como a de Guadalajara.

Nesse intuito, foram realizados treinamentos de corrida em longas distâncias entre três e quatro quilômetros no horário em que os jogos seriam disputados — com o sol a pino do meio-dia no verão escaldante do México —, e numa altitude superior à do local dos jogos.

Era uma condição desumana, mas supervisionada pelo melhor time da preparação física brasileira em 1970.

Depois de 21 dias em Guanajuato executando a preparação desenhada por Lamartine da Costa, um oficial da Marinha escolhido pelo comunista João Saldanha em plena ditadura, o resultado não poderia ser diferente: na bola e no fôlego, os brasileiros atropelaram seus adversários.

A preparação física surgida a partir da visão extracampo de Saldanha e do planejamento técnico de figuras competentes, e preservado por Zagallo, foi o primeiro passo em direção ao Tri. O resto seria feito pela mágica das pernas dos craques.

Imagem: Autor Desconhecido

Nenhum comentário: