- Vou prestar minha homenagem aos radialistas, lembrando um fato de minha infância. Vou voltar tempo; vou buscar no velho baú de lembranças como tudo começou.
- No ano de 1960, deixei o Rio de Janeiro e fui viver na terra de meu pai, a ensolarada e provinciana Fortaleza. Nossa primeira casa se localizava na Rua José Vilar, 1918, no bairro da Aldeota. Era uma rua calma, de pessoas gentis e muitos meninos como eu. E foi nesse lugar que o rádio e eu iniciamos nossa longa e duradoura relação.
No principio eu não prestava muito atenção nas vozes que, de dentro daquela caixinha, cheia de botões, falavam, falavam e falavam. Uma vez ou outra, uma canção me chamava à atenção, mas ainda não a ponto de me fazer desistir das algazarras da rua.
Até que um dia, fui convidado para ir ao Estádio Presidente Vargas. Foi minha primeira vez. Meu tio Mário (tio por afinidade), chegou lá em casa e disse a meu pai: “Hoje esse moleque vai comigo ao jogo e quando voltar, o Ceará terá mais um torcedor”. E lá fomos nós, rumo ao campo de futebol. Eu, feliz pela aventura e curioso por saber o que iria acontecer e tio Mário, satisfeito por quebrar a minha “virgindade futebolística”, carregava uma almofada preta e branca, vestindo a camisa do tal Ceará, mantendo um radinho ligado na maior altura, ouvindo atentamente tudo o que era dito.
Quando chegamos, tio Mário comprou um estoque de pipocas e me olhando fixamente disse de um só fôlego: “Não se afaste de mim de maneira nenhuma. Se você fizer isso, te dou um cocorote”. Depois, sorriu e completou: “Desse lado estamos nós, que torcemos pelo “melhor time do mundo” e, do lado de lá, estão eles, que por falta de inteligência torcem pelos “coloridinhos do Pici”. Lá estava eu, no Presidente Vargas em pleno domingo, para ver meu primeiro jogo de futebol “ao vivo”.
Minha “estréia” calhou de ser no clássico Ceará e Fortaleza. Quando as duas equipes entraram em campo, aquilo virou um pandemônio. Gritos, fogos, vaias e alguns palavrões, novinhos em folha, que me seriam muito úteis, posteriormente. De cara, três coisas me chamaram a atenção. A primeira, foram as cores das camisas do Fortaleza e seus calções e meias azuis. A segunda foi o imponente goleiro do Ceará. Alto, calvo e todo vestido de negro. Ele conquistou a minha simpatia. Seu nome: Aloísio Linhares. A terceira coisa a me chamar a atenção, foi o fato de todos os rádios estarem ligados na Rádio Uirapuru e, quando começou o jogo, a cara que narrava me hipnotizou.
Eu olhava para o campo, mas acreditava mesmo, era na voz que vinha do radinho. Aí aconteceu algo indescritível para um menino de 5 anos. De repente, meu tio gritou um enorme “puta que pariu”...! E o cara do radinho NARROU ASSIM: “Passa pelo zagueiro, chuta e TOOOOOMEEEE BOLA CEARÁAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA!!!! FORTALEZAAAAAAAAAAAAA UM, CEARÁ ZEROOOO!!!!”.
Do lado dos que torciam pelo melhor time do mundo, se fez total silêncio; e do lado dos "coloridinhos do Pici", parecia que todos haviam ganhado na loteria. Ao terminar o jogo, tio Mário me pegou pela mão e eu percebi que ele estava chorando.
Fomos para casa em silêncio. Ao chegar, tio Mário tocou a buzina da Rural Willys, me deu um beijo e disse: “Hoje foi um dia triste, mas ainda sou feliz por ser torcedor do melhor time do mundo”.
Quando entrei, papai me perguntou o que eu tinha achado. Eu olhei para ele e falei: “Pai, eu gostei do Fortaleza e quero ser igual ao Aloísio Linhares”. Antes que meu pai pudesse dizer qualquer coisa, emendei: “Quero um rádio de presente. O senhor me dá?”
O tempo passou. Meu pai e meu tio Mário já não estão mais aqui. Porém, naquele domingo, minha vida mudou para sempre...
Ganhei meu rádio e ouvi muitos e muitos jogos, mas nunca ninguém conseguiu narrar uma partida como aquele locutor da Rádio Uirapuru (todas as vezes que me lembro disso, sinto vergonha de não lembrar o nome dele). Não consegui ser igual ao Aloísio Linhares; e isso sempre me magoou. Mas, aprendi com meu tio Mário, que o seu Ceará era o melhor time do mundo, e que acontecesse o que acontecesse, nada mudaria isso. Mesmo que seu convidado o tivesse traído e se enchido de afeto pelos “coloridinhos do Pici”.
Ah....! Hoje sou radialista, e o sou com muito orgulho, pois consegui entrar naquela caixinha, que num domingo de sol, em Fortaleza, me deixou todo arrepiado ouvindo a voz que gritava: TOOOOOMEEEE BOLA CEARÁAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA... FORTALEZAAAAAAAAAAAAA UM, CAERÁ ZEROOOO”.