Imagem: Autor Desconhecido
Sentimento de
Maracanã
Muito
diferente do que conheci na infância, o ex-maior estádio do mundo chega aos 70
anos de história
Por Marcos
Neves Junior/Universidade do Esporte
Quando fiz o
vestibular, no ano de 2006, fui aprovado com 9,75 na redação.
Bom, não é?
O que me
orgulha, no entanto, nem é a nota propriamente dita, mas o tema.
Intitulado A
200 passos do paraíso, o texto era uma descrição do caminho do prédio no qual
morava à época, na rua Professor Gabizo, até chegar à estátua do Bellini e
entrar no Maracanã, o aniversariante do dia.
Uma vez
dentro daquele verdadeiro templo, todas as mazelas sociais da cidade eram
deixadas de fora.
Esquecia a
poluição do canalizado rio Maracanã, que dá nome à região e empresta apelido ao
estádio, do consequente e imediato alagamento daquelas ruas em caso de chuva,
do trânsito infernal dos arredores, dos trombadinhas que moravam embaixo da passarela
da UERJ, do cheiro de spray de pimenta pairando no ar.
O paraíso —
em especial se o meu time vence, obviamente.
Ali aprendi a
amar o futebol incondicionalmente.
Palco de
algumas das maiores tristezas e das mais exultantes alegrias da minha vida, o Maraca,
de certa maneira, deixou de ser apenas um local, tornando-se um sentimento, um
estado de espírito, uma maneira de explicar o que se passa no coração e na
mente, uma justificativa para aquela agitação matinal de um dia de domingo.
— Você está
bem?
— Ah, sim,
acordei meio… Maracanã. Hoje tem jogo!
Desde o
momento em que recebi a notícia de que veria o meu time pela primeira vez no
estádio, em 6 de junho de 1992, com apenas 8 anos, entendi instantaneamente o
que motiva este esporte.
Não é
qualquer outra coisa, senão paixão.
Soube na
manhã daquele dia e já não conseguia pensar em nada mais.
Não tinha
fome ou sede, e até a vontade de jogar bola na rua passou.
— Não
importa, é Maracanã! Hoje tem jogo!
Enquanto
finalmente subia a rampa do Bellini, sentia um batimento mais acelerado no
peito, mas imaginei que pudesse ser o cansaço daquela caminhada para uma
criança.
Levantado
pelo meu pai, fiz um carinho no busto do Mané posicionado no topo da rampa,
como mandava a supersticiosa tradição, e parei um pouco para respirar.
O coração,
porém, estava ainda mais descontrolado.
Entrei no
túnel que dava acesso à arquibancada e, aos poucos, a escuridão se dissipou
para dar lugar à vista do gramado mais verde que já vi.
Ao redor, uma
torcida empolgada pela campanha arrasadora do Botafogo de Renato Gaúcho,
Valdeir “The Flash”, Márcio Santos e Carlos Alberto Dias.
Embora o
primeiro gol visto no Maracanã tenha sido do potiguar Nonato, lateral-esquerdo
daquele Cruzeiro, os dois seguintes são até hoje dos mais marcantes.
Chicão e
Carlos Alberto Dias, num lindo voleio, garantiram minha primeira vitória no
estádio, ambos servidos por um Renato Gaúcho preguiçoso por 80 minutos, mas que
precisou de apenas dez para resolver o jogo.
Fui celebrado
pelo meu pai e por um outro tanto de gente.
Todos me
atribuíram o título de pé quente, característica que não sabia bem o que
significava, mas entendi que era boa e aprendi definitivamente naquele dia,
naquele estádio.
No fim das
contas, o campeonato não terminou como queria.
O Botafogo
perdeu a final para o seu maior rival, num dia histórico para o Maracanã por
marcar o penta do Flamengo — o recorde àquela altura — e o seu maior acidente,
quando torcedores caíram da arquibancada por conta da superlotação do setor.
Os anos se
passaram e fiquei cada vez mais íntimo do Maraca.
Conheci todos
os setores, passando pela geral e pelas cadeiras, mas sempre preferi as
arquibancadas.
Gosto da
visão mais ampla possível, do degrau mais alto.
Vivi muitas
histórias lindas, engraçadas, curiosas e aflitivas dentro daquele gigante de
concreto.
Algumas vezes
pude proporcionar a pessoas queridas a primeira ida, como meu pai fez comigo, e
ver a reação desses estreantes é uma sensação indescritível.
Destaco as
três primeiras vezes que levei meu irmão mais novo.
Na tentativa
inicial, mesmo jogando melhor, um Botafogo prejudicado pela arbitragem perdeu
para o Internacional que viria a ser campeão do mundo, no final do ano, em
2006.
Com uma falta
que (não) aconteceu fora da área assinalada como pênalti, o jogo terminou 1x0
para o adversário.
Diante do
apoio constante da torcida e da injustiça que aquela equipe sofreu, numa reação
inesperada para mim, nasceu mais um alvinegro naquela arquibancada.
Ainda no
mesmo campeonato, fomos à partida que marcava a despedida do time daquela
temporada.
Um
melancólico 0x0 com o Corinthians, sob um sol de verão carioca infernal,
confirmou que não seria naquele ano que meu irmão sairia do Maracanã
comemorando pela primeira vez.
Mas pelo
menos foi engraçado ver uma faixa que ocupava metade do anel da arquibancada
com a sonora inscrição FORA, SCHEIDT.
Não era para
tanto, penso hoje, porém torcedor é paixão mesmo.
Finalmente,
na terceira vez, dei um ultimato.
Se o Botafogo
não se classificasse naquele jogo, não o levaria mais ao Maraca.
Era semifinal
da Taça Rio de 2007 e todas as expectativas e atenções se voltavam para a
possibilidade real de sair o inevitável milésimo gol do baixinho Romário.
Quase todas,
na verdade.
A preocupação
do meu irmãozinho era salvar a própria pele.
Ele precisava
vencer aquela partida.
Logo aos 3’,
o Vasco já vencia por 2x0. Com gols aos 5’ e aos 22’, o Botafogo empatou.
Aos 32’,
tivemos a nítida impressão de presenciar o gol 1000 de Romário, mas depois
descobrimos que quem marcou de fato foi Jorge Luiz, num cruzamento errado que
entrou direto sem a ajuda do Baixinho.
Esse roteiro
estava um pouco mais sofrido do que o esperado, porém, antes que a areia
parasse de cair na ampulheta, aos 35’ e aos 44’, veio a improvável virada.
Terminava 4x3
o primeiro tempo.
Todo o alívio
desfrutado no intervalo e por 38 minutos do segundo tempo se foi quando o Vasco
empatou o jogo.
A sorte do
Botafogo — e, mais grave, a do meu irmão — seria decidida na disputa por
pênaltis.
O Alvinegro
foi preciso, o time de São Januário parou na falta de pontaria de seus
cobradores e meu irmão pode finalmente soltar um longo grito de tranquilidade.
Sua entrada
nos próximos jogos estava garantida.
Fomos dormir,
muitas horas depois, com aquele sentimento de Maraca.
É de
histórias assim que se faz um estádio.
Eu poderia
contar centenas delas.
Sei que quem
lê agora e já acordou ou foi dormir com o sentimento de Maracanã tem tantas
outras para relatar.
Ainda que
tenham desfigurado aquele gigante que conheci na infância, transformando-o em
uma arena asséptica qualquer, sem muita alma, sempre vai existir a memória do
que se viveu naquele espaço do Rio de Janeiro.
Vivendo em
Natal-RN desde 2012, tive de diminuir drasticamente a frequência com que vou ao
Maracanã.
Mesmo assim,
foi suficiente para construir outras histórias, levar mais uma pessoa querida
pela primeira vez àquele estádio e celebrar o futebol ali dentro, como sempre
fiz, acompanhando qualquer jogo, de qualquer time ou seleção, ainda que não
fosse o Botafogo, apenas pelo prazer de estar naquelas arquibancadas.
No dia em que
o Maraca faz 70 anos, acabei, talvez, falando mais de mim do que do próprio
estádio.
Mas é isso
mesmo que o sentimento de Maracanã faz; não consigo dissociar a sua história da
minha como torcedor de futebol.
Estou a
muitos passos distante do Maior Estádio do Mundo, mas o amor pelas lembranças
que ele me proporciona, sejam vitoriosas ou não, sempre vai sempre me levar de
volta para dentro desse paraíso.
Nota 1:
Estádio Jornalista Mário Filho é o nome oficial e só vale para quem não tem
qualquer intimidade com o Maraca
Nota 2: É
muito triste e absurdo que queiram jogar futebol no Maracanã na atual
conjuntura sanitária que o Brasil e, especialmente, o Rio de Janeiro vivem
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